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Saber de que se necessita

26 de Junho de 2024, por João Bosco Teixeira

A vida anda muito doida. O mundo virou de cabeça pra baixo. Nossa, tem jeito mais não. Tá tudo tão confuso. Não sei onde a gente vai parar. A gente não sabe mais em que e em quem acreditar. Tá até faltando gente pra conversar. É só tela, telinha e telão. Cruz credo.

Essas, e expressões similares, têm constituído um incansável estribilho das conversas corriqueiras de tanta gente. Conversas que expressam sentimentos muito comuns, e verdadeiros, das pessoas em seus aspectos relacionais, pessoais e institucionais. São falas, por isso, que independem de escolhas pessoais: são expressões do senso comum. São falas de pessoas induzidas por circunstâncias que lhes imprimem fragilidades, exclusões, carências de todo tipo e das quais, não só não conseguem se libertar, como lhes condicionam comportamentos, atitudes e até crenças.

Não fico insensível face a tão significativas manifestações. Longe de mim, por isso, imprimir a elas um caráter pejorativo e condenatório. Nada disso. Até mesmo porque, na maioria das vezes, são falas de pessoas já com algumas dezenas de vida, que podem estar experimentando novidades agressivas, contraditórias com a experiência que foram acumulando nos dias.

Não sou insensível à manifestação de tais comportamentos e por isso não fujo de uma reflexão sobre a matéria, principalmente se indagado e, mais ainda, se procurado como psicólogo clínico.

Entre outras, tenho uma particular convicção: toda vez que se encontra uma contradição, um desconforto qualquer na vida, é muito oportuno verificar quais as premissas causadoras da situação. E isso em matérias simples e mesmo nas complexas. Um exemplo singelo: a contradição ou ambivalência que uma pessoa pode experimentar na compra de um vestido: este ou aquele? Se ela não esclarecer qual a finalidade do vestido, a dúvida não se desfará; é preciso ter clareza sobre a qual necessidade o vestido novo atenderá. Um exemplo, em matéria mais complexa: a reforma fiscal pela qual está passando o país. Quanta discussão, quantas opiniões díspares, quanta confusão. Ora, sabe-se que os tributos existem para, pelo menos, duas ações: a manutenção do Estado e os investimentos. Pois bem: se não se define o tamanho do Estado que se quer (dez, vinte, trinta ministérios...), não há como fazer uma reforma fiscal que garanta os recursos necessários para a sua manutenção. Ou não é assim? Então: a definição das premissas é exigência indispensável para a eliminação da dúvida, da contradição, da ambivalência.

Por isso, interrogado por pessoas com falas, quais as acima citadas, costumo sugerir: quem sabe você está vendo a vida assim porque julga ser dono da verdade, porque julga saber o que é ou não é bom, o que se pode ou não fazer; quem sabe não será porque você considera seu tempo melhor que o de hoje; ou será porque você tem dificuldade para mudar de ideia; ou será porque você não consegue ser bastante livre para se comportar de maneira diversa daquela na qual cresceu? Enfim, as premissas de nossos comportamentos (julgar-se dono da verdade, julgar uns tempos melhores que outros, não ser capaz de trocar de ideia, não se sentir livre para mudar costumes e comportamentos, julgar-se mais maduro que outros, mais informado, mais inteligente...), as premissas, digo, condicionam, modelam nosso comportamento e são responsáveis por muitas insatisfações, desconfortos que se apresentam na vida. Nosso comportamento tem sempre uma premissa, conhecida ou não, aceita ou não. 

Ter clareza sobre o de que se necessita é garantir uma vida mais simples, e até mais feliz, porque resultado de ações livres.

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