O colecionador de livros e recortes
22 de Junho de 2022, por João Magalhães 0
Convivo muitos anos com uma pessoa que, desde que aprendeu a ler (faz tanto tempo isso!), é um leitor compulsivo (raridade!) e nunca conseguiu jogar fora um livro. Pelo contrário, transformou-se num receptor de livros que pessoas ou bibliotecas pretendem descartar. Com isso, acumulou uma biblioteca relativamente grande para uma pessoa só. Biblioteca “poliglota”: em grego antigo, latim, francês, italiano, espanhol etc. e algumas obras completas (na época, claro!).
Empresta livros só para pessoas que ele tem certeza que devolverão, pois já perdeu livros preciosos por causa dos que não devolvem. Tornou-se, quando pôde, um longevo leitor do jornal diário e um quase neurótico colecionador de recortes. Guarda centenas deles que aos poucos vai separando por assuntos: literatura – filosofia – religião – psiquiatria – artes etc.
Esta pessoa, espero que o leitor já tenha atinado, sou eu. E agradeço à vida por ter nascido assim
Atualmente, devido à idade, a capacidade de leitura diminuiu bastante. A leitura é uma intensa atividade cerebral. Necessária sob todos os aspectos. Mas, com o passar dos anos, o cérebro se cansa com tal atividade. No entanto, continuo lendo e relendo, lembrando que a releitura para mim, frequentemente, é leitura, porque a idade chega e a memória vai.
Mexer nos meus livros é um ato mnemônico e, ao mesmo tempo, uma espécie de meditação. Foi o que aconteceu recentemente. Foi, aliás, o que motivou estas linhas.
Mudando de prateleira alguns livros, topei com os seguintes: “A Mansão feita de Lama”, de Adelaide Carraro (1936 - 1992), escritora paulista, “best-seller”, (vendeu milhares de exemplares de “Eu e o governador”, por exemplo); considerada, na época, uma escritora maldita por alguns da elite, pois abordava comportamentos que tinham fundo na realidade e o leitor atualizado sabia a quem se referiam. Lembra alguma coisa da nossa atualidade? O título lembra alguma coisa feita em Brasília?
“Retrato falado da corrupção - Uma América Latina Sofrida, Ingênua, Esperançosa, Devorada por Seus Próprios Filhos”, romance de Luís Spota (1925- 1985), escritor, jornalista e roteirista de cinema mexicano. O título já diz tudo
“A Herança de Adão”, do escritor mineiro de Araguari, Geraldo França de Lima (1914 – 2003), amigo de Guimarães Rosa. E, sobretudo, de Georges Bernanos, por ter sido professor em Barbacena. Bernanos, num de seus livros, fez-lhe uma dedicatória muito expressiva: “A Geraldo de Lima, ‘le fidèle ami dês mauvais jours, qui restera dans les jours hereux’” (A Geraldo de Lima, o fiel amigo dos maus dias, que permanecerá nos dias felizes).
A meditação reflexiva está logo no primeiro parágrafo do romance “Herança de Adão”: “Este é um colégio diferente. Os pais matriculamos filhos ao nascerem. Não nego que temos alunos de classes menores, mesmo ínfimas. O Instituto opõe obstáculos à entrada desses elementos e, como não podemos fugir à realidade brasileira, eles insistem. Apegam-se a um pedido de um ministro, de um senador, de um deputado e lá afrouxa o critério da seleção. Tivemos de aceitar uma escurinha, vai ser sua aluna, Mariinha das Velas, filha de um motorista do Palácio. Os colegas não gostaram, pouquíssimos a toleram. A maioria ignora-a. Tem sido um problema. Não a admitem no álbum de formatura. Por outro lado, num período de crise fomos forçados a abrir as portas... Foi um erro. Assim me falava, ao descermos a escada de ferro que conduzia ao pátio, o coordenador geral do Instituto e primeiro assessor do Principal, o untuoso Professor Fontesseca”.
Livro publicado em 1983, mas muito atual, não acha?
