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Elis Regina

12 de Fevereiro de 2019, por João Bosco Teixeira

O seriado sobre Elis Regina, que a televisão apresentou e acompanhei em absoluta atenção, independentemente de qualquer consideração, me fez reviver muitas lembranças, curtir momentos inesquecíveis e, até mesmo, projetar outros tantos cheios de vida.

Que retrato de uma época fundamental sob o ponto de vista da vida de uma gente! Que emoções experimentadas nos levaram a observar certos acontecimentos, alguns ainda com lágrimas nos olhos! Afinal, no centro daquela vida, e da sua recordação, estava uma mulher nada comum, dotada de características até contrastantes: valente e com seus medos, altiva e endoidecida quanto se quiser, mas cuja linha da vida, marcada por tantas vitórias, culminou numa aparente derrota.

Foi maravilhoso ouvir de Elis, saído lá do fundo de sua alma: “que sonha com a volta do irmão do Henfil, de tanta gente que partiu num rabo de foguete”. Apreciar a visita de Elis à sua desconhecida Rita Lee me faz pensar de que são capazes pessoas assim, tão duras, tão determinadas, tão autossuficientes, e, ao mesmo tempo, capazes de atitudes meigas, atitudes de total desprendimento e plena consideração para com quem está só! Grande Elis, grandes todos os demais capazes de superar medo e apresentar-se como gente diante dos oprimidos.

Elis foi notável na sua multifacetada expressão. Ora a pedir: “Perdoem a cara amarrada, a falta de abraço... os dias eram assim”; ora a verificar que “quem cantava chorou ao ver seu amigo partir”; e confiar que “mesmo que o tempo e a distância digam ‘não’ ... qualquer dia, amigo eu volto a te encontrar”; ora a suplicar: “E quando passarem a limpo, e quando cortarem os laços, e quando soltarem os cintos e quando brotarem as flores, crescerem as matas e colherem os frutos ... façam a festa por mim”. Era admirável a riqueza de interpretação. Saía de dentro. Parecia nunca representar. Apenas externar.

Apesar de ter tudo na mão, com tudo pela frente, uma solidão imensa, capaz de solapar a admiração de toda uma classe social. Pouca solidão se compara com aquela que se refugia na droga.

Havia um grito íntimo a incomodar Elis, inapelavelmente: ser livre. Liberdade: “O maior dom que, dos deuses, os homens receberam e pelo qual vale a pena perder a honra e até a vida” (Quixote). Elis não conseguiu se libertar. Impedida pelos homens? Assim pensava Henfil quando a viu vítima de sua solidão: “Nós matamos Elis Regina: os homens não entenderam e não deixaram viver uma mulher livre.” Palavras de Henfil? Históricas? Os editores do seriado usaram-nas para justificar uma morte que ninguém queria.

Uma obra de arte pode ser vista sob mil aspectos e mil olhares. Isto é, a obra de arte é para ser contemplada. E contempla-se com a própria vida. O seriado sobre Elis Regina me levou à contemplação. Alongou-se em mim. Tempo, história, alegria, dor, tudo presente a dizer-me: é a vida, que é bonita, mas pode também doer.

Pequena grande Elis! Que saudade! Falta? Não. Está viva.

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