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Mexer com leite é um trem danado

17 de Marco de 2020, por Cláudio Ruas

Depois de um tempo afastado (mexendo com leite e queijo, aliás), voltei. A pecuária leiteira é uma atividade muito presente em nossa história e cotidiano. É uma atividade enraizada em nossa cultura, ao mesmo tempo prazerosa, mas necessária e sacrificante. Mexer com leite é um trem danado. E a sociedade precisa saber disso.

Seja numa produção pequena ou grande, há um fator que caracteriza bem a dificuldade do negócio: o compromisso diário. Para a vaca não existem férias nem domingo chuvoso. Além da tarefa de acordar de madrugada, buscar a vacada longe, ordenhar, desviar-se do coice (e do xixi), lavar as tralhas, tratar, remediar, rapar curral, tirar do buraco, ajudar no parto etc., ainda existe um trabalho que começa bem antes. Da manutenção da cerca à formação do pasto e do plantel, passando pela construção do curral até a produção da silagem – empreitada anual onerosa e arriscada. Como se não bastasse, o preço pago pelo produto é irrisório (há quem receba R$1,20/litro!). Aliás, o leite é das poucas coisas que baixam de preço, ao mesmo tempo em que ele e seus derivados só aumentam de preço no supermercado! E quem bota o preço é o comprador, tá?!

O produtor ainda sofre com outros problemas que a população do campo enfrenta: estradas péssimas, falta de segurança e de serviço de saúde, energia cara e ruim, ausência de mão de obra e de políticas públicas e até solidão. A família muda para a cidade, os vizinhos vão diminuindo e o que sobra é uma montanha de serviço e de contas a pagar. Até a música caipira que ele gosta de ouvir no rádio está acabando e nem as festas e exposições ele pode aproveitar, pois não são mais feitas para ele.

Mas então por que se continua nessa peleja? Muitos por necessidade, pois têm a terra e não veem outra atividade com retorno rápido. Outros pelo negócio, conseguindo até sucesso na empreitada – embora alguns sejam enganados por si próprios, pois não têm tempo nem de fazer as contas corretamente. Há também uma questão cultural e emocional. Nós mineiros fomos forjados segurando bateias e tetas. Essa lida também tem seu lado prazeroso. A beleza duma vaca sadia, o afeto com ela e com a bezerra que acabou de nascer, a satisfação do balde cheio de leite, alimento rico e diário para a família. E toda vida e energia que um curral de leite traz para uma fazenda.

Falta ao produtor mais união e suporte técnico. Uma cooperativa forte, um sindicato, associação e outros órgãos (Emater, Senar) mais atuantes. Mas falta também mais abertura da sua parte para receber informação. É preciso que ele ouça e prestigie os eventos. O que não ocorreu, por exemplo, numa palestra interessante promovida pela Arcosta/Emater, sobre uma variedade de capim elefante que a Embrapa desenvolveu como alternativa à silagem de milho, o “BRS Capiaçu”. Próprio para ensilagem, embora seja interessante para corte manual (não tempelos). Rebrota do chão, permitindo crescimento uniforme e o trabalho da forrageira. Resiste a veranicos, é palatável e nutritivo, perdendo para o milho apenas quanto à energia. O que pode ser corrigido com a adição de fubazão na ensilagem. Pode dar três cortes ao ano e chega a promover redução de até 60% nos custos em relação ao milho, o que tem feito muita gente migrar para o Capiaçu.

Outro problema é que não se vê por aqui a intenção de se agregar valor ao produto. Só se fala em aumentar a produção, o que pode se tornar um círculo vicioso: aumenta as vacas, planta mais milho, produz mais, mas a conta sobe e ele tenta aumentar a produção e assim vai. Continua escravo do laticínio e do banco, ao passo que poderia processar o leite na fazenda, se libertar. Não é tarefa fácil. Mas é um caminho que tem se mostrado viável mundo afora, como no caso dos queijos artesanais. Resende Costa é privilegiada, tem condições ideais de produção do Queijo Minas Artesanal (que usa “pingo” e é curado), está dentro duma das sete regiões queijeiras reconhecidas por lei e ainda é uma cidade turística. Existe, sim, um outro caminho.

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