Por fim, Pablo Neruda: “Livro das Perguntas”: ‘Cuántas Iglesias tiene el cielo? / Por qué non ataca el tubarón/ a las impávidas sirenas? / Conversa el humo com lãs nubes? Es verdad que las esperanzas/ deben regar-se com rocío? (Trad. De Olga Savary: Quantas igrejas tem o céu? Por que não ataca o tubarão as impávidas sereias? Conversa a fumaça com as nuvens? É verdade que a esperança se deve regar com orvalho?)
É o que penso. E você?
* Loas para a lei Municipal nº 4.912/2022 reconhecendo o Povoado dos Pintos como berço do artesanato têxtil em Resende Costa. Lembrei-me de minha mãe, artista da tecelagem. Nascida na região dos Pintos (Fazenda da Água Limpa). Lavava, fiava, tingia e urdia a lã de carneiro, transformando-a em lindas colchas. E ensinou a tecer gratuitamente, e com a maior paciência, tantas moças lá no Tijuco!
A racionalidade e a ignorância
18 de Maio de 2022, por João Magalhães 0
A filosofia escolástica distingue pessoa de indivíduo. Indivíduo é o ser que é em si mesmo indistinto, mas distinto do outro (Id quod est in se indistinctus, sed ab allis vero distinctus). Pessoa é um indivíduo quem tem a racionalidade como característica ontológica, ou seja, a racionalidade é sua característica específica (Individuum subsistens in natura rationali).
Infelizmente, a história humana oscila muito quanto à racionalidade. Teorias da conspiração, fakenews, atribuição religiosa sobrenatural e até demoníaca para fenômenos paranormais, a ideia de que a Terra é plana (Terraplanismo), resistência a vacinas, fanatismo e seus variados tipos etc. mostram que a racionalidade nos tempos atuais anda em baixa.
Quanto menos racionalidade, mais ignorância culpável. (Considerando ignorante culpável a pessoa que tem todas as condições de sair da ignorância e não sai.)
Steven Pinker, psicólogo canadense, catedrático da Universidade de Harvard, transformou em livro, agora publicado no Brasil, um curso realizado on-line, durante a pandemia: “Racionalidade – O que é – Por que parece estar em falta – Por que é Importante” (Rationality: What it is, Why it Seems Scarce, Why it Matters).
“Nessas primeiras décadas do terceiro milênio, enfrentamos ameaças letais à nossa saúde, à nossa democracia e à habitabilidade de nosso planeta. Embora os problemas sejam intimidantes, existem soluções; e nossa espécie dispõe de capacidade intelectual necessária para encontrá-las. Contudo, entre nossos problemas atuais mais graves, está o de convencer as pessoas a aceitar as soluções quando de fato chegarmos a elas”, escreve o autor. E o tradutor dessas palavras e autor da reportagem sobre o livro, João Luiz Sampaio (O Estado de S. Paulo – 27/3/2022), acrescenta: “Não é uma premissa difícil de aceitar. Confrontada com a pandemia do coronavírus, a humanidade foi capaz de, em menos de um ano, desenvolver vacinas capazes de proteger a população mundial. E ainda assim, lembra Pinker, em diversas partes do mundo a recusa à vacinação é alarmante”.
Acompanhando pela mídia instituições religiosas incorporando-se a partidos políticos ou até fundando-os – a poderosa bancada evangélica do Congresso Nacional que o diga –, vendo ministros religiosos ameaçando fiéis com ida para o inferno se tomarem a vacina e outros pedindo propina (tomara que sejam fakenews!) minha referência é o livro fundamental do filósofo seminal Immanuel Kant (1724 – 1804), considerado um dos maiores filósofos do mundo: “A Religião nos limites da simples razão”. Obra de difícil leitura, mas de conteúdo extraordinário, acho eu. E não estou sozinho, como o mostra a apresentação da edição que eu tenho: “Qual o papel da religião no embate entre o bem e o mal sob a perspectiva filosófica? ‘A Religião nos Limites da Simples Razão’ é uma tentativa de Kant de discutir a fé e o sistema religioso a partir do raciocínio lógico. O autor descarta conceitos ligados à iluminação divina e adota como caminho o esclarecimento interior, sempre pautado pelo pensamento puramente racional. Trata-se de obra fundamental para a compreensão de vários questionamentos relativos à religiosidade.”
