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Piracema

19 de Janeiro de 2017, por Instituto Rio Santo Antônio

É difícil uma criança do interior que nunca tenha gastado um tempinho na beira de algum córrego ou de uma represa em busca de peixes. E tem gente que se especializa nisso, mesmo depois de adulto, continua no ofício de pescador. Na verdade, pescar torna-se uma terapia.

Mas, será que nossa região ainda tem peixes como antigamente? Em conversa com algum pescador mais antigo facilmente se percebe que a quantidade de pescado diminuiu nas últimas décadas. Vários fatores contribuíram para isso: poluição de nossas águas, principalmente pelo lançamento de esgoto doméstico sem tratamento; introdução de peixes carnívoros e exóticos (que não são nativos); assoreamento do leito dos rios; pesca predatória com utilização de redes finas e de bombas; não respeito ao período da Piracema.

Então, você já ouviu falar em Piracema? É uma palavra indígena e significa “subida dos peixes para a desova”. O termo faz referência a algumas espécies, chamadas de migradoras (como o Dourado e o Curimba), que para se reproduzirem nadam até as cabeceiras dos rios, onde as águas são mais oxigenadas, quentes e calmas. Como geralmente nadam vários quilômetros, eles ficam exaustos e se tornam presas fáceis para os pescadores. No entanto, nem todos os peixes migram para se reproduzir. Oficialmente, o período da Piracema refere-se ao tempo necessário para a reprodução de todas as espécies da ictiofauna. A captura indiscriminada interfere no número de matrizes e consequentemente na quantidade de filhotes gerados.

Com relação às áreas de reprodução, além das cabeceiras dos córregos, cabe destacar o papel das lagoas marginais (que se formam ao longo das planícies de inundação dos rios) e dos alagadiços (áreas onde há acúmulo de água). Locais também apropriados para a desova, que são conhecidos como “berçários” dos peixes. A pressão antrópica sobre as áreas próximas aos cursos d’água tem interferido nessa dinâmica natural. Por exemplo, desmatamentos, queimadas para formação de pastagens e drenagens nas áreas brejosas. A preservação desses locais é fundamental para a perpetuação dos peixes.

Curiosamente, a fecundação dos peixes é externa, isto é, a fêmea coloca os óvulos na água e então o macho solta os espermatozoides. Os ovos possuem moderada reserva nutricional, o que garante a alimentação até o nascimento. Esses podem ser depositados em esconderijos ou em ninhos, locais quase sempre vigiados pelos pais. A taxa de mortalidade dos alevinos (filhotes) é muito alta, por isso na maioria das espécies, as fêmeas liberam uma grande quantidade de óvulos. Por exemplo, uma fêmea de Dourado, pesando 10 quilos, pode desovar quase 1,5 milhões de óvulos.

Em Minas Gerais, a Piracema tem início em 1º de novembro e se estende até 28 de fevereiro. As regras para a pesca nesse período estão definidas nas Portarias IEF 154 (bacia do rio São Francisco) e 156 (bacia do rio Grande) de 2011, que permitem apenas a pesca com limite de quantidade (3 kg por pescador) para espécies exóticas (de outros países), alóctones (de outras bacias brasileiras) e híbridos (espécies produzidas em laboratório). Ou seja, é expressamente proibida a pesca de peixes autóctones, ou seja, nativos das nossas bacias hidrográficas, tais como: Acará, Bagre, Cambeva, Curimba, Dourado, Lambari, Mandi, Pacu, Piaba, Piau, Sarapó etc. Algumas espécies liberadas são: Carpa, Tilápia, Truta, Tucunaré e Bagre-Africano. A introdução desse último nas águas brasileiras trouxe um problema, uma vez que é um carnívoro voraz e se alimenta de alevinos e peixes pequenos nativos. Cabe destacar que essa legislação não se aplica ao peixe nativo proveniente de piscicultura ou pesque-pague/pesqueiro, devidamente registrados nos órgãos ambientais competentes, e à pesca de caráter técnico ou científico.

Lembrando ainda que se você gosta de pescar, deve estar munido de uma carteira emitida pelo IEF. Ela é obrigatória para o exercício da pesca amadora, estando o pescador sem a licença sujeito à apreensão de seu material em caso de fiscalização. É um procedimento barato e pode ser feito pela internet.

Enfim, o respeito ao período da Piracema é uma das garantias de que teremos peixes em nossos córregos para a futura geração se divertir pescando.

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