Reflexões

É Natal!

17 de Dezembro de 2015, por Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros 0

Ilustração Lucas Lara

“Estamos perto do Natal: haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios, (…) mas é tudo falso. O mundo continua em guerra, fazendo guerras, não compreendeu o caminho da paz". Estas são palavras fortes do Papa Francisco, longe de semearem pessimismo, nos levam a uma reflexão profunda sobre o momento atual que vivemos e sobre o verdadeiro sentido do Natal.

Semelhante questionamento fez o Messias Jesus, quando avistou Jerusalém do monte das oliveiras: “Jerusalém, ah se também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, está escondido aos teus olhos" (Lc 19, 42). O curioso é que uma das interpretações do nome da cidade santa é "cidade da paz".

Certamente, nosso Papa, com sua voz profética e sensata, não quis ser pessimista ou derrotista. Quis, sim, abrir nossos olhos!

De fato, há uma luta silenciosa sendo travada em nosso mundo. Sem querer ser maniqueísta, mas já o sendo, o bem e o mal continuam travando uma dura batalha. A luz e as trevas, bem ao estilo do evangelho de São João, continuam se digladiando. Quem vencerá ao final?

As sombras que se levantaram sobre nós são as mesmas de sempre, afinal o ser humano é o mesmo. Eis algumas sombras: o rompimento da barragem em Mariana - MG, ceifando vidas, a terrível chaga da corrupção em nosso país; o renascimento do fundamentalismo religioso, que usa o nome de Deus para eliminar o diferente; o descaso com o planeta, nossa casa comum no dizer do Papa Francisco. Luzes e trevas continuam se digladiando.

Talvez a chave para esta questão e este impasse esteja no coração do ser humano. A paz que Jesus, o príncipe da paz, veio trazer-nos não cai do céu. É preciso conversão à causa da paz. Se não fizermos uma mudança interior e radical em nosso modo de ver o mundo, certamente o Natal continuará sendo uma celebração de mentira ou falsidade. Precisamos, na verdade, mudar nossos óculos, ou melhor, a maneira como enxergamos o mundo. Aquele cego, filho de Timeu, que mendigava à beira da estrada, na cidade de Jericó tem a receita. Ele, interpelado por Jesus, pediu-lhe: "Mestre, que eu veja, eis o meu pedido". É preciso ver e não fechar os olhos. É preciso, às vezes, ver de maneira nova, polir as lentes de nossos óculos. Para cada mal um antídoto: para aqueles que enxergam a natureza somente como fonte de lucro, é preciso ajudá-los a enxergá-la como nossa "casa comum". Aqueles que veem o outro, aquele que pensa diferente como uma ameaça é preciso fazê-los ver que a diferença é antes de tudo uma riqueza. Aos que cedem à tentação da corrupção é preciso fazer enxergar que a corrupção mata. E ainda mais, é preciso vencer nossas pequenas corrupções. Infelizmente este é um traço da nossa cultura.

Penso que, para celebrarmos um Natal de verdade, em seu verdadeiro sentido cristão, ainda precisamos vencer muitas sombras. Talvez precisaremos recuperar dentro de nós o nosso lado criança, perdido há tempos. Aquele menino pobre que nasce na periferia do mundo e não em um palácio, que nasce envolto em trapos e com a vida ameaçada nos ajuda a pensar sobre a necessidade que temos de resgatar os verdadeiros valores: inocência, delicadeza, capacidade de assumir nossa fragilidade, solidariedade. Feliz Natal!


 

*Pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, de Prados, e vigário-geral da Diocese de São João del-Rei.

As religiões do livro

13 de Setembro de 2013, por Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros 0

São três as religiões do livro e as três são monoteístas (creem na existência de um só Deus)! Por ordem de antiguidade: judaísmo, cristianismo e islamismo. O livro sagrado dos judeus é o nosso antigo testamento, que eles chamam de Torá ou Tanak. Os muçulmanos adotam como regra de fé o Alcorão ou, simplesmente o Corão. Nós cristãos adotamos a Bíblia como livro da revelação de Deus. Para nós, Deus se revelou à humanidade através deste livro sagrado, que consideramos Palavra de Deus. São Paulo escrevendo aos Tessalonicenses elogia a acolhida que deram à Palavra: "O motivo do nosso contínuo agradecimento a Deus é este: quando ouviram a Palavra de Deus que anunciamos, vocês a acolheram não como palavra humana, mas como ela realmente é, como Palavra de Deus, que age com eficácia em vocês que acreditam" (1Ts 2, 13).

A Bíblia não é um livro comum e possui suas particularidades. A Igreja nos ensina que a Escritura é inerrante e inspirada. Embora escrita por homens, ela foi inspirada por Deus e não há erros na Bíblia em matéria de fé e doutrina. Encontramos na Bíblia imprecisões históricas, geográficas e de outra natureza, mas a Bíblia não é manual de geografia, história ou outra disciplina. A Bíblia Sagrada não é propriamente um livro, mas uma coleção de livros (73 livros). Escritos em épocas diversas, em línguas diversas (hebraico, aramaico e grego) e por diversas pessoas (os chamados hagiógrafos) ou escritores sagrados. Estas particularidades da Bíblia fazem deste "livro" um escrito especial. Esses livros podem ser agrupados de acordo com seus gêneros literários: histórico, sapiencial, profético, carta etc.

Essa "complexidade" da Bíblia nos leva a tomarmos alguns cuidados com esse "livro". O primeiro e principal perigo que enfrentamos é a leitura fundamentalista texto. Corremos o risco de fazer uma leitura literal ou ao pé da letra do texto e assim, podemos deformar o texto ou distorcê-lo. Além disso, corremos o risco de usar o texto para justificar absurdos! Para justificar guerras, exploração e injustiças. A título de exemplo: São Paulo, escrevendo aos efésios, ensina: "mulheres, sede submissas aos seus maridos" (Ef 5, 22. Como interpretar esse texto? Podemos compreender a palavra "submissão" de outra maneira e não devemos interpretá-la ao pé da letra! Há ainda que se considerar o contexto em que este texto foi escrito. Era um contexto patriarcal, machista, e as mulheres não eram respeitadas em seus direitos.

Assim, para a "arte da interpretação", no ambiente teológico temos a ciência exegética! Essa ciência bíblica nos leva a considerar o texto, mas também o contexto em que foi escrito. Considera também o pré-texto ou a intenção do autor sagrado. Essa ciência nos ensina também: no ambiente acadêmico há a necessidade do conhecimento do texto bíblico em sua versão original (hebraico e grego), afinal há um famoso princípio: "toda tradução é uma traição"! Desse modo, para um estudo honesto da Escritura é necessário conhecer o hebraico e o grego, as línguas semíticas que têm suas características próprias. Em geral essas línguas são "pobres"! A título de exemplo: o sentido da palavra “irmão” na Bíblia. No hebraico não existem palavras como “irmão, tio, sobrinho”. Então, para designar qualquer parentesco, usa-se a palavra “irmão” (Confira Gn 13, 8).

Que este texto sirva de aperitivo a você, leitor, faça crescer seu interesse pela Bíblia. Que neste mês de setembro cresça em nós o amor à Palavra de Deus! Que deixemos o Espírito Santo guiar nossa inteligência para compreendermos e colocarmos em prática a Palavra de Deus. Que o Senhor nos livre de uma leitura fundamentalista da Escritura Sagrada! Por fim recomendo o link:

http://queenofpeacemission.org/portugues/CONHECAMELHORABiBLIA.html

(*Pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Prados e Vigário-Geral da Diocese de São João del-Rei).

É Páscoa!

16 de Abril de 2013, por Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros 0

Anualmente celebramos a Páscoa! É o rito maior do cristianismo: é o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Nós, seres humanos, somos essencialmente ritualistas. Ritualizamos tudo. Nossa vida é uma verdadeira liturgia. Criamos ritos para nascimento, para a puberdade, para o casamento, para a morte. O nosso dia a dia também é repleto de rituais: ao despertamos, nos penteamos, saudamos as pessoas que estão à nossa volta, fazemos o sinal da cruz, temos hora para nos alimentar. Esses hábitos, lato sensu, também podem ser chamados de “rito”. O rito pertence ao mundo da cultura. Aqui vale fazer uma distinção entre o que é cultural e natural. Para tal lançamos mão da antropologia cultural. Posso exemplificar: comer é ato natural, uma necessidade biológica, da natureza, enquanto comer com a ajuda de talheres é um ato cultural, uma criação humana, nossos ancestrais comiam com as mãos. Acabamos ritualizando um ato meramente natural. Nós humanos somos ritualistas. Esta é uma dimensão intrínseca do ser humano.

Feito esse preâmbulo, voltamos ao tema da Páscoa. Pode-se falar em duas páscoas, a judaica e a cristã, sendo que a segunda deriva da primeira. A primeira tem significado histórico, celebra um acontecimento concreto na vida de um povo, a saber, o povo Hebreu, ao passo que a segunda tem uma conotação mais espiritual. Mas o que é mesmo Páscoa? Ou o que é a hagadah de pesah, o relato da Páscoa? Esta pergunta era feita por uma criança aos anciãos na celebração da páscoa judaica: uma criança se levantava e perguntava: “Que rito é este”? Ex. 12, 25-27. Grosso modo, podemos dizer: Páscoa significa passagem, de uma situação ruim para uma situação melhor. Outro nome que se pode dar ao rito, sobretudo na cultura judaica, é memória. De fato, para o judeu o pecado imperdoável era se esquecer das maravilhas de Javé, no caso do Êxodo. Por isso mesmo o salmista diz “… se de ti Jerusalém eu me esquecer, que me seque a mão direita. Que me cole a língua ao paladar caso eu não me lembre de ti” Sl 137, 5-6. O rito tem esse aspecto de anamnese, ou seja, de não deixar que os favores de Deus caiam no esquecimento.

Não quero aqui aprofundar demasiadamente o tema da páscoa judaica, apenas chamar atenção para alguns aspectos, que, a meu juízo, são interessantes. Primeiramente, o caráter concreto da páscoa judaica, ela faz memória de um fato concreto. Javé, o Deus da vida, interveio na vida de um povo e fez esse povo passar de uma situação de escravidão para a liberdade. Outro aspecto interessante é o simbólico, temos os seguintes sinais simbólicos na Páscoa judaica: a menorah, candelabro de sete velas que era acesso pela mulher, pela dona da casa no início da celebração pascal; os raroses, ou as ervas amargas que recordavam a amargura da escravidão do Egito, dentre outros. Valeria a pena conhecer os detalhes da celebração judaica da Páscoa. Talvez em outra oportunidade.

Passemos à celebração cristã da Páscoa. A primeira celebração cristã da Páscoa foi realizada por Jesus na última ceia. Convém salientar, antes de mais nada, que Jesus era um judeu, educado na religião judaica, nos costumes de seu povo. Muito embora tenha criticado duramente os elementos alienantes de sua religião, tais como o legalismo, ritualismo, alienação, Jesus foi judeu plenamente. Nesse sentido, podemos dizer que a Páscoa cristã é, por assim dizer, filha e herdeira da Páscoa judaica, afinal o cristianismo tem suas raízes no judaísmo. Mas cabe aqui uma interrogação: o que diferencia a Páscoa cristã da Páscoa judaica? Numa palavra, o objeto que se celebra. Na Páscoa judaica, celebramos um acontecimento histórico; na Páscoa cristã celebramos uma pessoa, Jesus Cristo, o novo cordeiro que se ofereceu por nós. Na Páscoa cristã celebramos, pois, a verdade central do cristianismo: a morte e a ressurreição de Jesus. Cristo morto e ressuscitado é a essência de nossa fé. A fé cristã diz que ao terceiro dia, quando tudo parecia perdido, Jesus saiu vitorioso do sepulcro, dando-nos esperança e vida nova. A páscoa cristã é a passagem de Cristo da morte para a vida e nós cristãos, com ele também queremos ressuscitar.

Finalmente nos perguntamos: como celebrar bem a Páscoa? Celebra bem a Páscoa quem tem esperança e acredita que a vida é mais forte que a morte, apesar dos sinais de morte que ainda persistem em nós e na sociedade. Celebra bem a Páscoa quem se compromete com a defesa e a promoção da vida, desde a concepção até o seu fim natural. Celebra bem a Páscoa quem se preocupa com a sua qualidade de vida e com a dos outros; quem se esforça para passar de uma vida ruim para uma vida melhor. Celebra bem a Páscoa quem, com humildade busca o sacramento da reconciliação e se nutre da Eucaristia, que é o corpo do Senhor. Quem acredita que a história humana não é uma realidade caótica, mas que o Ressuscitado é Senhor da história e da vida de cada um de nós e que, um dia, iluminados pela luz do Ressuscitado compreenderemos, com profundidade o mistério da vida.

Feliz Páscoa!

Quaresma: caminho de crescimento

15 de Fevereiro de 2013, por Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros 0

Proponho-me a dizer três palavras sobre a quaresma, este rico tempo na liturgia da Igreja. A primeira é esta: quaresma é tempo de tomar consciência de nossa fragilidade humana. “Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris” (Jó 10,9). Assim inicia, o grande orador sacro padre Antônio Vieira, o seu sermão da quarta feira de cinzas. Com essas palavras, no passado, a Igreja convidava o povo a percorrer o caminho quaresmal. A princípio, essa expressão pode parecer um pouco dramática e forte, porém, quero crer que a Igreja, como perita em humanidade, desejava, tão somente, salientar nossa frágil condição humana e nossa transitoriedade. Talvez essa metáfora do “pó” ainda seja útil e atual. É sempre oportuno recordar àqueles que vivem, como se fossem eternos, sustentados por um sentimento de onipotência e auto-suficiência, sua condição de fragilidade e transitoriedade. Aliás, a palavra humildade, que vem do substantivo latino húmus, quer dizer exatamente isto: somos filhos da terra, do barro quebradiço moldado pelas mãos do criador. Enfim, somos limitados! É bem verdade que o ser humano é capaz do bem, do melhor, do mais elevado, mas, pedagogicamente a quaresma nos recorda esta verdade: somos frágeis e não podemos viver como se fôssemos onipotentes! Esta é a primeira palavra sobre a quaresma: quem se julga pronto e acabado não abre espaço em si para a graça de Deus agir. Somos seres inacabados e em constante construção.

O tempo quaresmal é tempo de conversão, ou seja, tempo de mudança profunda de mentalidade e atitudes. Para sairmos crescidos da quaresma e atingirmos a estatura do Cristo Ressurrecto, convém nos converter a um estilo de vida mais simples, austero e frugal, no cuidado com a natureza e o ser humano. Esta é a segunda palavra sobre a quaresma: quero convidá-lo a percorrer o caminho quaresmal como tempo de reeducação dos sentidos, sobretudo da visão. O olfato, o tato, o paladar, a audição e a visão, nossos cinco sentidos devem ser reeducados, a fim de termos uma relação mais harmoniosa com a natureza e com os seres humanos. Precisamos reeducar nossa visão, fazer uma re-visão, ou seja, passar a perceber coisas e realidades que não vemos no cotidiano, sinais da gratuidade de Deus. Passar a ver, sob outro prisma situações e realidades do dia a dia. O desafio é: ver a vida, os acontecimentos, as pessoas com outros olhos, com os olhos da graça, com os olhos de Deus. Jesus curou os cegos e há muitas cegueiras hoje que precisam ser vencidas. Em nossa época somos estimulados por uma “inundação de estímulos”. Privilegia-se o pior. Liga-se a TV e só se vê o pior. Nosso olhar precisa aprender a captar os sinais de Deus nesse emaranhado de coisas.

Por fim, reflito sobre o deserto. Para o imaginário do povo do oriente o deserto é vital, é uma escola. O povo de Deus, por assim dizer, foi gestado, a duras penas, no deserto. Foi também no deserto que Jesus se preparou para sua vida pública. O deserto, simbolicamente, é lugar da privação e da solidão.  É na “solidão amiga” que nos encontraremos com nosso “eu profundo” e também com nossos fantasmas e demônios. O deserto, por assim dizer, é o lugar privilegiado do encontro com Deus e consigo mesmo. Para criarmos ambiente de deserto precisamos de silêncio, recolhimento, vida interior. Esta é a terceira palavra sobre a quaresma: quaresma é tempo de deserto. Justamente no deserto Jesus foi vítima do diabo que quis dividi-lo, a palavra grega diábolos quer dizer precisamente “aquele que divide”. O diabo quis dividir Jesus interiormente e dissuadi-lo de seus projetos, mas Jesus venceu a tentação e se manteve íntegro (inteiro). Quantos diábolos também querem nos dividir e confundir interiormente no deserto de nossa vida. Em repartições públicas, quantos diábolos querem dividir pessoas que procuram se manter íntegras, ou seja, inteiras em seus propósitos de honestidade e retidão de caráter. No trabalho, na família, enfim, no deserto de nossa vida somos tentados a trair nossos valores e ideais, mas é preciso resistir, pois o deserto é mesmo o lugar da prova. Não tenhamos medo de ir ao deserto, pois lá Deus nos prova, mas depois nos aprova!

Que a saúde se difunda sobre a terra. (Cf. Eclo 38, 8)

13 de Marco de 2012, por Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros 0

Quaresma é tempo de metanoia - expressão grega que quer dizer mudança de mentalidade e de atitudes. Para nos ajudar a viver o tempo quaresmal, a Igreja no Brasil nos propõe a Campanha da Fraternidade, que chama a nossa atenção para temas atuais, que tocam nossa existência e de nossos irmãos e irmãs mais sofridos. No corrente ano a Igreja nos leva a refletir sobre a problemática da saúde no Brasil, com o tema "Fraternidade e Saúde Pública" e o lema "Que a saúde se difunda sobre a terra". Passo a abordar alguns pontos que julgo relevantes para nossa reflexão.
 
A Organização Mundial de Saúde (OMS) nos ensina que saúde é "um estado de completo bem-estar, físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças". Gostaria de acrescentar também o aspecto espiritual. O texto base da CF 2012 tem uma compreensão antropológica unitária, ou seja, entende o ser humano como um todo e como possuidor de muitas dimensões: física, espiritual, psicológica etc. Na relação com a doença, o cuidado espiritual é imprescindível.  Em outras palavras, o ser humano não pode ser considerado somente em seu aspecto físico ou mental ou mesmo espiritual, mas sim como um ser multidimensional e cada dimensão é importante. Não descartemos o aspecto espiritual e lembremo-nos que visitar os enfermos é uma obra de misericórdia! (Mt 25, 35-36).
 
A Constituição Federal entende a saúde como "Direito de todos e dever do Estado". Nesse contexto nasceu o SUS (Sistema Único de Saúde). O texto base da CF 2012 reconhece o avanço que significou a criação do SUS, porém, pondera que esse sistema está longe do ideal, principalmente se comparado com os de outros países que, verdadeiramente, priorizam a saúde pública. Nessa perspectiva, não podemos tratar a saúde como um negócio lucrativo ou mesmo um favor, mas um direito. Infelizmente uma mentalidade mercantilista, que transforma tudo em negócio, também está infectando o nosso sistema de saúde. Brota daí a necessidade de sermos cidadãos,"fermento na massa, sal da terra, luz do mundo". A CF 2012 nos conclama a participar das conferências e dos conselhos de saúde, enfim a exercer nossa cidadania.
 
Desejo realçar aqui a relevante contribuição dada pela Igreja na área da saúde. Podemos dividi-la em dois momentos: a contribuição de ontem, do passado, e a de hoje, ambas valiosas. No passado, através de suas confrarias e outras entidades congêneres, a Igreja deu relevante colaboração à sociedade com a construção das Santas Casas e dos Hospitais Religiosos. Ordens Religiosas foram criadas, sob a inspiração do Espírito Santo, com o carisma exclusivo de promover a saúde! Se fizermos uma análise, em nossa região, verificaremos: a maioria das instituições de saúde que temos nasceu dentro da Igreja. Será que tais instituições contam com o apoio necessário do poder público?
 
Em nossos dias, porém, a Igreja se empenha na promoção da vida e da saúde de todos. O texto base da CF 2012 nos apresenta dados concretos. Lembremo-nos do trabalho silencioso e generoso das pastorais da saúde e da criança. A pastoral da criança, movida pelo amor aos pequenos e liderada pela saudosa doutora Zilda Arns, foi peça chave na redução da mortalidade infantil em nosso país. Essas pastorais foram e são um verdadeiro exército do bem que trabalha pelo projeto de Jesus, a fim de que todos tenham vida e a tenham em abundância! (Jo 10, 10).
 
Concretamente, convido você a aprofundar o tema da CF 2012. E poderá fazê-lo participando dos grupos de reflexão em sua comunidade, conhecendo a realidade da saúde em seu bairro e seu município, participando da Coleta da Solidariedade no Domingo de Ramos. Os recursos obtidos com essa coleta serão aplicados em projetos sociais relacionados com o tema da campanha, em âmbito nacional e diocesano. Você poderá ainda ingressar na pastoral da saúde de sua paróquia e se interessar pela situação dos enfermos de sua comunidade.
 
Finalmente, para iluminar nossa reflexão, sirvo-me de um trecho da mensagem quaresmal do Papa Bento XVI: "por conseguinte (...) vos convido a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Com frequência prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse,que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito pela ‘esfera privada’.”Espero que esse texto seja provocativo e desperte interesse em todos!