Conforme consta da vida de Kant, a obra publicada em 1793 e reeditada em 1794, conforme mostram os dois prefácios, foi censurada. Frederico Guilherme II, sucessor de Frederico II da Prússia, que foi grande admirador de Kant e obrigou-o a não mais escrever sobre religião. Censura que só caiu sob Frederico Guilherme III, quando Kant voltou a tratar das relações entre religião natural e religião revelada.
Por sinal, a reportagem do “Estadão” também cita Kant: “Como a humanidade que viveu o Iluminismo e seu ‘ousar saber’, nas palavras de Immanuel Kant, chegou a esse ponto?”
É o que penso. E você?
*Loas para os vereadores da Câmara Municipal de Resende Costa, que aprovaram a lei que cria a Semana de Conscientização sobre Inclusão Social (JL nº 227 – março 2022-p 3) nesses momentos em que os Direitos Humanos estão totalmente vilipendiados pelas ditaduras governantes. E também para São Paulo, que criou uma orquestra sinfônica exclusivamente para músicos com deficiência.
A centenária Semana de Arte Moderna: um testemunho
16 de Marco de 2022, por João Magalhães 0
Nosso jornal não se omitiu frente ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, graças ao texto de nossa colega, colunista como eu, do JL: Regina Coelho. Artigo muito bom e elucidativo.
Como, nesta coluna, acho útil, de vez em quando, entrar em assuntos memorialísticos e até testemunhais que, talvez, possam contribuir, por exemplo, para a história da cultura em nosso município, acrescento ao texto da Regina a vivência que tive com os resultados da Semana de 1922.
No cinquentenário da Semana – 1972 –, eu cursava Letras Português/Inglês na Faculdade de Ciências e Letras Nossa Senhora Medianeira, dos padres jesuítas, recentemente transferida do Rio de Janeiro para o Colégio São Luís, de São Paulo, também dos jesuítas, na Avenida Paulista. Foi meu primeiro contato com a obra de Mário de Andrade, pois tive dois meses de aula com a professora Telê Ancona Lopez, que acho a maior especialista, no Brasil, sobre Mário.
Antes, 1967, eu estava sob o impacto da montagem teatral de José Celso Martinez Corrêa de O Rei da Vela, que foi um marco no teatro nacional. Primeira obra teatral do modernismo. Peça de Oswald de Andrade de, quem eu conhecia quase nada. O elenco, em minha memória até hoje, sobretudo a saudosa Dina Sfat (1938-1989).
Após a leitura de obras de Mário, fixei-me em Macunaíma, a meu ver um dos maiores romances da literatura brasileira. A histórica montagem teatral de Macunaíma, em 1978, no teatro São Pedro, fez a fama de Antunes Filho. Impressionou-me tanto que algumas cenas estão na minha memória até hoje.
Citando a Folha on-line: “Macunaíma ainda está aí, em toda parte, nos textos, nas músicas e nas ruas. Seus desdobramentos reaparecem no teatro de José Celso Martinez Corrêa, nas ideias de Darcy Ribeiro, na Refavela de Gilberto Gil, no discurso de Roberto da Matta, em todas as falas que percebem na miscigenação brasileira e nas contradições de nossa história não somente um problema a resolver, mas uma dinâmica a aproveitar, em nosso próprio benefício”.
Mário de Andrade: um dos maiores vultos da cidade de São Paulo. Poeta, romancista, músico e professor de música, crítico literário e musical, folclorista, ensaísta, epistológrafo, promotor cultural. Homem plural, múltiplo, poliédrico, como diz Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima). Poliglota: falava espanhol, italiano, francês e alemão. Mapeou o Brasil da época com suas viagens. Visionário, foi o primeiro a mostrar a importância de documentar e preservar o patrimônio cultural, tão debatido hoje em dia. Criador da primeira biblioteca circulante. Seu projeto Brasil naufraga (para variar!), com a ditadura Vargas.
