Começara a reunião com os pais dos alunos para decidir sobre os detalhes da viagem que os quase cinquenta formandos do terceiro ano científico, digo, segundo grau, fariam para Porto Seguro. A sala estava cheia. As mães, maioria, cochichavam entre si. A soma dos cochichos produzia um escarcéu quase insuportável. Os pais, poucos, acenavam um para os outros à distância, desconfiados e confusos diante da situação. O professor que conduzia a reunião custou a por ordem na casa.
Foram feitas as considerações iniciais - aquelas que não causam polêmica ou controvérsia. Afortunadamente, transcorreu sem que nenhuma mãe levantasse a mão para questionar nada, embora algumas torcessem o nariz e trocassem olhares de inconformismo e desaprovação, não se sabe por qual motivo.
Ultrapassada essa fase preliminar, passou-se às regras e procedimentos que, por certo, devem reger situações como essas.
- O peso máximo admitido é de quinze quilos de bagagem por aluno para serem despachados no compartimento de bagagem do avião, mais cinco quilos de bagagem de mão! – falou o Professor.
Mal havia terminado de dizer, uma mãe levantou-se desesperada:
- Mas a minha filha vai levar uma caixa de vodca, como é que ela vai fazer?
O Professor surpreendeu-se diante dessa primeira intervenção maternal, entre incrédulo e assustado. Ainda mais que entre os alunos havia muitos menores de idade.
- Que ela leve a caixa de vodca e se o peso for menor que quinze quilos, leve o restante de roupas. – disse o professor, mudando imediatamente de assunto para que não despertasse nenhum outro comentário.
- O café da manhã será servido até as dez horas da manhã!
Também, quase que instantaneamente, uma mãe levantou a mão:
- Mas professor, e se meu filho ficar até tarde em alguma comemoração? Ele não vai acordar a tempo do café. Tinha que ser pelo menos até ao meio dia.
Algumas mães aquiesceram com a cabeça. O professor, meio sem jeito, disse que eram normas do hotel e que não havia como modificá-las. E aproveitando-se da oportunidade disse:
- Senhores e senhoras, o hotel não permite som alto nos quartos ou áreas comuns, permanência sem motivo nos corredores, farras e bagunça nas áreas de lazer, atos de depredação e...
- Mas professor – levantou-se, queixosa, uma mãe -, esta é a viagem da vida do meu filho! Ele quer aproveitar, curtir a vida... – completou.
- Minha senhora, esta viagem é a viagem da vida de seu filho e de muitos outros, mas acontece que, no hotel, estarão outros hospedes e outras pessoas a quem devemos respeitar! – disse o professor, em tom professoral, medindo palavras, porém soltando ares inflamáveis pelas ventas.
Depois de respirar profundamente por três vezes na tentativa de resfriar seu pulmão, continuou:
- Por motivos operacionais, costuma não haver possibilidade de pagar contas com cartão de crédito ou débito. Em razão disso, é conveniente que os alunos levem algum dinheiro para emergência. – continuou o professor.
- Ai, meu Deus! Meu filho não tem costume de andar com dinheiro! – tomou-se de aflição uma mãe, colocando a mão sobre a testa.
Àquela altura, um tititi tomara conta do salão. Quase ninguém ouvia ninguém. Uma revolta sem causa tomara conta dos espíritos. Já não importava mais o que o professor dizia. E como lhe era conveniente, o professor lia, ligeiro, as últimas instruções. E assim foi até decretar, à moda judicial, sem direito a recurso ou duplo grau, o fim da reunião.
Antes que fosse embora, um pai o cutucou nos ombros:
- O senhor vai fazer uma caminhada com os alunos na serra, não é? Nessa época está cheio de micuim, como é que o senhor vai fazer?
- Ora, meu senhor, vai quem quiser, não é obrigado! – falou meio impaciente.
- Minha filha pode ser alérgica. Quero um termo de responsabilidade da escola...
- Senhor – interrompeu o professor -, essa é uma atividade extraescolar, vai quem quiser, por livre e espontânea vontade, assumindo os riscos...
E antes que lhe fizessem outro questionamento, o professor deu as costas e foi embora, soltando ares inflamáveis pelas ventas...