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Aos mestres, com carinho – parte 02

12 de Maio de 2016, por Evaldo Balbino

Tia Turca e Adenorzinho. Os textos aumentando de tamanho. As aulas de Matemática nos dizendo que na vida as coisas pesam. A arca de Noé, de Vinicius de Moraes, me dizendo que a literatura abarca tudo, que todos os animais e amores do mundo cabem numa arca. E nós somos a arca. Carregamos todas as coisas e todos os afetos do mundo.

Dona Aleluia com sua voz e letra no quadro nos dando lições de fé, de contenção, de canto para a vida ficar mais bela, mais ritmada.

Ana do Galo e as mensagens religiosas cheias de esperança.

Dona Ângela nos passando lições de assepsia, entrando vez em quando em sala para nos ensinar também o que de proveito fosse: escovar os dentes, lavar os cabelos, esfregar o corpo. Tudo para uma vida limpa e saudável.

A Cidinha da dona Nita e os presentes dados ao Elefante Basílio. Aquela história gostosa no quadro, grafada a giz, e todos nós a copiando com afinco, com atenção. E uma vontade imensa de entrar na história de Érico Veríssimo, de fazer parte daquela visita ao recém-nascido elefantezinho. E ser o próprio filhote ganhando presentes que não acabassem mais.

A Eliana do Tatita nos pedindo redações sobre Festa Junina e eu escrevendo com satisfação imensa: “A fogueira crepitava no terreiro”. Que palavra linda esta: “crepitar”! Escrevê-la era ouvir a lenha barulhando, bailando de alegria e dor ao som do calor subindo para o céu e iluminando tudo.

Fatinha Coelho nos ensinando que as vogais se irmanam e formam ditongos e que também brigam e dão vida a hiatos. Mostrando a todos nós a necessária disciplina para ler e escrever, para avançar na vida.

A Myrian do Cassiano nos dizendo de particípios regulares e irregulares. Certa vez ela pediu uma redação sobre o Dia das Mães e escrevi um texto intitulado “Ser mãe é padecer no paraíso”. Mais ou menos eu tinha roubado isso do Carlos Eduardo Novaes em sua crônica “Ser filho é padecer no purgatório”. Me empolgara com o texto do cronista e já desde aquela época fui intertextualizando com outros autores sem sequer saber o que é intertextualidade. Tão bom fazer as coisas assim, de supetão, sem altas teorias nos guiando a vida!

A Maria Moreira brincando conosco em sala, revisando as classes gramaticais com leveza e alegria. Foi ela quem me emprestou A carne de Júlio Ribeiro, e eu fui avançando pelas linhas naturalistas com espanto e prazer. Desde ali já fui vendo que a literatura fala de nós, de nossos desejos, de nossos fantasmas.

O José Antônio e suas aulas de literatura, ensinando-nos a ler poemas, a perceber a beleza do poema “Memória” de Carlos Drummond de Andrade.

A Regininha nos ajudando a adaptar Em carne viva para o teatro, levando-nos Mulheres de Atenas para ouvirmos, cantarmos e refletirmos com o Chico Buarque.

E Regina Coelho trazendo literatura, nos mostrando o Morte e vida Severina, a beleza de Fogo Morto, o erotismo das cantigas medievais de amigo; apresentando para nós reflexões sobre nossa língua, a língua que nos constrói. A mesma Regina Coelho me apresentando ao Monteiro Lobato para adultos e à sempre Adélia Prado de minha predileção.

Elzi nos falando dos Incas, Astecas e Maias, dos Australopithecus e Homo Sapiens, da sociedade agropecuária brasileira, do açúcar no Brasil, e eu me apaixonando pela história de Lampião e Maria Bonita. Vontade de uma saga de amor e fúria, de luta pelos pobres, de amor e de guerra. A mesma Elzi nos ensinando que a vaca é animal sagrado na Índia e eu insistindo que o boi também deveria ser.

Alvair do Vavá nos falando dos pigmeus da África e do processo de independência dos Estados Unidos.

Maria Lúcia Chaves e a Revolução Francesa ecoando em nossas cabeças. A leitura fascinante de História da riqueza do homem de Leo Huberman e um passeio pela decadência do Feudalismo perante as forças da mercancia. Um incômodo na minha cabeça nos estudos sobre a intolerância no mundo. O Mississipi em chamas, a Ku Klux Klan, o apartheid, a guerra civil espanhola, a dizimação dos índios em toda a América, os campos de concentração na Alemanha. Tudo isso me fazendo concentrar, me fazendo pensar nas peripécias humanas na Terra. Nos encontros e desencontros de nossa espécie.

 

Tião Melo e suas apostilas paralelas com mensagens e cálculos e mais cálculos. No livro que usávamos, o nome Benedito Castrucci me fascinava. Com seus dois “cês”, dava imponência aos nós da matemática.

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