Seu sonho é morar numa roça, não muito grande nem muito pequena! Entre as montanhas, mas não longe do mar. Entre os bichos, mas não longe da civilização. Entre as árvores, mas onde o sol aqueça. Poderia ser no sul da Bahia, sem axé, ou daí até o Maranhão, sem Sarney. Talvez na zona da mata nordestina. Um lugar onde pudesse comer frango caipira de canela amarela, cozido no fogão a lenha em alguns dias, noutros montar num lombo de um cavalo e comer um peixe fresco frito pela barraqueira da praia, junto com poucos amigos. Um lugar onde, finalmente, pudesse se encontrar consigo mesmo, meio só, esperando a morte, que viria no dia em que não pudesse mais fazer as coisas de que gostasse, qualquer que fosse o dia.
Esse sonho lhe veio mais intensamente naquela tarde de quinta-feira, 26 de maio de 2011, vendo a primeira página de um jornal.
A manchete do jornal dizia que um determinado ex-prefeito, condenado por improbidade administrativa, estava trabalhando na assessoria direta de um governador. E que esse cidadão era um entre cinco, até agora, que ocupavam cargos no governo e que não se enquadravam na Lei da Ficha Limpa Estadual. Essa chamada agredia sua inteligência. Primeiro por não entender a necessidade de uma lei para dizer que um sujeito condenado por desonestidade com o dinheiro público não poderia ser nomeado servidor público. Segundo porque, ainda que com a lei, esta estava sendo desrespeitada.
Outra notícia dava conta da suspensão, pela presidente do País, da produção e distribuição do kit antihomofobia pelo Ministério da Educação. Em que pese que ele não fosse nem um pouco homofóbico, sua inteligência também não conseguiu captar, em meio ao festival de mazelas que assolam o país, inclusive na educação, como pudesse o Ministério da Educação despender e priorizar dinheiro para explicar a estudantes que não é pecado ser homossexual.
Mais adiante soube que um desembargador arranjou um jeito inusitado de pagar pensão à ex-esposa: nomeou-a, em acordo de separação, para um cargo de assessora, com salário de R$ 9,2 mil. Ou seja, o desembargador se utilizava do dinheiro público para saldar uma dívida que, em tese, poderia ser sua, pois enquanto sua mulher fosse trabalhadora, não haveria justificativa para ele pagar pensão alimentícia a ela.
Chegou a ter esperanças, lá pelo meio do jornal, quando soube que, finalmente, Pimenta Neves, aquele mesmo que matou com um tiro pelas costas a namorada em 2.000, fora preso. Mas segundo o promotor do caso, apesar de condenado à pena de 19 anos em 2.006, e depois, em recurso, reduzida a 15 anos, na prática, pelos benefícios da lei, apesar de ter ficado apenas 7 meses na prisão, teria ainda que cumprir somente mais um ano e 11 meses para ter direito ao regime semiaberto. Além do que poderia, alegando problemas de saúde, conseguir o benefício da prisão domiciliar. Ou seja, Pimenta ficaria praticamente impune.
Sua faculdade de percepção, sua maneira de entender as coisas, seus valores pareciam não ser suficientes para crer em todas aquelas notícias. Não sei o porquê de ele me telefonar no final da tarde daquele dia para reclamar, além desse seu raciocínio lógico. Não era comum ele fazer isso. Talvez fosse o sentimento ressuscitado de revolta que tomou conta dele durante sua juventude, quando lutava contra a ditadura militar. Ou ainda pode ter sido uma necessidade de desabafo: “Isso tudo num dia só!”, gritou do outro lado do telefone.
Foi depois desse livramento que ele, após um suspiro profundo que pareceu querer aspirar o telefone, sereno e manso, começou a falar do seu sonho. E disse de como seria sua vida, lá no cafundó, longe dos problemas da vida. “Já dei minha cota de trabalho para a humanidade, trabalho desde os 12 anos”, sentenciou.
Então eu lhe disse, depois de ser todo ouvidos:
- Se você me chamar, vou junto! - E rimos, rimos muito!
O sonho que se sonha junto
16 de Junho de 2011, por Rafael Chaves