Há coisas que acontecem que até Deus duvida.
Zé Alfredo e Adriano combinaram uma cervejada na quinta-feira, como faziam todas as semanas, para espairecer. Deram notícia de uma festa de igreja num povoado perto da cidade e se mandaram para lá. Em pouco tempo deixaram a barraquinha de víspora e foram dançar, que o forró comia solto no largo da igreja. E se engraçaram com umas meninas fogosas que também se engraçaram com eles. Nem bem terminou a primeira música e já estavam aos beijos e abraços com as assanhadas. E antes que terminasse a segunda dança, decidiram fazer coisa melhor atrás do caminhão que fazia vez de palco para a banda. E se atracaram.
Lá pelas tantas, Zé Alfredo e Adriano deram conta de que já era tarde e que suas esposas já deveriam estar nervosas com o atraso deles. Resolveram ir embora, não sem antes voltarem ao largo da igreja para uma última dança com as meninas. “O esporro das dez da noite e o das duas da manhã é o mesmo”, filosofou Zé Alfredo, imaginando o tanto que sua mulher ia esbravejar quando ele chegasse em casa.
Quando entraram no carro, antes que fechassem a porta do carro e a luz do teto se apagasse, Adriano avistou que Zé Alfredo estava com um chupão no pescoço. Zé Alfredo puxou o retrovisor, esticou o pescoço e se deu conta do estrago: uma marca vermelha arroxeada, do tamanho de um ovo bem abaixo da sua orelha. Zé Alfredo ficou branco de pavor, e quanto mais branco ele ficava mais vermelha a desonra se destacava.
- Vamos passar na casa de mamãe! – disse Zé Alfredo.
Zé Alfredo era ferreiro, artesão de dobradiças, ferrolhos, trincos, trancas e toda sorte de artefato de ferro. Moldava, torcia e retorcia o ferro em obras de arte, ardendo na boca da fornalha.
- Fazer o quê na casa da sua mãe a essa hora? – perguntou Adriano.
Foi de seu ofício que Zé Alfredo extraiu seu plano mirabolante. Quando chegaram na casa da sua mãe, Zé Alfredo foi direto à cozinha, acendeu a trempe do fogão, pegou uma colher e a pôs sobre a chama até ela se abrasar e a entregou a Adriano.
- Adriano, passa a colher no meu pescoço.
- Você tá maluco, Zé?! Acha que eu vou fazer isso, cara?
- Adriano, carai, você é meu amigo ou não é? Passa logo essa colher no chupão! – ordenou.
Zé Alfredo berrou de dor. E dolorido bateu à porta de casa, altas horas da madrugada.
A mulher de Zé Alfredo soltou os tamancos pra cima dele. E maldisse a cerveja e praguejou contra Adriano “essa cambada de amigo que você tem” e amaldiçoou todas as quintas-feiras e xingou e esperneou até dar notícia da queimadura no pescoço de Zé Alfredo.
- E o quê é isso aí no seu pescoço? – perguntou a mulher.
- Você não deixa eu falar. Tô tentando tem meia hora, mas você não para de falar...
- O quê é isso no seu pescoço? – insistiu a mulher, tombando o pescoço de Zé Alfredo e examinando de perto a ferida.
- Então, é por isso que atrasei. O cano de descarga do carro do Adriano soltou e eu fui concertar. Entrei debaixo do carro e quando eu estava tentando arrumar, o cano caiu. Tava quente pra caramba e caiu no meu pescoço.
A mulher de Zé Alfredo, condoída e consternada da dor de seu marido, ajeitou pomada e lhe fez curativo. Depois, deitados na cama, a mulher de Zé Alfredo lhe afagou os cabelos:
- Zé, faz mais isso não! - E lhe perdoou, pelo menos até a próxima quinta-feira.