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Novo coronavírus e as mudanças climáticas

09 de Abril de 2020, por Instituto Rio Santo Antônio

Charles Henrique Fernandes Reis*

Os impactos causados ao meio ambiente pelas ações antrópicas são geralmente associados às mudanças no comportamento do clima, segundo alguns especialistas. Nota-se que os eventos climatológicos, como chuvas, furações e secas vêm de forma irregular e paulatinamente se tornando mais extremos com o passar do tempo. Essas alterações são de fáceis visualizações e percepção. Entretanto, há outros impactos negativos que são difíceis de assimilação e estão associados às mudanças climáticas, como, por exemplo, o surgimento de novos agentes patogênicos.

Atualmente, estamos vivendo uma pandemia causada por um novo coronavírus, o SARS-CoV-2, agente causador da COVID-19. Não se sabe ao certo como surgiu, mas estima-se que seu epicentro tenha sido em um mercado de peixes e frutos do mar na cidade chinesa de Wuhan. Tais mercados são comuns na Ásia e na África. Neles animais silvestres e domésticos são comercializados e abatidos para serem utilizados na alimentação humana.

Mas afinal o que tem a ver o coronavírus com as mudanças climáticas?

As mudanças climáticas podem impactar de diferentes formas a saúde humana. Seja de forma direta, como no caso de ondas de calor ou frio, ou indireta, como as alterações no ambiente, de ecossistemas e de ciclos biogeoquímicos, que podem aumentar a incidência de doenças infecciosas e mentais e também a desnutrição.

Sobre as doenças infecciosas, especialistas esperam o aumento das áreas de transmissão de enfermidades relacionadas a vetores (transmitidas por um agente patogênico) e o possível aumento dos riscos de incidência de doenças de veiculação hídrica. Além disso, os eventos extremos podem ocasionar perdas na agricultura, principalmente a de subsistência. Isso implicaria em um estresse nos ecossistemas ainda intocados pela busca de comida e de água, principalmente em locais mais pobres, aproximando o homem a espécies de animais silvestres antes distantes.

Ao interagir com ambientes antes desconhecidos, ficamos expostos a seres patogênicos que os habitam de forma natural ou a um ser vivo. Visto que todo agente que provoca uma doença (seja ele um vírus, bactéria etc.) já se encontra na natureza e se desenvolve em ambientes ou seres definidos que os oferecem condições ideais para sua existência, é portador natural. Assim, o corpo humano passa a fazer parte do ciclo do agente patogênico, sem ter as armas necessárias para combatê-lo.

Estudos recentes sugerem que surtos de doenças infecciosas, como o Ebola, e de doenças transmitidas por animais, como a Malária e a Dengue, estão cada vez mais comuns. Algumas delas, como a Raiva, convivem com os humanos há séculos. Além disso, os agentes patológicos estão se modificando, ficando mais resistentes e se espalhando mais rapidamente.

Já nas regiões próximas ao Círculo Polar Ártico, o derretimento acelerado da camada de gelo e a exposição do solo estão preocupando a comunidade científica. O permafrost (ou pergelissolo em português), como é chamado o solo desta região, tem servido de cemitério para pessoas e animais desde a antiguidade. Logo, pode-se dizer que é possível que lá existam agentes e doenças “adormecidos”, isto é, congelados. Essas podem ser liberadas para o meio com o aumento da temperatura do planeta e o consequente derretimento do gelo.

Ainda assim, é preciso ter em mente que não são os ecossistemas responsáveis pelo surgimento de novas enfermidades e sim a sua destruição ou alteração de forma significativa, uma vez que a devastação ambiental cria as condições ideais para o surgimento de novos vírus e doenças como a COVID-19. Como escreveu David Quammen, autor de Spillover: Infecções animais e a próxima pandemia: “Cortamos as árvores; matamos ou engaiolamos os animais e os enviamos aos mercados. Rompemos os ecossistemas e liberamos os vírus de seus hospedeiros naturais. Quando isso acontece, eles precisam de um novo hospedeiro. Muitas vezes, este seremos nós”.

*Engenheiro ambiental, diretor técnico do IRIS (Instituto Rio Santo Antônio)

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