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É Páscoa!

16 de Abril de 2013, por Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros

Anualmente celebramos a Páscoa! É o rito maior do cristianismo: é o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Nós, seres humanos, somos essencialmente ritualistas. Ritualizamos tudo. Nossa vida é uma verdadeira liturgia. Criamos ritos para nascimento, para a puberdade, para o casamento, para a morte. O nosso dia a dia também é repleto de rituais: ao despertamos, nos penteamos, saudamos as pessoas que estão à nossa volta, fazemos o sinal da cruz, temos hora para nos alimentar. Esses hábitos, lato sensu, também podem ser chamados de “rito”. O rito pertence ao mundo da cultura. Aqui vale fazer uma distinção entre o que é cultural e natural. Para tal lançamos mão da antropologia cultural. Posso exemplificar: comer é ato natural, uma necessidade biológica, da natureza, enquanto comer com a ajuda de talheres é um ato cultural, uma criação humana, nossos ancestrais comiam com as mãos. Acabamos ritualizando um ato meramente natural. Nós humanos somos ritualistas. Esta é uma dimensão intrínseca do ser humano.

Feito esse preâmbulo, voltamos ao tema da Páscoa. Pode-se falar em duas páscoas, a judaica e a cristã, sendo que a segunda deriva da primeira. A primeira tem significado histórico, celebra um acontecimento concreto na vida de um povo, a saber, o povo Hebreu, ao passo que a segunda tem uma conotação mais espiritual. Mas o que é mesmo Páscoa? Ou o que é a hagadah de pesah, o relato da Páscoa? Esta pergunta era feita por uma criança aos anciãos na celebração da páscoa judaica: uma criança se levantava e perguntava: “Que rito é este”? Ex. 12, 25-27. Grosso modo, podemos dizer: Páscoa significa passagem, de uma situação ruim para uma situação melhor. Outro nome que se pode dar ao rito, sobretudo na cultura judaica, é memória. De fato, para o judeu o pecado imperdoável era se esquecer das maravilhas de Javé, no caso do Êxodo. Por isso mesmo o salmista diz “… se de ti Jerusalém eu me esquecer, que me seque a mão direita. Que me cole a língua ao paladar caso eu não me lembre de ti” Sl 137, 5-6. O rito tem esse aspecto de anamnese, ou seja, de não deixar que os favores de Deus caiam no esquecimento.

Não quero aqui aprofundar demasiadamente o tema da páscoa judaica, apenas chamar atenção para alguns aspectos, que, a meu juízo, são interessantes. Primeiramente, o caráter concreto da páscoa judaica, ela faz memória de um fato concreto. Javé, o Deus da vida, interveio na vida de um povo e fez esse povo passar de uma situação de escravidão para a liberdade. Outro aspecto interessante é o simbólico, temos os seguintes sinais simbólicos na Páscoa judaica: a menorah, candelabro de sete velas que era acesso pela mulher, pela dona da casa no início da celebração pascal; os raroses, ou as ervas amargas que recordavam a amargura da escravidão do Egito, dentre outros. Valeria a pena conhecer os detalhes da celebração judaica da Páscoa. Talvez em outra oportunidade.

Passemos à celebração cristã da Páscoa. A primeira celebração cristã da Páscoa foi realizada por Jesus na última ceia. Convém salientar, antes de mais nada, que Jesus era um judeu, educado na religião judaica, nos costumes de seu povo. Muito embora tenha criticado duramente os elementos alienantes de sua religião, tais como o legalismo, ritualismo, alienação, Jesus foi judeu plenamente. Nesse sentido, podemos dizer que a Páscoa cristã é, por assim dizer, filha e herdeira da Páscoa judaica, afinal o cristianismo tem suas raízes no judaísmo. Mas cabe aqui uma interrogação: o que diferencia a Páscoa cristã da Páscoa judaica? Numa palavra, o objeto que se celebra. Na Páscoa judaica, celebramos um acontecimento histórico; na Páscoa cristã celebramos uma pessoa, Jesus Cristo, o novo cordeiro que se ofereceu por nós. Na Páscoa cristã celebramos, pois, a verdade central do cristianismo: a morte e a ressurreição de Jesus. Cristo morto e ressuscitado é a essência de nossa fé. A fé cristã diz que ao terceiro dia, quando tudo parecia perdido, Jesus saiu vitorioso do sepulcro, dando-nos esperança e vida nova. A páscoa cristã é a passagem de Cristo da morte para a vida e nós cristãos, com ele também queremos ressuscitar.

Finalmente nos perguntamos: como celebrar bem a Páscoa? Celebra bem a Páscoa quem tem esperança e acredita que a vida é mais forte que a morte, apesar dos sinais de morte que ainda persistem em nós e na sociedade. Celebra bem a Páscoa quem se compromete com a defesa e a promoção da vida, desde a concepção até o seu fim natural. Celebra bem a Páscoa quem se preocupa com a sua qualidade de vida e com a dos outros; quem se esforça para passar de uma vida ruim para uma vida melhor. Celebra bem a Páscoa quem, com humildade busca o sacramento da reconciliação e se nutre da Eucaristia, que é o corpo do Senhor. Quem acredita que a história humana não é uma realidade caótica, mas que o Ressuscitado é Senhor da história e da vida de cada um de nós e que, um dia, iluminados pela luz do Ressuscitado compreenderemos, com profundidade o mistério da vida.

Feliz Páscoa!

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