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Quaresma: caminho de crescimento

15 de Fevereiro de 2013, por Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros

Proponho-me a dizer três palavras sobre a quaresma, este rico tempo na liturgia da Igreja. A primeira é esta: quaresma é tempo de tomar consciência de nossa fragilidade humana. “Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris” (Jó 10,9). Assim inicia, o grande orador sacro padre Antônio Vieira, o seu sermão da quarta feira de cinzas. Com essas palavras, no passado, a Igreja convidava o povo a percorrer o caminho quaresmal. A princípio, essa expressão pode parecer um pouco dramática e forte, porém, quero crer que a Igreja, como perita em humanidade, desejava, tão somente, salientar nossa frágil condição humana e nossa transitoriedade. Talvez essa metáfora do “pó” ainda seja útil e atual. É sempre oportuno recordar àqueles que vivem, como se fossem eternos, sustentados por um sentimento de onipotência e auto-suficiência, sua condição de fragilidade e transitoriedade. Aliás, a palavra humildade, que vem do substantivo latino húmus, quer dizer exatamente isto: somos filhos da terra, do barro quebradiço moldado pelas mãos do criador. Enfim, somos limitados! É bem verdade que o ser humano é capaz do bem, do melhor, do mais elevado, mas, pedagogicamente a quaresma nos recorda esta verdade: somos frágeis e não podemos viver como se fôssemos onipotentes! Esta é a primeira palavra sobre a quaresma: quem se julga pronto e acabado não abre espaço em si para a graça de Deus agir. Somos seres inacabados e em constante construção.

O tempo quaresmal é tempo de conversão, ou seja, tempo de mudança profunda de mentalidade e atitudes. Para sairmos crescidos da quaresma e atingirmos a estatura do Cristo Ressurrecto, convém nos converter a um estilo de vida mais simples, austero e frugal, no cuidado com a natureza e o ser humano. Esta é a segunda palavra sobre a quaresma: quero convidá-lo a percorrer o caminho quaresmal como tempo de reeducação dos sentidos, sobretudo da visão. O olfato, o tato, o paladar, a audição e a visão, nossos cinco sentidos devem ser reeducados, a fim de termos uma relação mais harmoniosa com a natureza e com os seres humanos. Precisamos reeducar nossa visão, fazer uma re-visão, ou seja, passar a perceber coisas e realidades que não vemos no cotidiano, sinais da gratuidade de Deus. Passar a ver, sob outro prisma situações e realidades do dia a dia. O desafio é: ver a vida, os acontecimentos, as pessoas com outros olhos, com os olhos da graça, com os olhos de Deus. Jesus curou os cegos e há muitas cegueiras hoje que precisam ser vencidas. Em nossa época somos estimulados por uma “inundação de estímulos”. Privilegia-se o pior. Liga-se a TV e só se vê o pior. Nosso olhar precisa aprender a captar os sinais de Deus nesse emaranhado de coisas.

Por fim, reflito sobre o deserto. Para o imaginário do povo do oriente o deserto é vital, é uma escola. O povo de Deus, por assim dizer, foi gestado, a duras penas, no deserto. Foi também no deserto que Jesus se preparou para sua vida pública. O deserto, simbolicamente, é lugar da privação e da solidão.  É na “solidão amiga” que nos encontraremos com nosso “eu profundo” e também com nossos fantasmas e demônios. O deserto, por assim dizer, é o lugar privilegiado do encontro com Deus e consigo mesmo. Para criarmos ambiente de deserto precisamos de silêncio, recolhimento, vida interior. Esta é a terceira palavra sobre a quaresma: quaresma é tempo de deserto. Justamente no deserto Jesus foi vítima do diabo que quis dividi-lo, a palavra grega diábolos quer dizer precisamente “aquele que divide”. O diabo quis dividir Jesus interiormente e dissuadi-lo de seus projetos, mas Jesus venceu a tentação e se manteve íntegro (inteiro). Quantos diábolos também querem nos dividir e confundir interiormente no deserto de nossa vida. Em repartições públicas, quantos diábolos querem dividir pessoas que procuram se manter íntegras, ou seja, inteiras em seus propósitos de honestidade e retidão de caráter. No trabalho, na família, enfim, no deserto de nossa vida somos tentados a trair nossos valores e ideais, mas é preciso resistir, pois o deserto é mesmo o lugar da prova. Não tenhamos medo de ir ao deserto, pois lá Deus nos prova, mas depois nos aprova!

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