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Bloco do Fugão

17 de Marco de 2016, por Cláudio Ruas

Sim, é “fugão” com “u” mesmo, do jeitinho que normalmente pronunciamos. O que, aliás, não poderia ser considerado tão errado assim do ponto de vista linguístico. Que meus pais professores de português não leiam isso, mas sempre me perguntei por que a escrita muitas vezes caminha tão distante da nossa realidade? Não só a escrita, mas muitos de nossos costumes também, inclusive os festeiros, sobretudo o carnaval que acabou de passar. Por que dependemos tanto do poder público para nos divertirmos ou manifestarmos culturalmente? É um assunto complexo e que demanda bastante reflexão, mas, enquanto isso, tem um pessoal por aí que vem curtindo o carnaval por conta própria e de uma forma única e genial: a turma do “Bloco do Fugão”.

Se a cozinha é o coração da casa de um bom mineiro, o fogão de lenha seria o sangue que nele corre. Somos apaixonados por essa tecnologia criada há milhares de anos e que perdura até hoje e tem tido mais espaço e valorização, até nas cozinhas mais modernas. O uso controlado do fogo, como já assuntamos por aqui, foi responsável por uma enorme revolução na vida dos seres humanos, uma vez que permitiu não só aquecimento e proteção, mas um maior aproveitamento energético dos alimentos cozidos. Aí, sobrou mais tempo para exercer outras atividades e assim nos desenvolvemos. E o encantamento com aquela chama mágica continua aceso, sendo esse bloco uma prova ambulante disso.

Para quem não teve o prazer de conhecê-lo, explico melhor: o “Bloco do Fugão” gira em torno do seu carro alegórico – para não dizer calórico – que nada mais é do que um fogão de lenha movediço, sobre rodas, e movido por tração humana (e pinga também!). Existe ainda um carrinho de apoio para levar o combustível, a lenha. Se ela não o move, ela o faz fumegar pelas ruas da cidade, espalhando seu cheiro delicioso que se mistura com o das iguarias nele preparadas: linguiças, carnes, torresmos e o inseparável escudeiro angu. Tem até a vara de bambu com as linguiças dependuradas em riba do fogo, que vão se enfumaçando de sabor ao longo do percurso.

Outro detalhe interessante: o fogão é feito de barro, à moda antiga, e é re-construído todos os anos às vésperas do carnaval, quando a turma se junta no ritual de amassar o barro. O “Lili Tatu”, com seus pés enormes, é o responsável pelo amassamento. O fogão ainda tem como um dos seus condutores um motorista de luxo, nosso amigo “Budinha”, sujeito bom de roda que há anos carrega com segurança e presteza os resende-costenses nas idas e vindas da capital.

Mais um detalhe interessante: o bloco é aberto e os comes e bebes não são restritos aos integrantes encamisados, mas a todos aqueles que se aproximam ao longo do desfile, que já começa pela manhã, despertando a curiosidade de todo mundo na cidade. Nesse ano presenciei uma cena de um turista do Rio de Janeiro que veio eufórico tirar fotos e manifestar seu encantamento com aquilo tudo, inclusive se surpreendendo com o fato de que a cachaça e a pelota de angu com torresmo quentinho oferecidos na hora não eram cobrados.

Ao contrário do que era de se imaginar nos dias de hoje, o que ali é servido não custa dinheiro. Os insumos são doados pelos participantes e entusiastas do bloco, e compartilhados com aqueles à volta do fogão. Isso reflete a generosidade e o acolhimento do nosso povo mineiro, que ao invés do dinheiro alheio, ainda prefere em troca seu sorriso, sua companhia, sua gratidão.

 

Acredito que por isso também o “Bloco do Fugão” vem dando certo ao longo de quase uma década, sem visar o lucro e sem depender dos cobres daquele que vem beber uma, ou então do poder público. Infelizmente vivemos em uma sociedade cada vez mais refém e dependente (do dinheiro) desse poder, sobretudo no que diz respeito à diversão e às manifestações culturais como um todo. O poder público pode – e deve – dar as condições básicas para que isso aconteça, até porque elas fazem parte do bem estar social. Mas precisamos caminhar mais pelas próprias pernas, senão, um dia esse fogo apaga de vez.     

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