A revista de cultura Vozes, da Editora Vozes, de Petrópolis, dos frades franciscanos, em minhas mãos até hoje, publicou uma edição comemorativa do cinquentenário. Na capa: 50 anos de modernismo brasileiro e uma citação de Alceu Amoroso Lima: “Tenha acabado ou esteja se renovando o ciclo do Modernismo, podemos afirmar que sua herança representa o patrimônio mais rico de toda a nossa evolução cultural”.
Nessa mesma edição, a revista parece antecipar as páginas amarelas da Veja. Publica em páginas azuis uma entrevista com Alceu, fundamental para o estudo do Modernismo propugnado pela Semana.
Mais tarde, matriculando-me na PUC/SP para um mestrado em Teoria Literária, foi meu professor, Décio Pignatari. As aulas de Décio despertaram-me para a estética da poesia concreta, da qual ele era um dos mais famosos representantes. Um contato bem próximo com os irmãos Campos, Augusto e Haroldo, ensaístas teóricos e poetas do Modernismo, abriu-me para os “ismos” da época da Semana de Arte Moderna de 1922: surrealismo, cubismo, dadaísmo etc. Um mergulho nas águas revoltas da arte daquele tempo.
Aí, o ponto forte foi Oswald de Andrade. E, segundo Tristão de Ataíde na entrevista acima citada, ao contrário de Mário de Andrade e do seu poliedrismo, foi Oswald de Andrade, um monoedro mutável com seu radicalismo total e unilateral, embora com atitudes sucessivas contraditórias.
No entanto, foi sem dúvida a figura mais importante e mais influente do Modernismo sobre a geração de artistas posteriores.
É o que penso. E você?
*Vida ida que faz falta: Arnaldo Jabor. Aqui comigo sua crônica no Estadão, 11/5/2004: “A morte não está nem aí para nós. Ela nos ignora, ignora nossos méritos, nossas obras. Ela é simples, uma mutação da matéria que pouco se lixa para nós. Só nos resta viver da melhor maneira possível até o fim”.
Sobre besouros e gafanhotos
16 de Fevereiro de 2022, por João Magalhães 0
Como eu, o leitor deve ter visto recentemente as fotos de milhares de besouros invadindo a Argentina, causando danos. E a impressionante nuvem de gafanhotos vinda do Paraguai, onde provocou enormes prejuízos agrícolas, invadindo a Argentina e ameaçando ingressar no Rio Grande do Sul, o que não aconteceu, graças ao vento que a desviou.
Uma das memórias mais antigas de minha infância é a narrativa de meu pai, da fantástica nuvem de gafanhotos que invadiu as terras da fazenda dos Curais, onde ele nasceu e viveu até se casar. Contava ele que os camaradas se reuniram e rolavam troncos de árvores ladeiras abaixo para esmagá-los quanto possível. Mais tarde, já adolescente, no seminário, lendo a Bíblia pela primeira vez (Êxodo 10,12-20), a praga dos gafanhotos que devastam o Egito reforça minhas impressões.
Pessoas que estudam o comportamento animal (Etólogos: do grego ethos: comportamento, morada, uso, costumes, hábito etc.) atribuem esses fenômenos a alterações no ecossistema e/ou mudanças climáticas, como, por exemplo, calor excessivo.
Alguns estudiosos afirmam que a Terra já passou por fases difíceis e perigosas – as famosas eras – e se recuperou. Contudo, o aparecimento do ser humano, com sua autoconsciência, autorreflexão e autodeterminação, transfere para nós a responsabilidade de seu cuidado. A Bíblia, sabiamente, também endossa. É o sentido de “Enchei a Terra e submetei-a” de Gn 1, 28 e de Gn 8,1: “todos os animais que estão contigo... faze-os sair contigo [Deus fala a Noé, na saída da arca] ... que pululem sobre a Terra”.
