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Porco pardo

15 de Dezembro de 2016, por Cláudio Ruas

Nos últimos tempos, temos passado por mudanças consideráveis em nossos hábitos de consumo alimentar, muitas delas forçadas por interesse de um mundo capitalista e pela poderosa indústria alimentícia. Os produtos industrializados tomaram conta de grande parte das cozinhas, até as da roça. Além dos malefícios ligados às questões de saúde, sociais, econômicas e culturais, existe ainda um prejuízo gastronômico por si só, decorrente do distanciamento e da extinção do uso de certos ingredientes, como o sangue animal.

Não se pode falar na cozinha mineira sem pensar em um frango ao molho pardo, prato especial cuja estrela principal chega a ser o próprio sangue. Mas se não tiver o sangue, como que faz? A indústria que comercializa seu franguinho branco e sem graça no supermercado não quer saber de vender o sangue junto. Até porque, mesmo que quisesse, poderia esbarrar em uma legislação sanitária cruel e interesseira.

Sorte a nossa que aqui em Resende Costa ainda podemos conseguir esse precioso ingrediente, aos sábados, na banca da Márcia e do Alceu, no largo do Rosário. Além de franguinhos muito bem arrumadinhos, com sangue congelado num saquinho à parte, ainda é possível levar o fubá do angu, o quiabo fresquinho, a pimenta ardida, a cachaça cristalina e o melado cheiroso da sobremesa. Refeição completa, com ingredientes de qualidade, produzidos na roça deles, que são os últimos resistentes solitários de uma feira que deveria ter pelo menos uma meia dúzia de outros pequenos produtores. Uma pena. Um pecado. Um absurdo.

O sangue animal sempre foi – e ainda é – muito utilizado e valorizado mundo afora, não só o do frango, mas o do pato, do porco, do cabrito etc. É um ingrediente nutritivo, que confere sabor, textura e cor muito interessantes e bem vindos na gastronomia. Pensando nisso e nessa dificuldade de acesso é que, num belo dia, resolvi fazer uma “gambiarra gastronômica”, fazendo uso de outro sangue que (ainda) temos à nossa disposição: o do chouriço de porco.

Tendo em mãos um bom chouriço, com procedência nada duvidosa, é possível desconstruí-lo facilmente, ou seja, fazer o caminho de volta para transformar o sangue em estado líquido novamente. De gorjeta, ainda ganhamos o sabor dos temperos e do redanho/toucinho usados no processo de enchimento, enriquecendo ainda mais esse molho pardo.

Ele pode ser usado com o frango mesmo, ou então com uma costelinha de porco, acompanhada de arroz, couve e angu. Combina também perfeitamente com macarrão, como na receita que mando abaixo, cuja técnica de desconstrução do sangue se aplica a qualquer outra combinação.

 

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“Rigatone ao porco pardo”

(por Cláudio Ruas - Casal Gastrô-MG - [email protected] - facebook.com/CasalGastro - instagram.com/casalgastromg)

 

Ingredientes:

(porção para 4 a 5 pessoas)

  • Sal, pimenta do reino, páprica doce defumada, cachaça e gordura de porco (ou de bacon)
  • 1 cebola roxa média e 1/2 cabeça de alho roxo
  • 1kg de cabeça de lombo de porco
  • 500g de rigatone (ou goela de pato, ou outro corte de massa similar)
  • 300g de chouriço (embutido de sangue)
  • Tomilho, salsinha e cebolinha
  • Queijo minas artesanal curado e almeirão (ou outra verdura mineira)


Preparo:

Cortar o lombo em cubos médios, esfregar um gole de cachaça e temperar com sal, pimenta do reino, páprica doce defumada, tomilho e um pouco da gordura de porco. Misturar e deixar descansando por duas horas;

Em uma panela grossa bem quente, selar os cubos de lombo na gordura de porco até dourar. Reservar;

Na mesma panela, refogar a cebola e o alho picados, pingando um gole de cachaça e esfregando o fundo para soltar a borra. Colocar o chouriço, cobrir com água quente e deixar cozinhar por cinco minutos;

Retirar a pele do chouriço e bater no liquidificador o recheio juntamente com o caldo do cozimento;

Voltar com o molho pardo para a panela, juntar o lombo e deixar cozinhar em fogo baixo até a carne estar cozida e o molho com textura engrossada;

Desligar o fogo, acertar o sal e a pimenta do reino, acrescentar salsinha e cebolinha picadas, misturar e deixar descansar;

Em outra panela, cozinhar a massa em água fervente, salgada e abundante, até ficar bem “ao dente”. Transferir com uma escumadeira diretamente para o molho pardo, misturar e, se necessário, aquecer;

Servir com almeirão refogado e queijo ralado na hora.

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