Voltar a todos os posts

O VELHO E O MAR (Parte III – o fim)

13 de Novembro de 2014, por Rafael Chaves

Da esquerda para a direita O velho, Emanuel, Seu João, Carine e Adailton

O mar e o céu; o azul e o azul. Ora na crista, ora no vale das ondas. Um vai-e-vem tranquilo e reconfortante, depois de passado o susto. A vida lhe pareceu assim, entre altos e baixos, reflexiva. O esforço de puxar a rede e um bagre e outra vez puxar a rede e uma pescada. As coisas iam acontecendo naturalmente, como se ele, o velho turista desavisado, soubesse o que fazer para ajudar Adailton, o pescador, a pescar.

De vez em quando Adailton o corrigia “puxa prá esse lado”, “não tão depressa”, ou lhe agradecia “isso, assim está bom”.

- Está vendo essa vasilha aí debaixo de seu banco? – perguntou Adailton.

Era uma vasilha de plástico, de cinco litros mais ou menos, com empunhadura, tampada no gargalo e com o fundo cortado, aberto. Ele olhou por baixo do banco para alcançar a vasilha e sentiu que a água lhe batia pela metade da canela. Adailton tinha se esquecido de arrolhar o tampo no casco do barco e a água veio, aos poucos, invadindo o barco.

- Esvazia o barco! – mandou Adailton, enquanto se mantinha ocupado com a rede.

Ele começou a retirar a água do barco com a vasilha num ritmo frenético e urgente, temeroso de o barco ir a pique. Viu-se fazendo companhia aos náufragos do Titanic. Enchia a vasilha com a água de dentro do barco e a esvaziava no mar, desesperadamente. A visão intermitente do barco e do mar começou a lhe anuviar as vistas e ele se sentiu tonto. Conferiu no relógio e viu que passava das três da tarde e ele estava ali somente com o café da manhã. Sentiu-se débil e pensou em se deitar no barco. Desistiu da ideia. “Não, não posso passar mal, não posso!”, pensou, tentando superar-se, para não mostrar a Adailton sua fragilidade. Diminuiu um pouco o ritmo, mas conseguiu esvaziar o barco.

Adailton tinha conseguido uns bagres e umas pescadas, uns dez peixes mais ou menos. Depois de recolhidos os peixes, baixaram as redes ao mar para que esperassem por outros peixes até o dia seguinte. Ele se sentiu aliviado com o final da empreitada, até porque Adailton lhe dissera que estava terminando e que já já poderiam voltar. Entretanto, quando pensava que regressavam, Adailton apontou em outra direção e ordenou que ele acelerasse o motor. E foram novamente entrando mar adentro em direção ao encontro do que, soube mais tarde, era um espinel que Adailton mantinha no mar. No espinel havia uns anzóis vazios de isca, outros ainda iscados, mais um ou dois bagres ou pescada, não se lembrava mais a quantidade, e um xaréu de uns cinco a sete quilos. Adailton parece ter ficado satisfeito com o resultado do xaréu. Depois de recolhidos os peixes, Adailton cortou uns pedaços dos bagres que havia pescado e os fez de isca, soltando o espinel de volta ao mar.

Finalmente, Adailton apontou numa direção e mandou que ele fosse a todo vapor. O barco seguiu a toda velocidade, novamente aos solavancos, voando nos vales das ondas e dando bofetadas na água. Ele seguiu confiante, como se fosse um velho acostumado ao mar. Aos poucos enxergou ao longe, mas cada vez mais nítidas, as pontas dos coqueiros de terra firme.

Antes que chegassem à arrebentação, Adailton retomou o leme do barco. Ultrapassar a arrebentação era coisa para gente experiente. E aos poucos entraram pela barra do Rio Itapicuru.

Pelo Rio Itapicuru, Adailton seguiu até um ponto onde deixaram o barco. Dali o levou a pé até Cavalo Russo, uma atração do lugar. Cavalo Russo era uma duna alta, de areia fina e branca e que se estendia até um riacho de água doce e escura. Das dunas se podia escorregar até o riacho. Ali ele se banhou por longos minutos, achando graça no nome do lugar que, irremediavelmente, o remetia aos seus cavalos, lá nos rincões de sua terra, Resende Costa.

Depois fizeram um passeio rio acima, em meio aos igarapés, até alcançarem uma construção luxuosa à beira do rio. Era a sede de uma fazenda que um português havia adquirido recentemente. Adailton mostrou a casa demonstrando-se consternado, como se não aprovasse a vinda de estrangeiros para o lugar.

Antes que chegassem a Siribinha, ele pensou em comprar um peixe de Adailton. Queria também pedir que Adailton fizesse o peixe em sua casa, para que comessem juntos no jantar. Enquanto ele matutava como fazer isso, Adailton por si próprio o convidou e ele não se fez de rogado. Terminados os passeios, retornam ao píer na margem do rio, em Siribinha, onde Buja os esperava. Talvez estivesse ali para saber do passeio do qual seria ele o condutor, ou para saber do resultado da pesca. Seguiram, ele e Buja, até o povoado, levando em um saco os peixes resultado da pescaria. Adailton seguiu para sua casa para adiantar o jantar.

Escurecia quando ele chegou à casa de Adailton, guiado por Seu Valter. Lá o esperavam Adailton, sua esposa, Carine e Emanuel, seu filhinho. Mais tarde chegaram Seu João e Dona Dia, pais de Carine.

 

A vida se mostrava na sua plenitude, essência e razão. Carpe diem. Ainda naquela noite, em Sítio do Conde, deitado na cama da pousada, ele agradeceu à vida a possibilidade de ter vivido aquele dia.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário