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Na terra de deus, o voto no diabo!

12 de Novembro de 2010, por Rafael Chaves

O tempo passou e passou tão rapidamente que ele não teve tempo de registrar sua candidatura para as eleições e defender férias para os aposentados. Que pena! Os aposentados continuarão sem direito a férias e um terço do salário! Entretanto, no frigir dos ovos, ele achou melhor assim. Amador nos meandros profundos da política nacional, estranho às maracutaias ocultas dos lobbies, desconhecido do balaio-de-gatos do Congresso, serviu-se das campanhas eleitorais para ver como é que se faz, profissionalmente, para se chegar ao poder.

A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi o slogan de um dos candidatos dizendo-se “eu sou do bem!”. E não era um bem qualquer, fútil ou material. Nem mesmo o bem a que costumamos chamar as pessoas queridas e amadas, em sinal de carinho e atenção. Era o bem ético e virtuoso. Iniciava-se ali a luta do bem contra o mal. Ou não?

Então o bem começou a prometer coisas e mais coisas. Coisas do bem, claro: aumento do salário mínimo, benefícios para os aposentados, assistência para os deficientes, escola para as crianças, profissão para os jovens, tratamento para os doentes, transporte para os trabalhadores, moradia para os sem-teto. Era a luta do céu contra o inferno. Ou não?

O bem era perfeito para si mesmo. (e para seus asseclas). E fazia propaganda desavergonhada de si mesmo. Era o bem narcisista. Aparecia milagroso ao lado de aleijados, brincalhão ao lado de criancinhas, serviçal ao lado de trabalhadores, curandeiro ao lado de enfermos, simplório ao lado do povo, reconhecido ao lado dos aposentados, mestre-de-obras ao lado dos sem-teto. O bem era quem fazia (obras), curava (genéricos) e ajudava (bolsas). Era a luta do tudo contra o nada. Ou não?

O bem era preparadíssimo, detentor que era de um currículo exemplar. O bem tinha sido tudo na vida, de deputado a governador, de revolucionário a ministro, de pobre a remediado. Da vida do bem nada havia que se pudesse maldizer. O bem tinha reputação ilibada, não havia a menor mácula a manchar-lhe o seu espírito, nem talvez o pecado original. Sua moral era incontestável como a de um monge, sua conduta era exemplar como a de um altruísta e sua ficha limpa como o vácuo. Era a luta do conhecimento contra a ignorância. Ou não?

E o bem, achando que o bem era pouco, se aliou, em caráter exclusivo, ao seu Deus, numa cruzada contra os que defendiam a descriminalização do aborto. Defendeu a vida, a vida desde o óvulo e do espermatozoide, a vida a todo custo, pois que a vida era o bem supremo do ser humano e o bem haveria de cuidar dela, de todas elas, em que situação fosse. Era a luta de Deus contra o diabo. Ou não?

O bem era tão bom que, afinal, parecia que Deus havia se rendido à sua nacionalidade brasileira e enviara outro filho seu para salvar e remir esse povo sofrido, antecipando o paraíso prometido ao resto da humanidade.

Mas havia algo por trás do bem, ou o bem seria absoluto. Havia a nota 3,75 do DIAP quando o bem fora constituinte, votando contra ou se abstendo de votar direitos dos trabalhadores. Também não fora ele a “inventar” os genéricos, nem a bolsa família. Tinha aquela história da venda da Vale do Rio Doce e de outras empresas brasileiras a preço de banana. E ele ainda podia se lembrar daqueles oito anos, em um passado não muito remoto, sem muitas saudades.

Finalmente, diante da urna de votação, passou-lhe ainda pela mente, num flash, a sua candidatura. E no mesmo instante abortou a ideia, pensando que teria mais tempo para se aprofundar no assunto. Então digitou o número do mal, do inferno, do nada, da ignorância, do diabo e confirmou... “graças a Deus!”.

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