A minha relação com cavalos foi meio às avessas, meio anormal, invertida. Assim que cheguei, vindo de Belo Horizonte, para morar em Resende Costa, comprei uma sela porque sabia que teria um cavalo. Depois comprei um potro porque sabia que teria um sitiozinho. Somente algum tempo depois comprei minha terrinha.
Penso que essa minha “cachaça” veio dos tempos de minha infância, quando um padrinho meu me prometeu de presente levar a um lugar onde havia inúmeros cavalos selvagens e disse que eu poderia pegar qualquer um deles, desde que conseguisse laçar algum. Era só escolher! Então eu me vi e me senti, cá em Minas Gerais, como um caubói daqueles filmes e seriados de faroeste americano. Por causa dessa promessa sonhei com isso durante anos. Mentira descarada: nunca me levou a esse lugar! Lembro-me de quando passava férias nas fazendas de tios, parentes e amigos (minha mãe nos mandava - eu e meu irmão - para bem longe dela durante as férias escolares, para seu merecido descanso e nossa alegria), e ficava admirando os cavalos sem poder montar neles. Para nossa desilusão e frustração, os fazendeiros sempre diziam que os cavalos eram bravos!
Já adulto e homem feito, e porque a gente tem que realizar nossos sonhos, comprei o Ulmo do Kikinger, um potro Mangalarga Marchador, lá na criação da fazenda da Esperança do meu amigo João Carlos. Logo em seguida, sentado nas lajes de cima, notei aos pés das pedras um pasto tão verdinho que decidi: “esse é o lugar paraíso em que meu potro vai viver!”. Combinei com o Bacarini do Nhozinho da Filomena o aluguel do pasto e fiz lá um cocho para o trato verde, sal e ração. Mal sabia eu que cavalos não gostam de capim braquiária. E o pasto era pura braquiária. E, para piorar, o Bacarini, sob a alegação de que o potro não estava gostando da ração, engordava seus porcos com a ração que eu comprava para o potro. O potro emagrecia a olhos vistos para alegria dos porcos do Bacarini, e do próprio Bacarini.
Todavia, apesar do Bacarini e graças ao Júlio do Benevides, Ulmo foi salvo. Júlio cuidou dele quase até ele se tornar cavalo, quando eu, finalmente, comprei meu pedacinho de terra. Todo final de semana ia eu lá no sítio do Júlio para ver o potro correr pelo piquete ou dar guia nele.
Quando Ulmo virou cavalo e foi montado correspondeu a tudo que lhe dediquei. Digo, sem falsa modéstia, que foi durante muitos anos, o mais bonito cavalo da Cavalgada Bolívar de Andrade. O danado chamava mesmo a atenção. Sua cor castanha reluzia naquele corpanzil musculoso, sua cabeça alta e majestosa fazia-o parecer mais alto do que realmente era, suas orelhas dirigidas para cima giravam sobre seu eixo prestando atenção em tudo, seus olhos esbugalhados soltavam faíscas.
Ulmo era um cavalo esperto, altivo, majestoso, imponente. Apesar de castrado, tinha o nervosismo de um cavalo inteiro. Do mesmo jeito que saia, chegava no destino, qualquer que fosse a distância da cavalgada: jamais baixava sua cabeça, jamais se entregava. Os campos, vales, montanhas e rios pareciam pequenos para ele, que queria abraçar o mundo com suas quatro patas.
Depois de algum tempo afastado das cavalgadas, retornou triunfante, recebendo elogios por onde passava. Ao Fabinho do Pimpa coube fazer a última apresentação do Ulmo nesta Cavalgada Bolívar de Andrade. Na sexta-feira, logo após a cavalgada, foi encontrado morto, seu corpo estendido no campo, aos vinte anos, não tão jovem, mas também não tão idoso. Talvez quisesse fazer jus à sua história morrendo no auge e reconhecido, talvez não quisesse morrer aposentado e sem função num pasto qualquer: Ulmo nasceu para brilhar, para ser notado.
Quero dizer, em homenagem a ele e mais uma vez deixando a modéstia de lado, que a história do cavalo em Resende Costa pode ser dividida em AU e DU: antes do Ulmo e depois do Ulmo. Creio que ele legou aos cavaleiros e amazonas amantes do cavalo a perspectiva de se sonhar e almejar ter também um bom cavalo de sela e isso mudou definitivamente a tropa de Resende Costa.
Ao ser enterrado mereceu nossas lágrimas! Estará sempre na memória daqueles que o conheceram. Ulmo justifica toda “cachaça” que bebi e ainda vou beber!
Em nome do Ulmo, agradeço ao Júlio do Benevides, ao Fabinho do Pimpa, que dele cuidaram no início e no fim de sua vida, e a todos que participaram de sua história.
Ulmo
16 de Agosto de 2009, por Rafael Chaves