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Pingo de ouro

16 de Fevereiro de 2018, por Cláudio Ruas

Nossa primeira prosa do ano traz um assunto muito relevante para nós mineiros e resende-costentes: o queijo. Mais especificamente um dos ingredientes fundamentais para a produção do nosso queijo minas artesanal, e que infelizmente teve seu uso esquecido aqui por nossas bandas: o pingo.

Desde que o ser humano “descobriu” o queijo há uns 5.000 anos atrás, seu modo de fazer e seus ingredientes básicos continuam quase os mesmos. Bastava leite, um agente coagulante para separar a massa do soro (coalho) e o sal. Depois, descobriram e inseriram outro ingrediente importantíssimo no preparo, que é o pingo. Ele nada mais é do que o líquido produzido no segundo dessoramento do queijo, que ocorre após ele ser virado de lado. Aquele pouco de soro que pinga durante a noite é o pingo. Ele é coletado e utilizado na produção do queijo do dia seguinte (50ml para cada 10 litros de leite).

O pingo é um fermento lácteo natural, que vai auxiliar (e muito) na elaboração do próximo queijo. Além de conferir mais sabor e aroma ao produto, ele ainda dá mais firmeza ao queijo, evitando rachaduras. Por fim, ele ainda tem uma função bem interessante, que é a de conferir identidade aos queijos daquele produtor, pois todos eles terão adquirido características específicas daquele mesmo fermento e daquele lugar onde ele nasceu.

A presença do pingo é tão imprescindível nas demais regiões queijeiras mineiras que o produtor chega a ir busca-lo no vizinho quando ele perde o seu. Na geladeira, chega a durar cinco dias e, em alguns casos, se tenta reproduzi-lo a partir da rala de um queijo curado misturada a um pouco de água. Ou seja, normalmente não se faz queijo sem pingo nas demais regiões queijeiras de minas, mas aqui na nossa Resende Costa, não!

Muitos não sabem, mas nossa cidade tem o privilégio de pertencer a uma das sete regiões queijeiras de Minas Gerais, o Campo das Vertentes. As outras são: Canastra, Serro, Cerrado, Serra do Salitre, Araxá e Triângulo. Esse reconhecimento se dá inclusive por lei, a partir de estudos que identificam não só a tradição e o saber fazer local, mas as características favoráveis e específicas de cada região para a produção do queijo minas artesanal.

Outra questão que afeta a produção queijeira na nossa cidade, além da não utilização do pingo, é a ausência de maturação do produto. Quase não se vê o comércio de queijo curado por aqui. Nem meia cura. Ele vai ainda fresco direto para o saco plástico e para a refrigeração, o que impossibilita a real transformação do queijo, que só ocorre através da temperatura ambiente e fora da embalagem. Somente a partir da perda de água e do trabalho dos micro-organismos lá presentes é que “o queijo vira queijo”. Caso contrário, o que se tem é apenas uma massa com água. A interpretação da própria expressão “queijo curado” justifica esse argumento. Se ele curou é porque estava doente, não é mesmo?!

Resende Costa tem ótimos queijeiros(as) e ótimos queijos frescos. Mas também foi vítima de um mercado que colocou o queijo branco como o melhor para a saúde, o que é um equívoco. O costume de não se curar o queijo certamente também decorreu da facilidade de escoação do produto, desde os tempos em que o Rio de Janeiro era a capital do país. Os queijos desciam de trem facilmente via São João del-Rei, que antigamente era chamada de “São João dos Queijos”. O que não aconteceu, por exemplo, nos rincões da Serra da Canastra, onde os produtores eram obrigados a maturar seus queijos, para que eles pudessem aguentar o retardo da sua distribuição. Com isso, fez-se o costume e também apurou-se a técnica de cura.     

Estamos vivendo uma revolução queijeira, não só em Minas, mas também no Brasil. Nossos queijos artesanais de leite cru - feitos com pingo e submetidos à maturação -  têm sido vistos e comidos com outros olhos e bocas. Existe um grande movimento por detrás disso e Resende Costa tem um enorme potencial ainda a ser explorado. Temos bons exemplos em nosso entorno, como os já famosos e premiados queijos Catauá (de Coronel Xavier Chaves) e Sabores do Sítio (de Tiradentes). Esse último, aliás, foi medalhista no Concurso Mundial do Queijo 2017, lá na terra dos queijos, a França. Feito com pingo. Pingo de ouro.

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