Voltar a todos os posts

Sorvete grátis

07 de Dezembro de 2008, por Rafael Chaves

Enquanto comia batatas fritas Elma Chips sabor churrasco e já pensando num futuro próximo, tão próximo quanto a sobremesa de um almoço (porque criança já pensa e projeta o que pode ser melhor e mais gostoso no futuro, no futuro bem próximo, o mais próximo possível), o menino, de sete anos, saiu com essa, assim do nada, espontaneamente:
- Quando você quiser tomar sorvete de graça você me chama!
- Sorvete de graça?! – espantei-me.
- É... quando você quiser tomar sorvete de graça você me chama! – insistiu o menino.
- Como assim? Onde tem sorvete de graça?
- É que quando a gente for tomar sorvete você vai comigo que eu vou chamar a minha tia. Ela está me devendo, então ela paga...

Não é que tinha uma lógica, embora uma lógica meio torta, o raciocínio daquele menino. No seu processo intelectual, a verdade era a seguinte: ‘se eu não pago, é de graça!’ Ou melhor, ‘se eu faço alguém pagar, então é grátis!’

Senão vejamos! A uma pela lógica dedutiva:
‘Todo sorvete que tomo com minha tia eu não pago!
Esse sorvete que estou tomando é da minha tia;
Logo, esse sorvete é de graça.’


A dois pela lógica indutiva:
‘Este sorvete que estou tomando é da minha tia!
Este sorvete é de graça!
Logo, todo sorvete da minha tia é de graça!’


E a três, abduzindo, ‘todo sorvete que eu não pago é de graça?’ A cuja questão sua inocente inteligência responde: ‘sim, tudo que eu não pago é de graça!’ ou ‘tudo que não sai do meu bolso diretamente é de graça!’.

(... que me desculpem os filósofos se os silogismos não estão tecnicamente corretos...)

Será que o ser humano é assim, nasceu assim, evoluiu assim? Será que a busca da realização seria a de um prazer que você tem, mas que os outros é que pagam por ele?

Diz-se que lá nos primórdios da humanidade uma das primeiras ações e preocupações humanas foi a de os grupos ou tribos mais fortes subjugarem os mais fracos. Para quê? A resposta parece ser a de que os vencedores poderiam viver a expensas dos vencidos, ou seja, ‘de graça’. Os vencedores se tornaram os chefes, os nobres, os reis, os imperadores, os dirigentes, as autoridades, os proprietários... O ser humano busca o poder. O poder é a possibilidade de agir, produzindo efeitos para benefício de quem o detém, sempre.

Porém, antes que eu me enveredasse e me perdesse pelos caminhos árduos e intrincados da filosofia, antes que eu me aventurasse em tentar descrever os defeitos e as virtudes humanas, resolvi sair à rua para sentir na pele aquela manhã ensolarada, clara e cálida depois de dias de chuva e templo nublado, todos sujeitos a instabilidade no decorrer do período. Fui dar de frente a uma sorveteria. Entrei. Fiquei admirando os cartazes coloridos daquelas guloseimas todas: picolé, casquinha de sorvete com duas bolas, sundae escorrendo chocolate e polvilhados de castanhas, milk shake, vaca preta, banana split... Pedi banana split porque poderia escolher três sabores diferentes de sorvete e para lembrar dos tempos de adolescente, tempos idos em que eu só podia ‘lamber com a testa’. Sorvi deliciosamente aquela delícia até me empanturrar e ainda sobrou uma lasca de banana... Meti a mão no bolso e paguei.

Não sei se a gente pensa bem de barriga cheia, a satisfação não instiga a alma, mas antes que eu retornasse ao trabalho (que alguém tem que trabalhar nesse mundo...), ainda caminhando pela rua, pensei: ‘será que fui eu mesmo quem pagou?’.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário