Sua irmã pulava, menos ele. Nadador de areia, ele era. Quando se animava, com seu pequenino corpo deitado, batia seus braços e pernas naqueles trechos de água rasa, a areia castigando um pouco o rosto, o peito, a barriga de gula e infância. Nadando assim, desengonçadamente, acabava por ficar com o short cheio de areia, mas pelo menos nadava. Do seu jeito nadava.
Naquele dia o corgo da Bilica estava uma beleza. Ninguém na praiazinha estendendo-se. E por isso ele não ficou sobre a grande pedra. O medo de um fantasma aparecer lá em cima era tamanho. Melhor mesmo era debruçar-se sobre a areiazinha, nadar tal qual um marinheiro indômito, navegar com seu corpinho sedento de água e aventura.
As horas foram-se passando, e ele e sua irmã não tiveram tino do tempo. A areia das horas escorrendo, e ampulheta nenhuma avisando os guris que a noite já estava breve. A menina foi a primeira a perceber a proximidade do escuro.
– Vamo embora, Lino! Já tá ficano tarde!
Meio amuado com a situação, o garoto assentiu a contragosto, e foi logo tirando o shortinho para entregar à irmã. Como era de praxe, ela lavaria seu short na água corrente, tiraria dele toda a areia, esfregaria o pano com vontade (que para isso ela tinha jeito) e depois lhe devolveria a roupinha exígua para que ambos pudessem voltar para casa.
As mãos hábeis da irmã trabalhavam sobre a correnteza. Enquanto isso, Lino permanecia escondido atrás de uma pedra, pois meninas nem ninguém mais podiam ver o seu piu-piu. A mãe sempre ensinava e o pai com cara brava sempre advertia. As mãos da irmã fazendo um barulho gostoso. Um esfrega-esfrega de uma na outra, atritando a peça, tirando as manchas. Tivesse sabão ali, e as espumas brilhariam à luz do sol já quase se indo para trás das serras lá adiante. Lino olhava para o trabalho com enleio. Acocorado atrás da pedra, escondendo sua nudez como um Adão redivivo, ia vendo as mãos fraternas no favor necessário.
E a irmã ia jogando o shortinho dele para cima e o ia pegando novamente. E gritava com o irmão:
– Vê, Lino, como sou esperta! Vê!
E o menino xingando, e ela brincando com a cara de um pobre garoto desnudo. De repente, num descuido da irmã, o short de Lino caiu um pouco mais para longe e começou a descer a correnteza. A garota tentou salvar a bermudinha, mas não conseguiu. As águas fortes não deram trégua para menina tão frágil.
Começou a choradeira de Lino. Como voltaria agora para casa, de piu-piu balangando que nem ponteiro desengonçando de relógio? Não, de jeito nenhum! E aí ele se lembrou do relógio antigo, na casa da Bernardinha. Um relógio pomposo, mas carcomido pelo tempo, em cujo alto pousava um pássaro, frio e morto. A frente do relógio com um vidro transparente, e o pêndulo balangando de um lado para outro, sem parar, sem se cansar. O seu piu-piu não se cansaria também. Mas como andar pelado pela estrada? Como mostrar-se assim, sem roupa nenhuma, para quem pudesse passar por ele? Por certo os primos, filhos da tia Tuquinha, zoariam com sua cara. Não, de jeito nenhum mesmo! A irmã que desse um jeito!
Vendo-o emperrado e choroso atrás da pedra, a garotinha encontrou a solução:
– Tô de calcinha, Lino. Então ‘cê vai com meu vestido, tá? De calcinha num fico pelada não.
E o menino, receoso, enfiou sobre sua cabecinha o vestido da irmã. Desengonçadamente subiu ao lado dela para a mina. Nem olhou a água fria e gostosa da bica. Uma água descendo lenta, pouca e refrescante.
Mais acima, na estradinha que levava à sua casa, deram de encontrar com dois carreiros guiando duas juntas de bois e um carro-de-boi cantando de peso. Vendo o menino com vestido, os homens iniciaram gargalhadas terríveis. E aí sim o menino chorou, chorou alto, mais alto que a alta poeira que os bois levantavam com seus cascos.
Fugindo da poeira e das gargalhadas, a infância chorosa subiu a estrada estreita, perguntando-se por que tamanho desajuste, qual o problema de um menino vestir um vestido. O mundo tem disso. As coisas parecem ser dadas, e pronto. São naturais, e nada se pode fazer contra elas.
Então, com muita raiva, o menino, lá do alto da estrada, empinou o traseiro na direção dos boiadeiros, levantou o vestido em seu corpinho e mandou aqueles homens catarem cascalho diante dos bois.