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Religião mal concebida e mal resolvida

11 de Outubro de 2020, por João Bosco Teixeira

“As crises e as mudanças pelas quais a vida e a cultura ultimamente estão passando, nossas dúvidas e nossas obscuridades, as muitas perguntas sem resposta que atualmente se nos apresentam, justamente no momento em que alcançamos os mais altos níveis científicos e tecnológicos, colocam em evidência não só as limitações que nossa condição humana arrasta consigo, mas, além disso, estamos vendo melhor do que nunca que o recurso ao divino, ao religioso, ao sagrado também – com toda certeza – está mal concebido e mal resolvido”.

Essas são palavras de abertura do livro “A humanidade de Jesus”, do extraordinário teólogo José M. Castillo.

Castillo não mora aqui, é europeu, é espanhol. Parece, no entanto, estar escrevendo face a acontecimentos que temos presenciado. Parece ter presenciado as manifestações na porta do hospital em que, uma menina de dez anos, engravidada por força de estupro, foi submetida a aborto. Parece conhecer, em detalhe, a governança do santuário dedicado ao Pai Eterno, que vai acumulando riqueza sobre riqueza, ao que parece nada para atender ao espiritual. Pelo jeito, o escritor espanhol conhece bem a força do grupo evangélico no Congresso Nacional que diz empenhar-se na preservação dos valores cristãos para a sociedade, sem nunca pensar em abrir mão de privilégios e mais privilégios pessoais. Castillo, com certeza, tem ouvido os gritos e contemplado as lágrimas de deputada federal que, acusada da morte do marido, pastor evangélico, suplica pela preservação de seu mandato popular. Ela que se recusava a divorciar-se para não escandalizar os frequentadores de sua igreja.

A ignorância religiosa faz menos mal que o seu conhecimento voltado para o mal. O ateísmo é menos maléfico que a crença usurpadora dos direitos das pessoas. A não necessidade de Deus é melhor que a crença invocadora de Deus para caminhar por caminhos que não sejam os de Deus, isto é, que não sejam favoráveis aos humanos.

Ao avanço tecnológico e científico não tem correspondido o avanço na concepção do transcendente, na concepção do profundamente humano que leva, que pede, que exige a dimensão divina. O humano absoluto invoca o “acima das coisas”. O pouco humano é que não se comove diante da criança grávida. O pouco humano é que não sabe servir a Deus sem muito dinheiro, sem templos faraônicos, sem investimentos lucrativos. O pouco humano é que se preocupa com o próximo sem tocar nos próprios prazeres. O pouco humano é que se rodeia de numerosos filhos e não se incomoda de não terem eles um pai.

“Recurso ao divino, ao religioso, ao sagrado mal concebido e mal resolvido”. Espíritas, evangélicos, católicos sabem, muito bem, que, na base de suas convicções religiosas, ou há um compromisso radical com o humano ou nunca encontrarão o sagrado, o religioso e o próprio Jesus, divino, porque profundamente humano.

Fora do humano não há espaço para o Deus de Jesus.

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