Comprei umas frangas. Meia dúzia delas. Lindas, as frangas. Tão lindas que todo sábado, no meu dia de ir ao sítio, a primeira coisa que eu fazia era procurar por elas. E perguntar ao secretário notícias delas. Queria saber como elas estavam se desenvolvendo:
- Começaram a botar?
Minha preocupação vinha de um histórico de sumiço frequente de galinhas do meu galinheiro. Simplesmente sumiam. Diziam que eram os bichos. Bichos, que bichos? Lobos, cachorros do mato?
Eram seis frangas: três vermelhas e três pretas. As vermelhas eram da raça Rhode Island Red. As outras eram pretas, não me recordo mais de qual raça. Pretas sim, mas com “luzes” cor de ouro nas bordas das penas, principalmente nas penas do pescoço: chiques! Todas poedeiras legítimas.
Quando eu fui comprar as galinhas, minha intenção era de comprar só as vermelhas. As vermelhas são nossas velhas conhecidas, tradicionais. Porém, quando eu vi aquelas outras, pretas, eu não resisti. Além do mais, elas tinham uma característica interessante e inusitada. Elas botavam ovos azuis! Galinhas cruzeirenses! – pensei. Embora não fosse fanático, não haveria como deixar passar em branco os ovos azuis. Foi daí que resolvi comprar das duas qualidades.
Como eu disse, aos sábados eu as contava. Eu apontava pra cada uma, e é uma, é duas, é três (vermelhas). É uma, é duas, é três (pretas). Eu apontava e contava cada uma porque galinhas de raça são todas muito iguais, parecem gêmeas, e eu queria ter certeza da contagem. Ia tudo bem até o dia em que eu contei as vermelhas, mas não encontrei as pretas:
- Ué, cadê as frangas pretas? – fui perguntar ao funcionário.
- Sumiram.
- Sumiram? Mas como sumiram?
Enquanto isso eu andava de um lado para o outro, que é o meu jeito, tentando dissipar a raiva e entender a situação.
- Acho que foram os bichos – respondeu o caseiro.
- Bichos? Mas que bichos? Que bicho ia escolher logo as pretas? Só as pretas? – perguntei.
Só me faltava essa agora, bicho racista! – pensei.
- Então o bicho vem aqui, na escuridão da noite, pega três galinhas e escolhe quais vai levar? E ainda escolhe pela cor? – desabafei ao empregado.
Eu estava à beira de um ataque de nervos, de explodir em fúria. Que bicho seria esse capaz de um amor ou ódio tão grande a uma pretinha que se esquecia de que era um ser irracional?
Não, não era um bicho do mato. Só podia ser o bicho de dois pés! Mas antes que eu completasse meu raciocínio, o funcionário, fazendo uma cara de quem talvez não me contasse caso não me visse naquele estado, disse:
- Olha, eu vi umas galinhas parecidas lá na casa de “fulano”.
O fulano era o vizinho. Então era isso! O bicho era o cachorro, o cachorro do vizinho! Na mesma hora eu parti em direção à casa dele. No galinheiro dele eu encontrei duas delas. Peguei as duas frangas (na verdade quase galinhas), com a licença da dona da casa e fui me encontrar com o vizinho, que eu sabia onde ele estava. Quando ele apareceu eu fui logo perguntando:
- O que minhas galinhas estão fazendo no seu galinheiro? – e mostrei as galinhas a ele, segurando-as pelos pés, cada uma em uma mão.
O cínico – porque ele sabia que as galinhas eram minhas – me veio com a lorota de que as galinhas tinham aparecido lá, do nada, como se galinhas tivessem o saudável costume de visitarem umas às outras, de passearem entre a vizinhança. Depois disse que as tinha comprado e jogou a culpa em outro pobre coitado. Enfim, inventou lá umas histórias que nem compensa relembrar.
Foi a última vez que eu comprei galinhas de raça. Hoje em dia eu vejo galinhas correndo pelo curral e não as conto mais, para não me aborrecer. Umas são pretas, outras mulatas, outras ruivas. São de todas as cores, mestiças, frutos da liberdade e da promiscuidade que reina entre os galináceos do meu sítio. E da seleção natural: sobrevivem as que mais correm dos bichos.
Ah, e antes que esqueça, sumiu uma panela novinha e uma sela lá de casa (entre outras coisas que vêm desaparecendo ao longo do tempo)...