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Abacate só com açúcar?!

17 de Junho de 2015, por Cláudio Ruas

Quem acompanha essa nossa prosa gastronômica já deve ter percebido que volta e meia aparece um ponto de interrogação por aqui. Não é à-toa. Diante de um meio de comunicação tão significativo como este, eu não poderia perder a chance de colocar, na mesa de cada um de vocês, uma pitada de reflexão, preferencialmente em quantidade moderada, tal como se faz com o sal e o açúcar. A comida também precisa ser pensada, não só comida. Não somente pela busca do prazer do consumo, mas também por tudo que gira em torno dela (saúde, meio ambiente, cultura, economia). E o nosso tradicional e delicioso “abacate com açúcar” pode ser um prato cheio a se pensar, por dois aspectos.

O primeiro diz respeito ao fato de que, aqui no Brasil, a maioria da população ainda continua consumindo o abacate somente na sua forma doce, seja amassado com açúcar, ou em vitamina com leite (e açúcar). E digo “ainda” porque já faz tempo que a globalização invadiu nossas cozinhas, trazendo interessantes receitas e costumes de outros países, que, ao contrário daqui, também consomem o abacate de outro jeito: com sal, nas saladas, com carnes, em forma de pastas, molhos e cremes. Ou até mesmo na sua forma natural, sem nada.

Inegavelmente o abacate docinho é uma delícia, e faz parte da minha dieta com muito prazer. Até porque, como todo bom mineiro da gema amarelo-caipira, também tenho um lado tradicionalista bem forte. Porém, seria até injusto com a mãe-natureza deixar de explorar e consumir mais esse fruto tão especial – e comprovadamente versátil - que é o abacate.

É bom que se diga que o uso do abacate sem o açúcar não se trata de invencionice de algum maluco, ou de um chef de cozinha contemporâneo. Basta viajarmos para as bandas da América Central (México, Guatemala, Antilhas), de onde surgiu a planta, que por sinal é um ícone da cultura gastronômica desde as antigas civilizações até hoje. Praquelas bandas o abacate é consumido principalmente na sua forma salgada, como na clássica “guacamole”, onde é amassado e misturado com sal, limão, azeite, tomate, cebola, pimenta e salsinha/coentro. Simples, nutritivo e delicioso, bom para servir com pão árabe, torradas e na massa de pastel frita ou assada. Ou até mesmo no churrasco, substituindo o vinagrete.

Também fica muito bom amassado e misturado somente com sal e mostarda, ideal para passar no pão do sanduíche, inclusive substituindo a maionese. Batido no liquidificador com um pouco de creme de leite ou iogurte natural e cebolinha, temperado a gosto e levado à geladeira, vira um creme delicioso e suave (além de lindo), para servir em um copinho como entrada ou para acompanhar um camarão frito e um lombo de porco assado. Ou regar uma salada de palmitos, tomatinhos cereja, azeitonas pretas e cubos do próprio abacate. São inúmeras opções e vale usar a criatividade. Só não vale levá-lo ao fogo (infelizmente), senão amarga.

O segundo aspecto do consumo exclusivo do abacate com açúcar é o seu acompanhante. Faz um baita mal para nossa saúde: vicia o paladar, engorda, adoece e chega a matar trinta e cinco milhões de pessoa por ano no mundo. E a indústria ainda lucra com isso, dando risada da nossa cara, depois de conseguir empurrar goela abaixo esse costume de formiguinha.

Mas como é (quase) impossível viver sem ele, até porque o dito cujo aparece escondido em uma infinidade de alimentos, sobretudo os industrializados (até nos salgados!), o ideal é conseguir fazer um consumo moderado e consciente. Assim como para as muitas coisas prazerosas da vida. Eu até gostaria, mas torrêmo cabeludo com cachaça todo dia não dá.

O bom é que o açúcar tem uma vantagem em relação ao torrêmo: pode ser substituído sem que sua função seja comprometida. A substituição pelo mel de abelha não só é satisfatória quanto ao adoçamento, mas também quanto ao ganho de sabor. Além de se tratar de um alimento natural e muito mais rico nutricionalmente embora também engorde. Aliás, antigamente, o adoçante oficial da humanidade era o mel. Já a dependência do açúcar, bem, essa dá pano para muitas outras mangas e prosas.

 

Gosto e costume realmente não se discutem. O que se deve discutir, ou melhor, refletir são as coisas que estão escondidas por detrás deles.

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