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Aos mestres, com carinho – parte 03

16 de Junho de 2016, por Evaldo Balbino

Dona Maria da Penha (com o braço esquerdo virado para trás, a mão esquerda apoiada na região lombar e a mão direita escrevendo no quadro a giz) falava-nos de conjuntos, logaritmos, potências, matrizes, números inteiros e fracionários. Mas eu gostava mesmo era da Trigonometria. Usando o Teorema de Pitágoras, me imaginava um deus criando prédios cujas sombras se projetavam no chão. Elas desciam fazendo com o solo um elo, um pacto, uma hipotenusa se enraizando na terra firme e forte. Eu era um construtor de habitações, assim como o meu pai.

Ermínio, hoje padre Ermínio, nos ensinando que o Brasil tinha muitas riquezas naturais, porém mal distribuídas e mal exploradas.

Eli nos mostrando que a Terra gira no espaço e que os polos têm atração magnética.

Lúcia Resende falando de planaltos e planícies, de rios imensos, de faunas e floras a se perderem de vista.

O Mário Márcio, de chinelas e meias nos pés, nos falando de hidrografia, de divisões geopolíticas do mundo, das brigas de interesse pelos bens da vida terrena.

A Doralice da Emater, com suas botas e sua altura imensa (éramos todos adolescentes baixinhos), dizendo das suas terras num sotaque peculiar, da caatinga, da seca atravessando como punhal os sertões brasileiros. Não tinha como não pensar, nas aulas da Doralice, sobre João Cabral de Melo Neto, sobre a faca só lâmina da poesia desse pernambucano.

Dona Ieda Melo dizendo que toda matéria ocupa lugar no espaço e que a Terra tem camadas cada vez mais profundas.

O seu Élson dando aulas sobre o corpo humano e sexualidade; e a garotada atenta, atenta por demais, olhando para seus corpos sentados nas cadeiras, pensando nas descobertas das próprias geografias que se iam fazendo.

O César da Farmácia e as aulas de reprodução celular, de Citologia e membranas e núcleos. E uma vontade imensa de atingirmos o núcleo da vida!

A Regina Argamim descortinando conosco os reinos Animalia, Plantae, Fungi, Protista e Monera, e eu me perdendo, tal um cisquinho no mundo, no meio de tanta diversidade de vida.

A Maria José e suas piadas, os gráficos infindáveis da Química, a distribuição de elétrons por camadas que eu nunca via, o balanceamento de equações químicas de que tanto eu gostava.

A Cláudia do Sandro e o estudo do carbono, das ligações do carbono, da vida se formando em todos nós.

O Marcos desbravando a física do mundo, dizendo das leis de Newton e do princípio da conservação da matéria segundo Lavoisier. E eu em suas aulas pensando na eternidade de tudo se transformando, nada acabando nesta vida. “Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. E eu também lamentando pela lei da gravidade, este apego ao chão que nos arrasta. E o professor nos dizendo que a gravidade é importante, que graças a ela os corpos celestes e nós temos segurança. Atraindo-se, os corpos não vagam a esmo, não se perdem tanto no espaço.

O Camilinho e os desenhos que me davam tanto trabalho. Eu que mal conseguia fazer um gatinho: duas bolas em interseção (eis minha aplicação das lições matemáticas), dispostas uma sobre a outra verticalmente, eram um corpo redondo e desengonçado. A de baixo era mais oval e comprida (o corpo); e a de cima, mais redonda (o rosto felino). Uns risquinhos eram o bigode, duas bolinhas menores eram olhos espertos, uma barrinha vertical compunha o nariz, um parêntese deitado com as pontas para cima fazia as vezes de boca sem dentes e um cedilha fingia ser o rabinho balançando. E as casas que eu construía?! Mal saía fumaça delas. E eram primárias que só vendo!

A Tela Coelho, a Stela Vale Lara e a Ana Cláudia nos ensinando Welcome to New York; Good morning, students; We are going to the Statue of Liberty; Young people in Brazil speak Portuguese... E nossas bocas se esforçando, fazendo pantomimas, aumentando as rugas. Tudo isso no esforço de dizer palavras estrangeiras. Ainda bem que não era francês. Imaginem! Tanto biquinho entortaria ainda mais nossos lábios.

Dona Inácia entrava em sala de aula no papel de orientadora educacional. Dava aulas de como nos organizar na lida estudantil, nos ajudava a preparar os eventos de formatura. E foi com ela que, pela primeira vez na minha vida, ouvir falar do curso de Letras. Decidi, desde então, que esse era o curso que eu faria. Eu caminharia pelas letras.

 

E hoje, falando por meio das letras, o que digo é gratidão, é carinho por todos e todas os que alimentaram o meu amor pela vida e pelas palavras. É aqui um ato de agradecimento esta crônica. Mesmo que o tempo passe, o inexorável Cronos, a memória persiste firme, tecendo-se e tecendo nossas vidas.

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