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Feijoada completa

13 de Setembro de 2013, por Cláudio Ruas

Uma deliciosa música do mestre Chico Buarque explica direitinho o que seria a “feijoada completa”, um ícone da gastronomia brasileira. De forma divertida, ele vai orientando a esposa sobre como proceder, a começar pela cerveja gelada para o batalhão de amigos. Avisa que não tem que pôr a mesa e que basta colocar os pratos no chão e “o chão tá posto”. Pede a linguiça para o tira gosto e lista os ingredientes da caipirinha. Sempre advertindo para colocar mais água no feijão. Fala dos torresmos pra acompanhar, tal como o arroz branco, a farofa, a malagueta e a laranja. E depois do paio, carne seca e toucinho no caldeirão, lembra-se de aproveitar a gordura da frigideira, pra melhor temperar a (nossa) couve mineira. No fim, ainda dá a solução para a falta de dinheiro: “diz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmão. E vamos botar água no feijão”.

Essa música resume perfeitamente esse prato e ainda mostra o seu interessante universo de simplicidade, fartura e confraternização. Comida sem frescura, barata e que está sempre relacionada a uma celebração. Rende muito, até porque é impossível fazer em pouca quantidade. E costuma sobrar para o dia seguinte, quando fica mais gostosa. Feijoada é comida de fim de semana, mas aqui em Minas acaba entrando no cardápio de restaurantes na sexta-feira. Já em São Paulo, curiosamente, os dias de feijoada são quarta e sábado. Prefiro a sexta, dia estratégico para celebrar o fim de semana e comer sem culpa.  

Percebemos ainda outras diferenças de hábitos no país, como o modo de servir no Rio de Janeiro: os pertences são dispostos em uma travessa e regados com um pouco do caldo, ficando o restante desse no caldeirão para ser servido separadamente. Mas prefiro o jeito mineiro, com tudo dentro da panela, trocando sabor com o feijão até a hora de ir para o prato, sem esfriar. Que me perdoem os cariocas - bons fazedores de feijoada - mas nós mineiros sabemos muito bem lidar com pertences de porco, feijão e comida ensopada em geral. Isso faz diferença.

Outro hábito interessante que ocorre por aqui em Minas em alguns lugares é a presença de um acompanhamento um tanto anormal para a feijoada brasileira: o angu. Nas deliciosas e impagáveis feijoadas da minha tia Elisa do Góes, por exemplo, sempre tem uma panela de angu. Falta, eu acho que ele não faz, mas que combina direitinho com o feijão gordo, a couve e a pimenta, isso não resta dúvida.

Falando em gordura, temos visto as feijoadas ficaram cada vez mais light, sendo feitas somente com as partes do porco ditas como nobres. A preocupação com a saúde e a leveza da comida é importante, mas, em se falando de sabor, a presença do pé, orelha e focinho é fundamental. Pode-se até não servi-los, dependendo do gosto, mas a participação deles no cozimento faz uma grande diferença. Pelo menos a do pezinho (ou mãozinha, melhor ainda), que fornece o colágeno que ajuda a dar corpo ao caldo e transportar os sabores. Gosto de cozinhá-las junto com o feijão e depois separo para o tira-gosto, sem que os convidados preconceituosos nem saibam delas.

O legal é que não precisamos levar a ferro e fogo a frase do escritor Stanislaw Ponte Preta, de que “uma feijoada só é realmente completa quando tem uma ambulância de plantão”. Com cuidado e carinho, é possível fazê-la sem incluir a ambulância na receita, mas com bastante sabor. Ferventar as partes mais gordas com água, limão e cachaça e fritar com pouca gordura e separadamente as demais, escorrendo em papel toalha, ajuda muito.

É bom lembrar também que, ao contrário do que reza a lenda - de que a feijoada é genuinamente brasileira, inventada pelos escravos - esse prato tem forte influência européia. Portugal, França e Itália sempre fizeram receitas parecidas (feijão com “trupicos”), mas, ao oposto de nós, sempre deram o devido valor que essa iguaria merece, sem preconceitos.

No mais, é só chamar os amigos, preparar a caipirinha e ligar a música do Chico.

E vamos botar água no feijão.

  

(A receita no blog é uma feijoada sem ambulância de plantão: http://casalgastromg.blogspot.com.br/)

 

Festa do Café com Biscoito

Entre os dias 13 e 15 de setembro teremos a deliciosa festa da nossa vizinha São Tiago. Evento tradicional e bacana para toda a região, cada vez mais rica de turismo gastronômico de qualidade. Aproveitem!

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