Fernando Chaves
As ONGs (organizações não governamentais) têm ocupado um espaço crescente na sociedade brasileira já há cerca de duas décadas. O terceiro setor, isto é, a sociedade civil organizada, se diferencia em relação ao primeiro setor (estado) e ao segundo setor (mercado) e atua em múltiplos campos: cultura, meio ambiente, defesa de minorias, reforma agrária, combate à pobreza etc. A sigla ONG é uma denominação genérica das entidades do terceiro setor, e abarca todo tipo de associação sem fins lucrativos e com finalidade coletiva. As ONGs atuam nas lacunas deixadas pelo setor público (união, estados, municípios) e pelo setor privado (empresas) e trabalham com a ideia de auxílio na resolução de problemas sociais e na fiscalização dos setores público e empresarial.
O avanço das ONGs reflete a debilidade dos nossos sistemas político e econômico, além da complexidade da sociedade em que vivemos. O estado não consegue ser onipresente. Não dá conta de representar a imensa variedade de classes, anseios e minorias. E, em tempos de internet, não pode mais calar os debates e forjar identidades. Por seu turno, a economia de mercado não consegue mais emplacar grandes ilusões. A destruição ambiental que nosso sistema econômico produz é uma das molas propulsoras para a emergência do ambientalismo, um dos campos sociais mais ocupados pelas ONGs.
Recentemente, um escândalo de corrupção envolvendo ONGs conveniadas ao Ministério dos Esportes foi intensamente noticiado pela mídia. O problema é que a cobertura noticiosa tradicional muitas vezes ocorre sem a devida contextualização, gerando interpretações reducionistas e preconceituosas. Assim, a cobertura do escândalo contribuiu para ofuscar injustamente o papel importante que a maioria das entidades civis realiza no Brasil.
Não se trata de defender romanticamente a epopeia das ONGs. O terceiro setor não emerge para salvar o mundo dos reveses da economia de mercado, ou da ineficiência e corrupção estatais. Ele é fruto de um cenário de demandas sociais e políticas e convive com contradições e distorções próprias. Assim como no mundo político e empresarial existem boas e más condutas, também no terceiro setor existem comportamentos heterogêneos.
Há grande desinformação, descrença, desconfiança e indiferença em relação às ONGs, especialmente as ambientais. O que são elas, afinal de contas? O que podem as ONGs ambientais? Quais suas limitações, suas potencialidades? Como funcionam? Se não funcionam, por quê? Qual o verdadeiro papel de uma ONG ambiental numa comunidade? Tenho a certeza empírica de que a maioria das pessoas têm dificuldades para responder a essas questões, talvez até para formulá-las. Predominam as opiniões superficiais, muitas vezes injustas e preconceituosas.É comum, por exemplo, grupos sociais enxergarem as ONGs ambientais com desdém, como se elas se dedicassem a questões de menor importância, frente a assuntos como a produção econômica ou a geração de empregos. Muitos não conseguem separar das ONGs a pecha do interesse político. Em alguns casos, cobra-se das entidades civis soluções imediatas para questões em que o próprio poder público esteve omisso por décadas.
Ademais, ao avaliar o trabalho das ONGs, desconsidera-se frequentemente o baixo índice de participação popular da cultura política brasileira, o que torna a mobilização de militantes um grande desafio para as entidades do terceiro setor. A grande missão das ONGs talvez seja esta: mobilizar uma sociedade historicamente pouco participativa, e retirá-la da postura de eterna pedinte em relação ao poder público.
Para além de suas limitações reais e dos estereótipos a elas atribuídos, as ONGs ambientais se mostram viáveis e necessárias em diversos níveis, como na denúncia e revelação de problemas ambientais, na educação ambiental, no auxílio técnico a populações que lidam com o meio ambiente, na fiscalização da atuação empresarial e estatal, na implementação de projetos ambientais visando à disseminação de atitudes sustentáveis (efeito de exemplo), no apoio e assessoria ao poder público, no estímulo à produção de conhecimento ambiental técnico e acadêmico, na implementação direta de projetos de recuperação ambiental e no resgate de identidades culturais ligadas ao manejo sustentável do ambiente.