Voltar a todos os posts

Ando espantado

18 de Maio de 2022, por João Bosco Teixeira

Ando espantado com algumas coisas. Uma, em particular: a facilidade com que a gente anda definindo uns aos outros por meio de palavras chulas, deselegantes, quando não ofensivas.

Com que facilidade se fala de terceiros! Basta que alguém pense diversamente de outrem para que se deem início às ofensas definidoras de caráter; para que se diga que fulano é um delinquente, um corrupto, seja ele um Ministro de Estado, um governante eleito por milhões de votos ou um simples colega, companheiro de rua, de boteco.

A sabedoria popular define muito bem esse tipo de gente. Diz que isso é coisa de gente que só fica pensando “no oco da cabeça”. É coisa de gente para quem os outros “ou são angu ou são farinha”; gente metida a ver a garapa ainda na cana; gente que mal enxerga as pessoas e já imagina coisas; gente que gosta de “falar pra fazer momento”; gosta de incomodar os outros com perguntas sem se interessar pelas respostas; gente que, porque não consegue manter palavra “no auge da conversa”, ofende e se retrai; gente que tem “um susto guardado dentro de si”. Enfim, coisa de um legítimo “desenroupado” que, incapaz de dar seu acordo “sem metades”, sai a empinar insultos. É muita pobreza ofender, como diria Vieira, em todos os tempos e modos, em todos os lugares e circunstâncias.

Quanta sabedoria na linguagem popular para caracterizar esse desprezível comportamento de falar dos outros! Quanta sabedoria em pensar que se pode chupar a mesma laranja, deixando a cada qual o direito de sentir um gosto diferente!

Vai se dizer que isso não é de hoje. De fato, tudo isso sempre aconteceu, em ambientes caseiros, nos cantos de cozinha, nos botecos da vida, nas esquinas e quebradas. Sempre se falou dos outros. Vejo, todavia, uma novidade: tudo era à meia voz, ao pé do ouvido, quase com vergonha de dizer certas coisas. Hoje, não, é às claras, por escrito, no duro das letras impressas, aqui e acolá, privilegiadamente nas tais redes sociais, pra todo mundo saber.

Parece não se aceitar mais o “cuide cada um de si e já não será pouco”. É tal o descompasso dessa mania de definir ofendendo, ou ofender definindo, que, segundo ainda a sabedoria popular, teria sido melhor Deus botar “os cegos no mundo para vigiar os que enxergam”.

Estamos esquecidos de que a linguagem nasceu das emoções de amor. E que, portanto, o que conta é realizar um percurso tal na vida que seja capaz de permitir às pessoas encontrarem-se sem pudores, na liberdade. Que as teorias professadas pelas pessoas não as impeçam de ouvir, de estar, de ser. E que a falta das teorias, não as impeça de enxergar.

Vale a pena lembrar Garaudy: “Ao invés de querer converter, quer dizer, de querer reduzir o outro a mim, possa eu aprender a crescer junto.”

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário