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A continuidade do futebol brasileiro, sem público e no pior momento da pandemia

14 de Abril de 2021, por Vanuza Resende

No dia 24 de fevereiro de 2021, os árbitros apitaram pela última vez os jogos do Campeonato Brasileiro de 2020. E não deu tempo de tomar muito fôlego para que novos apitos começassem no país, desta vez pelos estaduais. Em Minas, apenas três dias depois, seis times entravam em campo para disputar o Mineiro. Um dia depois, rodada completa com outros três jogos. Sem torcida nos estágios, as partidas passaram a ser todas transmitidas via web, pelo canal da Federação Mineira de Futebol. Além, claro, das rádios que mostram a força das transmissões no futebol.

Enquanto os times anunciam mais reforços, vendem camisas, trocam de técnicos, uma vez que as primeiras rodadas foram um fiasco, a bola rola. Porém, só depois de um minuto de silêncio em respeito às vítimas da Covid-19. Milhares delas! Se a arquibancada é silenciosa, a dor do luto ecoa por todos os cantos do país, que bate recordes atrás de recordes nas mortes pela doença que começou a vitimar também os mais jovens, enquanto os mais velhos se agarram às doses de esperança que chegam de forma fracionada.

As vacinas começam a entrar em campo. Já é possível ouvir um sussurro de comemoração, mas ainda falta muito. Menos de 20% do placar foi construído e o tempo corre, muitas partidas são interrompidas antes de se poder comemorar a vitória.

As decisões são tomadas em curto intervalo de tempo, entre uma partida e outra. Suspender ou não o futebol? Quem costuma ser tachado de doido faz um discurso de quem está lúcido, acompanhando o calendário do futebol brasileiro. Antes da partida contra o Athletic Club pelo Campeonato Mineiro, o treinador Lisca, do América, falou sobre a situação sanitária do país. O técnico disse que perdeu amigos para a doença e questionou a CBF pela definição de datas da Copa do Brasil, com equipes viajando para estados diferentes em meio à crise de saúde. “Não tem lugar nos hospitais. [...] Não é hora mais. É hora de segurar a vida”, disse o treinador.

A suspensão dos campeonatos divide opiniões. Se Lisca pediu a paralisação, no Sul Renato Gaúcho, técnico do Grêmio, disse ser favorável à continuidade do futebol no Brasil, argumentando que o esporte é um motivo para as pessoas ficarem em casa assistindo às partidas. Renato também afirmou: “Não pode parar tudo no Brasil, daqui a pouco a pessoa não sai de casa, mas está morrendo de fome.”

Aqui fora, nesta altura do campeonato, os jogos não oficiais já foram suspensos, não se veem mais as tradicionais peladas nos bairros das cidades. Em meio à saudade de jogar bola, ouve-se no noticiário que a bola de outro estado virá para cá. Os turistas já são aconselhados a deixar para experimentar o pão de queijo e o doce de leite em um momento mais oportuno, mas a Federação Paulista está interessada em outro cardápio e tem fome de bola.

A insanidade é barrada. Dias depois, a publicação de um estudo que mostra que a incidência de casos de Covid-19 em atletas que disputaram campeonatos de futebol no estado de São Paulo supera o montante de qualquer liga do planeta em 2020. De acordo com o estudo da USP, os números do futebol paulista são similares à taxa de incidência de profissionais da Saúde que atuam na linha de frente contra o coronavírus. O número varia entre 9,9% e 24,4%, segundo a revista científica The Lancet Global Health.

Em meio à pior onda da pandemia, as partidas esportivas em Minas são suspensas. Pelo menos enquanto durar o período mais crítico da pandemia. A fase não passou, mas os jogos de futebol voltaram. Segundo as autoridades, protocolos estão sendo seguidos, pelo menos dentro de campo. Fora das quatro linhas, as notícias são as piores possíveis. Uma sociedade inteira perdendo de goleada.

Como amante dos esportes, eu queria descrever os estádios cheios de vida, escrever sobre as contratações que não deram certo e rasgar elogios para as que deram. Mas competições combinam com o grito do torcedor e, nesses tempos de pandemia, por mais que eu me esforce, os únicos gritos que eu consigo perceber são por socorro. E aí, meus amigos, é difícil descrever um gol bonito depois de se lembrar do placar que vem sendo construído aqui fora.

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