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Futebol e Ditadura

14 de Junho de 2020, por Samira Silva

Há 55 anos, em 31 de março de 1964, o Brasil começava a viver sob o regime militar – período de forte repressão e de limitação de liberdades que durou 21 anos. Era uma época em que não havia internet, blogs, redes sociais e outros meios de comunicação. Não existia liberdade de imprensa nem circulação de informações como hoje. O futebol não era tão exibido, poucos jogos eram transmitidos pela TV. Mas, ainda assim, a televisão era o meio através do qual as pessoas se manifestavam ao público sem tantos filtros.

O futebol se tornou um programa utilizado como propaganda da ditadura. Ídolos, clubes e até o próprio Mineirão foram envolvidos direta ou indiretamente nesse meio. Reinaldo, ídolo do Atlético- MG e referência para muitos, com gestos simples começou a sintetizar a resistência ao golpe militar. O seu gesto de erguer o punho cerrado representava muita coisa: “Meu gesto era um alento aos socialistas, um sinal de apoio e unidade perante uma causa”, explicou, em trecho publicado na biografia “Punho Cerrado”.

Mas este “simples” posicionamento incomodava o poder dos generais. O jogador cita no livro um encontro que teve com Ernesto Geisel, durante o qual o presidente revelou que “Reinaldo jogava muito bem, mas que não deveria falar de política”. E a tentativa de opressão não parou por aí, já que André Richer, chefe da delegação da Seleção Brasileira, pediu o fim da comemoração com o punho cerrado. Entretanto, o pedido não funcionou. Num jogo na Argentina, quando Reinaldo marcou um gol, ele não deixou de fazer sua marcante e afrontosa comemoração. Não vista com bons olhos, nos jogos seguintes, sofreu no banco reservas.

Daí em diante, as perseguições na seleção, ou por parte da CBD, hoje CBF, nas campanhas do vice-campeonato brasileiro do Atlético-MG, em 1977 e 1980, se seguiram.

Anos anteriores aos atos ocorridos com Reinaldo, o regime militar já se fazia presente no futebol mineiro. Ídolos do Atlético e do Cruzeiro, Dadá e Dirceu Lopes, respectivamente, viveram situações dissemelhantes nas vésperas da Copa de 1970.

Com Médici no governo, os dias de Saldanha na seleção estavam acabando. “O João, politizado, comunista, começou a bater de frente com o presidente. Ele começou a incomodar o poder”, relata Dirceu. Como já esperado, depois de atritos, Saldanha foi demitido às vésperas do mundial. Foi então que Zagallo ocupou a vaga, fazendo com que Dirceu perdesse espaço e acabasse fora da Copa.

As mudanças feitas no comando da seleção deram espaço para Dario (Dadá Maravilha). Diferentemente de Dirceu, o ídolo atleticano foi convocado para a Copa do Mundo.

O que se via é que a maioria dos jogadores naquela época não tinha consciência política e, por isso, muitas vezes eram manipulados. “Nós éramos usados pela ditadura militar e a gente não tinha noção nenhuma. Quando tinha movimento de alguma coisa, trazer a Seleção Brasileira mudava o foco”, relembra Dirceu. Wilson Piazza, outro ídolo da história do Cruzeiro, também comentou sobre a falta de conhecimento político. “Infelizmente, faltava consciência política à seleção. Se soubéssemos que nossa conquista estaria ajudando de alguma forma o governo, poderíamos ter feito algo diferente. Só queríamos jogar bola. Se era ditadura, democracia, pouco importava”, disse, em entrevista ao Correio Braziliense, publicada em 2014.

Assim como Reinaldo, Tostão também foi ameaçado devido ao seu posicionamento contrário às privações de liberdade no país. Disseram que se ele continuasse concedendo esse tipo de entrevista ele seria cortado da Seleção Brasileira.

Atualmente, os jogadores não sofrem opressão e conseguem se posicionar sem serem prejudicados de alguma forma. Muitos atletas usam suas redes socais e momentos dentro de campo para deixarem seus recados à sociedade, gestos que antigamente não seriam vistos com bons olhos.

A ditadura militar foi um momento muito duro e obviamente não ocorreram opressões somente dentro do esporte. Muitas pessoas sofreram ameaças, torturas e mortes. E 55 anos depois, ainda passamos por coisas frustrantes como, por exemplo, o fato do atual presidente da república, Jair Bolsonaro, permitir “as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964”.

Foram torturadas 20 mil pessoas durante 21 anos de ditadura e aproximadamente 434 mortes e desaparecidos nesse período. Em datas como essa não deve haver comemoração e sim conscientização e aprendizado para que nunca mais ocorra algo parecido.

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