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A demolição do casarão e a memória perdida

20 de Janeiro de 2021, por Edésio Lara

Antigo sobrado sendo demolido na rua Gonçalves Pinto, centro de Resende Costa (foto André Eustáquio)

No primeiro domingo deste ano, fui me encontrar com a Filomena. Ela completará 91 anos de idade no próximo dia 5 de fevereiro. Cheguei no horário marcado. Ela já me aguardava do lado de fora da casa, com um sorriso próprio dos que adoram a vida. Não por acaso, ela já planeja uma grande festa para o dia 5 de fevereiro de 2030, para celebrar seu aniversário de 100 anos de idade. Viúva e mãe de seis filhos, ela nasceu em Resende Costa. Filomena Andrade Lourdes Resende, porém, anda um tanto inquieta devido à pandemia do coronavírus que a impede de andar pela cidade, visitar amigos, ir à missa e cantar no coral do qual participa há mais de 70 anos.

Filha de José Luís de Lourdes (1882) – o Zequinha de Lourdes –, natural de Carmo da Mata (MG), e de Isbela Andrade Lourdes (1896), do Morro do Ferro, próximo de Oliveira (MG), teve oito irmãos, sendo seis mulheres do primeiro casamento do pai e dois homens do segundo casamento. Empreendedor, pelo que parece – ele era celeiro, mestre de obras e proprietário de uma jardineira que ligava nossa cidade a São João del-Rei –, construiu na cidade uma casa para cada uma das seis filhas do primeiro casamento. Entre elas, estão a da Pensão do Boqueirão, como é conhecida, e a do senhor Barbosinha, o farmacêutico. Ambas as casas localizadas na rua principal da cidade, a Gonçalves Pinto.

O imóvel que construiu para a família na década de 1920, localizada na Rua Gonçalves Pinto, número 114, está sendo demolido. Nessa casa, Filomena morou até os quinze anos de idade. Em 1945, seu pai a vendeu para o senhor Sylla Reis e quem nasceu nela foi o padre Fábio Rômulo Reis. Daquele tempo ela se recorda dos bons vizinhos: “Dona Maria Joaquina, biscoiteira, dos meus avós Quinzinho e Nhazinha e da enorme jabuticabeira que tinha no quintal.” Na fonte da chácara ela buscava água para beber, enquanto seus dois irmãos, João Batista e José Maria, ajudavam a mãe a cuidar das galinhas. Outra boa lembrança são os jogos de vôlei nas lajes de cima, quando os meninos ficavam à distância, deitados no chão apreciando-as, e ao jogo também, prontos para buscar a bola quando esta descia laje abaixo, principalmente em direção ao Buraco do Inferno.

Outra lembrança são as cenas das boiadas que passavam pela rua, sendo conduzidas em direção a César de Pina para, de lá, seguirem de trem de ferro em direção aos matadouros dos centros de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os últimos moradores da casa de nº 114, na rua Gonçalves Pinto, centro de Resende Costa, foram o casal Aires Reis (Neném do bar) e Altair e seus filhos. Abandonada há alguns anos, os novos proprietários solicitaram autorização para promover a sua demolição. Isso agradou alguns e desagradou a outros. Os descontentes acham que o imóvel deveria ter sido tombado pelo Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura. Mas isso não foi possível. Outros não veem motivo para mantê-lo de pé, ante o estado precário de conservação em que se encontra.

Eu conheci bem esse casarão de cinco janelas e cinco portas de madeira na parte de baixo, onde funcionava a selaria. Quando menino, por vezes lá me encontrei com o Nenzito para formarmos um duo – eu na requinta, ele na clarineta – e tocar parte do repertório da Banda de Música Santa Cecília, da qual participávamos, ou os boleros, polcas e valsas como “Branca”, “Saudade de Matão” ou “Saudade de Ouro Preto”, de que gostávamos muito.

De décadas atrás, do lindo casario da Rua Gonçalves Pinto – que chamamos de avenida– não temos mais nada. Os que querem saber como era a rua e suas as casas devem recorrer aos relatos dos mais velhos ou às fotografias. Os mais velhos, também, da forma como recordou Filomena, lembram-se, saudosos, do footing – o andar para lá e para cá dos jovens –, momento precioso para o flerte. Sábados e domingos à noite, enquanto os rapazes caminhavam em uma direção, podiam cortejar as moças que vinham no sentido contrário.

Infelizmente, o casario que mereceria tombamento foi sendo substituído pelos atuais imóveis. O que havia de harmonia nas construções, com seus telhados característicos de quatro águas, janelas e portas de madeira, se foi. As ruas, avenidas e praças lindamente calçadas de paralelepípedos estão, a contragosto, sendo descalçadas ou cobertas por massa asfáltica. Quanto aos imóveis, algumas perdas são irreversíveis, como é o caso do casarão da Rua Gonçalves Pinto, 114.

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