Vendo a humanidade envenenando nosso planeta, poluindo o ar que respiramos, provocando o efeito estufa que descontrola nossas estações climáticas; enchendo nossos mares e rios de entulhos; desmatando nossas florestas, fontes de nossa água; esburacando nosso solo e causando desastres (Mariana e Brumadinho que o digam!) “mercurizando” terra e água à cata de ouro e tudo mais... chega-se à conclusão de que agimos na contramão. Recente, reportagem sobre o envenenamento do rio Tapajós confirma isso: o mercúrio dos garimpos impregna-se nos peixes, que, por sua vez consumidos, contaminam a população.
“Nestas Democracias industriais e materialistas, furiosamente empenhadas na luta pelo pão egoísta, as almas cada dia se tornam mais secas e menos capazes de piedade” (Eça de Queiroz 1845-1900). O escrito acima, há mais de cem anos, acho que encerra uma verdade. Cabe ao leitor aplicá-lo a quem quiser. (*)
Resta-nos um apelo à nossa consciência para curar nosso globo, enquanto é tempo. Se morrer nosso universo, morrerá a vida nele existente. Morremos nós e todos os seres vivos.
Há que se ampliar o conceito de ética social, ética pessoal, ética profissional, ética do consenso etc. – que são um conjunto de normas e direcionamentos em torno de escolhas e valores a que a comunidade adere – para uma ética ecológica, ou ambiental. Uma ética que considera o espaço comum a casa de todos. Que se baseia no respeito e conservação de todo vivente: animais e vegetais. Uma ética global.
Uma ética de respeito ao ser humano, o outro que vive conjuntamente conosco, deve ser completada por outra ética que respeita o outro “outro” que é o ambiente.
Escreve Tiago Adão Lara, vida ida em 2019, que está fazendo falta: “Em primeiro lugar o ‘outro’ é a natureza, na riqueza e no ímpeto de suas forças, com as quais o homem tem de relacionar-se. A natureza revela-se ambígua nas suas manifestações: é dom e ameaça. É no fio da ambiguidade das forças naturais, que o ser humano tem de equilibrar-se e construir seus mundos ou, melhor dizendo, é nesse entrelaçado de forças naturais contrastantes que ele vive, é nelas e com elas, que ele emerge, que ele também é tecido, enquanto natureza”.
Fica a esperança de nosso Brasil se enturmar para valer com as nações que participaram da conferência da ONU sobre o clima, em Glasgow, Escócia, em 2021.
Mais de cem países assinaram novas promessas para proteger as florestas, acabar com os desmatamentos e restaurar paisagens. Promessa também de reduzir as emissões de gás metano. Tomara!
É o que penso. E você?
(*) A Mostra de Cinema de Tiradentes deste ano (2022) apresentou: “Lavra”. Extraordinário e corajoso documentário que aborda o tema: Capitalismo contra a Natureza.
Professora Maria da Luz Miranda – “Dona Nonó”: uma homenagem
19 de Janeiro de 2022, por João Magalhães 2

Professora Maria da Luz Miranda, a dona Nonó (foto arquivo pessoal)
Resende Costa, através da Câmara Municipal, homenageou esta sua filha ilustre, dando seu nome a uma de suas ruas. Nosso “Jornal das Lajes”, que tem se dedicado ao histórico de nossas ruas e sempre destacou pessoas que fizeram ou fazem história em nosso município, naturalmente se associa a essa homenagem.
Cedo a palavra ao Paulo Jesus Magalhães, filho caçula da “Tia Nonó”, que fez a pesquisa sobre a trajetória de sua vida. Tia porque foi casada com o tio Jesus Eduardo Magalhães, irmão de meu pai.
“Uma guerreira, uma vencedora”
“Filha de José Severino Miranda e Hipólita Áurea da Trindade, nascia na cidade de Resende Costa, em 13/07/1913, a segunda filha do casal: Maria da Luz Miranda, conhecida carinhosamente por Dona Nonó. Seus pais, de origem simples e humilde, lutaram com muita dificuldade para obter o sustento da família, constituída por cinco filhos.
