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O pagador de promessas

16 de Outubro de 2012, por Rafael Chaves

Férias é para fazer o que der na telha, até pagar promessa. Inclusive promessa dos outros.

Quando me chamaram – ou eu me ofereci – para a cavalgada, eu nem sabia que o objetivo dela era o de pagar uma promessa que o Vilmar do Zé do Alípio tinha feito. De modo que o meu motivo primeiro, o de cavalgar, foi acrescido ao que o Vilmar fez questão de lembrar a todos durante todo o percurso e pelos dois dias entre Resende Costa e Congonhas do Campo: “Gente, cavalgada cristã, gente!”.

Domingo ensolarado, saímos, lá da fazenda do Tuc, pouco pra frente do Curralinho dos Andrada, Vilmar à frente (feito um Davi do Ciro em Cavalgada Bolivar de Andrade), o próprio Tuc, Dersinho, Deivid, Chiquinho, Felipe Bola, Fabinho, Ricardo, Vander, Weller, Nando e eu, montados, com destino ao Senhor Bom Jesus de Congonhas, em plena festa do Jubileu pagar a tal promessa. No apoio o Mauro, o Pai Faca e o Anderson. Apoio, diga-se, é a função gastroeconômica de uma cavalgada. É encher o gastro e dividir o gasto. 

A cavalgada seguiu, no seu primeiro dia, pelos campos e vales perdidos entre Resende Costa e Entre Rios, com direito a parada para descanso – leia-se cerveja gelada e carne na chapa – nos Coelho e num Pesqueiro.

Tardezinha, noite chegando, já na casa onde pernoitaríamos, Vilmar se esparramou pelo chão sujo da varanda, de roupa e tudo, queixando-se de dor lombar, nele e no cavalo dele. Prenúncio de boa coisa não era. Ele, Vilmar, abastado das mesas fartas de torresmo e outras iguarias feitas por Idê e o cavalo, acostumado aos cochos nutridos de soro de leite e silagem de milho, ressentiam-se do trabalho árduo e sem tréguas daquele dia. Vilmar, que apesar dos anos de labuta rural, sabia que cavalo era cavalo só porque, diferente das suas vacas, relinchava, não entrava na fila da ordenhadeira, não tinha chifres e não tinha os cascos divididos em dois, começou a entender que andar a cavalo e cumprir promessa eram coisas mais complicadas e doloridas do que supunha. Cansado e sem coragem de se levantar, engatinhou feito criança pela varanda para se reunir com a turma e, dizendo qualquer coisa, voltou ao seu lugar rolando pelo chão. O pagamento da promessa começou a ir por água abaixo.

Sob a batuta de Pai Faca, serviu-se frango com arroz e carne na chapa, regados a cerveja e um pouco, só um pouco, de pinga. Uma viola quebrou o silêncio da noite e insistiu em ser tocada pela noite afora, até desafinar de tanta tontura.  

No dia seguinte, ainda que apenas reanimado por uma noite mal dormida no improvisado colchão que o Tuc lhe cedera por gentileza de cunhado, Vilmar arreou o cavalo e montou, decidido a tomar ponteira na cavalgada, assim como o fizera no dia anterior e, por óbvio, pagar sua promessa. Mas não passaram de Jeceaba. Nem Vilmar nem seu cavalo resistiram às alturas das montanhas que dominaram a paisagem daquele segundo dia de cavalgada.

Assim que foi possível, Vilmar acenou para que o Mauro encontrasse onde embarcar o cavalo e a ele próprio. Acabou de chegar a Congonhas montado no caminhão. No Santuário do Bom Jesus de Congonhas confessou seus pecados, rezou longas e demoradas preces que o padre lhe aconselhou para quitar seus pecados, comungou, destruiu e atirou no lixo o maço de cigarros recém comprado e decidiu “não fumo mais”. Ajoelhou-se ante o abrigo do Senhor Bom Jesus, beijou a fita e se foi. Quase nesse mesmo instante, entre os cavaleiros ainda montados, chegando em Congonhas, Dersinho soltava essa pérola, dita por não sei quem: “óia, no Senhor Bom Jesus de Congonhas eu tenho fé, mas nesses outros que tem por aí, ah, nesses tenho não”.

Até hoje não sei qual era a promessa que o Vilmar fizera. Também não perguntei. Talvez fosse a de parar de fumar, mas essa pode ter sido uma decisão de última hora. O certo é que depois de uns dias fui à casa dele e o encontrei fumando. Eu acho que é porque ele não conseguiu fazer o trajeto todo a cavalo. Não sei se é possível cumprir meia promessa. O fato é que Vilmar deu sinal de que “ano que vem vamos de novo”. Promessa é dívida!

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