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A gastronomia salva vidas

19 de Janeiro de 2017, por Cláudio Ruas

Essa eu preciso assuntar: no último dezembro tive a oportunidade de conhecer de perto um projeto interessantíssimo de geração de renda através da gastronomia, em um bucólico lugarejo incrustado aos pés da Serra do Caraça. Lá no Morro D’água Quente, distrito de Catas Altas. Esse projeto, embora ainda esteja em andamento, é a mostra do poder da gastronomia na transformação das pessoas e de tudo que gira em torno delas.

Resumidamente, ele funcionou da seguinte forma: a mineradora que explora o lugarejo contratou uma empresa especializada em promoção de desenvolvimento sustentável. Foi feito então um estudo sobre o lugar, as pessoas e suas habilidades, as necessidades, os potenciais etc. Em seguida, partiram para a capacitação e articulação de todos os participantes e parceiros, sendo que o foco se deu na população de baixa renda e nas mulheres do povoado. O trabalho também visava promover um empoderamento feminino, fator importantíssimo, aliás.

Criou-se então a feira “Sabores do Morro”, que ocorre aos segundos domingos de cada mês, no adro da linda igrejinha do Bonfim, com diversas barracas, cada uma responsável por um tipo de iguaria típica da região: quitandas mineiras, doces, geléias, vinhos e licores de jabuticaba, cerveja artesanal, queijos, hortaliças, frutas, mel etc. Além de comidas, música ao vivo, atividades para crianças, tudo muito bem organizado, padronizado e enfeitado. Um charme de feira, de muito bom gosto e agradabilíssima, ultrapassando a necessidade inicial de um mero ponto de venda e alcançando outras finalidades, como a de se criar um espaço de encontro, divertimento e confraternização da comunidade, turistas e visitantes. Além, é claro, de valorizar os produtos e a cultura gastronômica local e de Minas Gerais.

Ao final de um ano de sucesso da feira, foi realizado um festival de gastronomia, do qual tive o privilégio de participar, juntamente com minha esposa (Casal Gastrô-MG), ministrando uma das diversas oficinas oferecidas, todas elas destacando nessa edição a fruta símbolo da região, a jabuticaba. Além de outras atrações ao longo do final de semana (como a própria feira), foi feito um divertido cortejo pelo vilarejo, para inaugurar a “Rota dos Sabores”, uma ideia simples e ao mesmo tempo genial: ao invés de limitar a comercialização dos produtos da feira para um único dia no mês, foram instaladas lindas placas nas casas dos produtores, permitindo que todos comprem diretamente na fonte e em qualquer dia. Medida que ainda permitirá uma maior aproximação e interação entre produtor, consumidor e produto, uma tendência mundial cada vez mais forte – e óbvia.

Como se não bastassem os atrativos de uma feira desse tipo, sob o ponto de vista turístico ela é estrategicamente bem localizada. O Morro D’água Quente faz parte de uma das regiões mais lindas e importantes de Minas, a que rodeia a majestosa Serra do Caraça, bem no coração da Estrada Real. Além da vista deslumbrante da serra prateada, o pequeno distrito de oitocentos habitantes é bonito e arrumado, com ruas limpas e calçadas de pedrinhas, tendo ainda pracinhas e interessantes muros vermelhos de pedra. Tem muita água cristalina brotando do morro, passando pela vila e alimentando cachoeiras, lagos e riachos. Além disso, fica a poucos quilômetros de destinos turísticos já consagrados, como sua sede Catas Altas e o imperdível Santuário do Caraça, além de outras cidades como Santa Bárbara, Barão de Cocais, Mariana e Ouro Preto. Um lugarzinho especial, com um potencial turístico ainda enorme e que, graças ao projeto e à feira, já está sendo incluído nos roteiros turísticos da região.

A melhor parte do resultado desse projeto muito bem realizado pela “Raízes – Desenvolvimento Sustentável”- e abraçado com suor e fé pelos participantes - eu deixei para o final: o benefício gerado para as pessoas da comunidade, sobretudo as mulheres. Todo trabalho lá realizado e o sucesso da feira Sabores do Morro foram capazes de dar uma reviravolta positiva na vida de muitas pessoas. Problemas familiares, financeiros, de saúde e até de autoestima puderam ser curados através da gastronomia, o que me foi confidenciado pelas próprias produtoras da feira. Além dos sorrisos estampados pelas melhorias de vida já conquistadas, me encantei com os brilhos nos olhos ao falarem do futuro e das perspectivas, isso em pleno período de crise em que vivemos. Sim, a gastronomia salva vidas. E nossa Resende Costa (que sequer tem uma feira) precisa descobrir isso logo.

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