Após concluir o primário, seus pais, sem medir esforços, decidiram dar continuidade aos seus estudos, realizando sua matrícula no renomado colégio “Nossa Senhora das Dores”, situado na cidade de São João del-Rei, o qual era administrado pela Irmandade das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Por ser aluna interna, em suas férias escolares, partia de trem da estação central com destino à estação César de Pina, onde se encontrava com seu pai para trazê-la a cavalo até Resende Costa, sendo que o mesmo ritual ocorria no final do período das férias.
Com o passar dos dias, o corpo docente no colégio, observando seu jeito natural de fazer humor, convidou-a para fazer parte do grupo teatral ali existente, obtendo grande êxito. Após se formar, retornou a sua cidade natal, iniciando carreira como professora. Nomeada pelo Estado, lecionou aproximadamente 31 anos, conforme demonstrado no histórico anexo [esses dados biográficos foram enviados à câmara municipal para a aprovação do projeto, dando seu nome a uma rua da cidade].
Por volta de 1942, foi convidada por Gentil Vale para participar do grupo teatral juntamente com os amadores José Ramos de Melo, Prudêncio Gomes dos Santos, Francisco Peluzi, Nonó e Chiquinho Maricota (filhos de dona Hipólita), Maria de Melo, Olga Rios Pinto, Naná do Juquinha, André, Marfísia, Elzi Lara, Benedito Teixeira, José Nicodemos, Benedita Silva, Aílton, Zizi, Maria Ambrozina, Zezé de Melo, Arlindo Coelho, Sinval Reis, Jair do Josué, Gisélia Silva, Albertina Teixeira, Filomena Andrade, Quito, José Soares, os quais mencionados nos livros “Escavações no Tempo” e “Ecos de Ontem”, ambos de autoria de Gentil Vale.
Em 1944, casou-se com Jesus Eduardo Magalhães, natural de Resende Costa, constituindo uma família formada por onze filhos.
Nas horas de folga, “dona Nonó” lecionava em sua residência em caráter particular e gratuito, demonstrando assim o amor que sentia pela profissão. Apesar de ter sido rotulada como uma mulher muito brava, dona Nonó carregava consigo uma bondade infinita, jamais fazendo distinção de raça, cor, crença religiosa, classe social etc.
Em meados de 1969 a 1970, foi acometida pela enfermidade, interrompendo de vez a sua carreira. Em 1974, aos 61 anos de idade, veio a falecer, causando uma grande perda para todos.”
Acrescento ao texto do Paulo minhas vivências e recordações. “Tia Nonó” sempre teve muito xodó comigo. Quando se casou, em 1944, eu já lá ia pelos 5 anos de idade. Quando morava na casa na praça Dom Lara, aqui perto do cemitério, por muitas vezes me acolheu lá. Por meio dela, fui também muito acolhido pela dona Hipólita (“Sá Iporta”, como falávamos!).
Mais tarde, fazendo o curso primário no Assis Resende, embora não fosse aluno dela, pois a professora de nossa classe até tirar o diploma foi a saudosa dona Maria Ivone Sousa, filha do Alcides Sousa, o contato era direto.
Quando seminarista camiliano, nas férias, tinha que visitá-la frequentemente. Ela fazia questão. Participou muito da cerimônia e festejos de minha ordenação sacerdotal em 1964, na nossa igreja matriz de N. Sra. da Penha.
Lembro-me muito das tratativas com ela quanto ao enxoval, quando encaminhei e levei para o seminário camiliano, em São Paulo, seu filho José Severino, que desejava ser padre.
Foi muito triste o dia em que (aí por 1969 ou 1970), já combalida pela doença, amparei-a junto com o tio Jesus e a acomodamos no meu fusca para levá-la a São João del-Rei para um exame, cujo resultado nos inquietou demais.
Como eu fazia na minha infância: “A benção” tia Nonó! Sua vida agora está marcada numa rua da cidade, reforçando assim a memória dos que conviveram com a senhora.