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Era uma vez um frango

16 de Abril de 2019, por Cláudio Ruas

Era uma vez um frango. Não um frango em si, o bicho, que cresce, cisca, morre e vai para a panela. Um frango como uma “instituição”. Um frango em forma de tradição, cultura e celebração. Um frango como um evento semanal, quase religioso, em um peculiar cotidiano de um grupo de amigos, numa rocinha de uma cidade do interior das Minas Gerais, no coração do Brasil.

Era uma vez um frango. Que começou há mais de vinte anos atrás. Não em um final de semana, mas numa noite de segunda-feira brava. Era nesse dia que o proprietário tinha uma folguinha na sua agenda corrida. E lá se foram ele e seus amigos aproveitar a rocinha recém-comprada, com muita prosa, cachaça boa, luz de lampião e um clássico da culinária mineira: o frango caipira ensopado.

Era uma vez um frango. Depois da primeira semana, ele foi se repetindo, repetindo, tomando forma e corpo, virando tradição. Sempre nas segundas (à exceção do Carnaval, quando era transferido para Quarta de Cinzas), só os homens e o prato principal, o frango. Abatido na hora. Cozido no mesmo caldeirão. Ensopado, na maioria das vezes com caldo engrossado com fubá. Algumas vezes com quiabo, quase nunca ao molho pardo, mas por um bom motivo: o “sango”, talhado no caldo quente, se transformava num concorrido tira-gosto.

Era uma vez um frango. Que, na verdade, escondia por detrás da sua figura culinária um colosso de tira-gostos. A começar por uma taia de qualquer coisa preparada às pressas na chapa quente do fogão, a modo de amparar o primeiro – e urgente – gole de cachaça. A mandioca cozida na leiteira grande, a pele enfumaçada do varal de bambu, o torrêmo e a linguiça.  Sempre escoltados por um prato de angu quente (roubado da panela), ainda um pouco cru. Pimenta em cima e aquela “obrigação” de beber uma pinga.

Era uma vez um frango. Onde a chegada do tira-gosto na mesa tinha o poder de promover uma inquietude dos participantes, uma ciscação danada. Alguns se levantando do banco, outros largando suas funções de preparo, a conversa interrompida e todos ali, salivantes, em volta da comida, caçando o vidro de pimenta ardida e disputando a canequinha de cachaça esmaltada. A lista dos petiscos tradicionais era grande e variava conforme a disponibilidade dos ingredientes, inclusive da horta. Nem só de carne viviam aquelas hienas famintas. O jiló e o brócolis, por exemplo, eram dois itens presentes no cardápio. O primeiro, cru, com sal e limão, e o segundo, cozido no vapor do próprio frango, servido com muito azeite português – uma verdadeira iguaria.

Era uma vez um frango. Que volta e meia ainda recebia outros animais para dividir sua atenção. Cabrito, carneiro, leitoa, peixe e até alguns exóticos, como javali, paca, tatu, cotia (não!). Quase sempre presentes ofertados ao dono, pessoa querida da cidade e grande apreciador de sabores especiais. Mesmo assim, o frango continuava como a grande estrela da companhia, mesmo não sobrando tanto espaço para ele nos estômagos da turma.

Era uma vez um frango. Cujo ritual começava no planejamento da ida, na parada estratégica para comprar cerveja na venda de roça, na sintonização do rádio companheiro, na escolha dos copos preferidos de cada um, no descascar do alho, na expectativa do tira-gosto inicial, na primeira prosa levantada. E aí a coisa corria. Com muito assunto, muitas risadas, algumas polêmicas e, sobretudo, uma alegria imensa por estarem ali, desligados das suas vidas e plugados naquele outro mundo, sem nem lembrar que ainda haveria – com ressaca ou não – uma semana de trabalho pela frente.  

Era uma vez um frango. Que acolheu muita gente diferente ao longo desses anos. Uns passaram, outros permaneceram. E no período de férias ou feriados, ainda ganhava reforço daqueles que moravam longe e sonhavam com aquilo ali semanalmente. Teve gente que até já saiu da capital só para vir ao frango e voltar cedinho no outro dia (valia a pena, viu?).

Era uma vez um frango. Cujo mentor e responsável pelo seu acontecimento foi capaz de proporcionar momentos muito importantes, não só para quem de fato esteve lá. Ali se alimentaram não somente pessoas, mas também a nossa cultura, nossas tradições e nossas origens. Aquele frango, naquele lugar especial e bucólico, agora não existe mais. Mas ele não morreu. Transformou-se, adaptou-se a uma nova realidade e continua vivo, em outro lugar. Esse frango é para sempre.

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