Voltar a todos os posts

Ray Ban

13 de Marco de 2012, por Rafael Chaves

Tudo começou quando ela comprou seus óculos de sol falsificados no Shopping Oiapoque, em Belo Horizonte. Sentiu-se traída pelo seu desejo - desejo incontido de consumo - ao descobrir, tempos depois, que era um Rai Ban, “made in China”, e não um Ray Ban, “made in Italy”. Pior foi o vexame de como isso veio a público. Ela desfilava os seus óculos em pleno verão, domingo de carnaval, na cachoeira dos Pintos, diante de todas as suas amigas e inimigas, quando foi alertada por um paulista que viera junto com sua turma em um carro alugado passar o carnaval aqui em Resende Costa:
 
- Ô meu, esse seu óculos é falso!
 
Não adiantou ela tentar consertar o que não tinha conserto. O denunciante demonstrou e provou por a mais b, e com riqueza de detalhes, a sua tese. Naquele mesmo dia, na solidão do seu quarto, ela esmigalhou seus óculos, vendo neles o paulista - “maldito paulista”, praguejou – até emendar um chute nos seus cacos. Finalmente, atirou-se na cama, afundando seu rosto no travesseiro para enxugar suas lágrimas sofridas e não enxergar o mundo.
 
Ruminou aquela vergonha até o dia em que, viajando pela internet na Lan House do Edgar do Joel, descobriu que poderia viajar a Buenos Aires, de excursão, pagando em dez suaves prestações. Não só descobriu como se decidiu a ir. E foi-se, sozinha e Deus, meses mais tarde, depois de juntar, a duras penas, uns trocados para comprar uns dólares. Sua intenção não era a de conhecer Buenos Aires, dançar tango ou comer “bife de chorizo” acompanhado de Merlot. Não, o que ela queria ter em seu currículo era a viagem de avião, tornar-se uma viajante internacional e comprar um Ray Ban no Free Shop. Sim, o mais importante, comprar um Ray Ban legítimo, que seria sua redenção.
 
Logo depois da viagem, e tendo tomado conhecimento das facilidades que um cartão de crédito poderia lhe proporcionar, foi ao banco abrir, pela primeira vez, sua conta corrente. Não que tivesse interesse em ser correntista, mas para ter o tal dinheiro de plástico. Nesse dia, ela se embrenhou pela agência usando seus óculos novos, modelo aviador, aros dourados e lentes dégradé. Recusou a si mesma de tirá-los, ainda que a luz tênue que iluminava o interior do Banco lhe dificultasse um pouco a visão. Sentiu-se recompensada no momento em que, após inúmeros questionamentos cadastrais, o gerente lhe perguntou se tinha algum patrimônio em seu nome.
 
- Tenho um Ray Ban! E o disse com a firmeza da mulher mais poderosa do mundo, a própria diaba vestindo Prada, digo, Ray Ban. Ainda mais que soube, de antemão, que o gerente era paulista de nascença. “Toma, distraído!”, pensou ela, vingativa, quase em voz alta.
 
É um mistério não desvendado saber se o gerente fez isto constar de sua ficha de abertura de conta, para que pudesse ser usado como garantia em um futuro e certo empréstimo, mas é fato que o Ray Ban incorporou-se à figura dela, de tal modo que ela parecia tão disforme sem eles quanto um poodle tosquiado de máquina zero.
 
Três anos mais tarde, ou seja, da tal compra do Ray Ban falso, que é exatamente neste ano, ela foi passar o carnaval na praia, em Piúma, lá no Espírito Santo, noutras águas, longe das águas da cachoeira dos Pintos, de triste memória. Afinal, carnaval em Resende Costa valia a pena era na semana que antecedia a data oficial e ela havia pulado todos os blocos, de sexta a sexta. Partiu no sábado de carnaval, de manhãzinha, num ônibus com mais outros quarenta e tantos, na excursão com destino a uma casa alugada, a uma quadra da praia, all inclusive.
 
- Lindo, vou dar um pulo no mar. Olha o meu óculos para mim – disse ao namorado, que também estava na excursão. (Parêntesis para dizer que o paulista, assim como ela, mineira, e inúmeros brasileiros não sabem que óculos é substantivo masculino plural, plural de óculo).
 
O namorado, vendo sua amada partir em direção ao mar, não resistiu e a seguiu e aos predicados dela para refrescar e abrandar seus desejos na água, esquecendo-se da sua função de segurança (patrimonial de óculos). Ela também se convenceu de que era a melhor opção quando ele a abraçou por trás. E se abraçaram e se beijaram tanto que as ondas monótonas e preguiçosas de Piúma lhes pareceram as próprias ondas de Pipeline, no Havaí.
 
Ao voltarem do mar, não sei quanto tempo depois, cadê os óculos? E mais uma vez não houve conserto para o que não tinha conserto. Ela afundou sua face na areia despejando lágrimas de sofrimento que rolaram pela areia feito marolas até se perderem na imensidão do mar...

(Para minha amiga Aline, que inspirou esta ficção)

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário