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Ensinando Padre Nosso ao vigário

14 de Fevereiro de 2011, por Rafael Chaves

Outro dia eu circulava de carro por Resende Costa, lá pelos lados do bairro Bela Vista, quando ouvi um estalo no vidro do carro. Era um menino de uns 8 a 10 anos (tenho dificuldades para adivinhar a idade dos outros) que havia jogado uma pedra ou, segundo ele, outro objeto de que não me recordo o nome agora. Eu parei instantaneamente o carro, enquanto via, pelo retrovisor, o guri correndo tentando escapulir, e fui ao seu encalço. Acredito que eu estava com uma cara de poucos amigos, daquelas de fazer medo em assombração. Interceptei o moleque pensando em lhe dar um corretivo, quiçá uns safanões na cabeça ou uns panázios no traseiro.

Acontece que sua tia – eu acho que era sua tia – e outros vizinhos logo acudiram ao local e o máximo que eu pude fazer foi esbravejar um pito, um ralho para o moleque. E ouvir o “num pode fazer isso não!” da tia. Recurso eu não tive senão voltar ao carro enquanto o menino, meio ciente da sua impunidade, também retornava para as suas atividades junto aos outros que lhe faziam companhia, ali mesmo na rua.

Coincidentemente, naquela mesma semana, eu recebi um desses e-mails que circulam aí pela rede, cujo título é “Psicologia 1959 x 2010”, contando a seguinte fábula, entre outras:

“Cenário: Luís quebra o farol de um carro no seu bairro. Em 1959: Seu pai tira a cinta e lhe aplica umas sonoras bordoadas no traseiro. A Luís nem lhe passa pela cabeça fazer outra “cagada” dessa. Cresce normalmente, vai à universidade e se transforma num profissional de sucesso. Em 2010: Seu pai tira a cinta e lhe aplica umas sonoras bordoadas no traseiro. Prendem o pai de Luís por maus tratos e o condenam a cinco anos de reclusão e a abster-se de ter com o filho. Luis conhece uma turma de drogados e se vicia. Comete pequenos furtos sucessivos até ser levado a um presídio especial para adolescentes”.

Minha filha confessou-me, já depois dos seus vinte e poucos anos, que eu era um pai muito bravo. Engraçado porque eu jamais me senti assim e foi uma surpresa saber dela essa impressão que tinha de mim. Na verdade, a gente não se lembra do que fez ou deixou de fazer na educação de nossos filhos. Pais, em geral, querem acertar, querem o melhor para os filhos.

Não quero ser egocêntrico ou dono da verdade, mas hoje, olhando minha filha e os caminhos que escolhe – que as escolhas agora são dela – eu penso que a parte que me coube nesse processo de formação da pessoa humana que ela é foi bem sucedida.

Quando somos crianças e adolescentes, havemos de ter muitas desavenças com nossos pais. Sempre houve um descompasso entre os interesses dos filhos e as permissões dos pais. Embora os interesses mudem, conforme a época ou tecnologia ou o que seja, o choque entre gerações é inevitável. Nesse aspecto, não há diferença entre 1959 ou 2011. O que é certo é que, diante de um fato reprovável feito por um filho qualquer, os pais podem ter as mais diferentes reações, desde a mais condescendente até a mais opressiva. Pois eu acredito que a mais perniciosa ao ser humano é a da impunidade. Assim como as boas ações devem ser reforçadas, elogiadas e premiadas, as más ações devem ser reprimidas, desaprovadas e castigadas.

E o menino, o menino que atirou a pedra no vidro do carro? Não sei. O que ele fez pode ter sido um fato isolado e nada se pode inferir daquele ato instantâneo. Ele sabia que tinha feito algo errado, senão não teria tentado fugir. Nem me recordo mais do seu semblante, exceto do seu olhar de espanto que me lançou quando eu me retirava da cena, enquanto ele já se punha a brincar. Resta saber se ele vai atirar novamente uma pedra em algum outro veículo. Se isso acontecer, com certeza ele não captou a lição daquele seu ato. E quem sou eu para ensinar padre nosso ao vigário?

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