Lino ficou em casa mesmo, soprando um talo de mamona pelo terreiro. E as bolhas de sabão saindo a cada sopro, indo perder-se pela horta, transparentes e ao mesmo tempo meio azuladas. As bolhas despregavam-se molengas da ponta do talo, e o menino as soprando com vontade, viajando os olhos nas bolas leves se indo pelo ar.
Pegara o sabão sob os xingamentos da mãe. A vida tão cara e ele fazendo estripulias, gastando as coisas assim, sem pensar na vida, na roupa a ser lavada. E além disso sabão em pó era coisa de luxo, coisa que poucos compravam. Não era coisa para brincar não. “Mas melhor ficar em casa do que bagunçando com os primos” – a mãe dissera por fim, aceitando de certo modo as extravagâncias do filho. E lá se fora ela, levando a irmã de Lino para a escola.
Nada de ir com a mãe e a irmã. Não iria de jeito nenhum, pois o medo era maior do que a vontade de pegar pirulito na venda do Nélson. Se a mãe fosse direto para a venda, tudo seria diferente. A doçura antecipada do pirulito se mostraria pelas beiras da estrada. Aí sim caminharia ao lado da mãe, e isso seria bom, lhe daria um prazer inominável. No entanto, antes de passar pela venda, sua mãe deixaria a filha na escola. Ir à venda sim, mas à escola não.
Um pouco mais velha do que ele, a irmã começaria a estudar. Iria direto para a primeira série. Em povoado tão pequeno, não havia maternal. Os pais, em sua maioria, não ensinavam os filhos a ler. Outras necessidades da vida eram mais urgentes, como, por exemplo, cuidar da criançada que nascia e crescia em escadinha. Filharada que não parava mais. Os afazeres eram tantos, na casa e na roça, que tempo nenhum mais sobrava, muito menos para o mundo das letras. Pelo menos se permitia à prole que estudasse até a quarta série do primeiro grau, o nível mais avançado que existia ali.
A irmã estudaria como os irmãos mais velhos já estudavam ou tinham estudado. Porém ele, o Lino brincalhão das hortas, de jeito nenhum! E fazendo agora as bolhas de sabão, o menino dividia-se entre pensar nos pirulitos da venda do Nélson, redondos e envoltos por plástico, e na escola da tia Graça.
A venda era uma casa antiga, com duas portas longas de madeira azul que davam para a rua. Logo após as portas, um balcão de cimento, lindo de verde, estendia-se de fora a fora, separando os compradores do vendedor. Seu Nélson, balconista e dono do estabelecimento, ficava do outro lado. Ele era pastor de uma igreja, e ganhava também ali, na venda, o seu pão de cada dia. A sua igreja não ficava no povoado, mas em São João del-Rei. Nos fins de semana, o seu Nélson saía todo engomado e com sapatos lustrosos para, no depois da vila, subir ao púlpito e falar a ovelhas com fome e sede de justiça. Fome numa vida cheia de precariedades. O seu Nélson, porém, era mais agradável quando estava atrás do balcão, sem o cabelo pastoso com um creme tirado não se sabia de onde. Na venda, ele era mais simples, mais homem daquelas bandas mesmo.
A escola era uma casa mais antiga ainda, bonita no seu existir no pedestal de uma escada de pedra. Uma escadinha torta, e as janelas simples e de madeira se abrindo para o mundo, mostrando lá dentro meninos e meninas sentados em fila indiana. Uma vez Lino vira isso. Os pés cautelosos sobre o último degrau da escada. Os olhos pequenos e medrosos olhando lá para dentro. E, diante de todos os alunos, a professora escrevendo numa lousa com a mão direita e segurando uma vara de marmelo com a esquerda. Tabuadas, cartilhas, cadernos e lápis enfeitavam as mesas dos alunos. Tia Graça não deixava ninguém usar caneta, para a letra não sair torta, encurvada. E os olhos do menino não sabendo o que olhar, se as crianças dispostas em linha reta, se a letra bonita da professora no quadro, ou se a vara indômita nas mãos de mestra parecendo brava.
Se fosse para a escola, ele só gostaria de colorir. Nada de fazer contas e escrever palavras. Nada de quebrar a cabeça com tanta coisa difícil. “Ler, escrever e fazer conta de cabeça, Lino; isso sim é superior” – os adultos professoravam, e o garoto só pensando em traquinagens, em vida solta no campo como soltos ficavam os bezerros ainda não desmamados.
E se ele fosse para a escola e lá se perdesse da mãe, entre os outros meninos e palavras e números? Não. Não iria. A irmã tinha ido, e ele soprando agora bolhas de sabão, com um medo danado de que ela não voltasse daquele mundo estranho. Havia idas sem voltas na vida.
O seu irmão mais velho, por exemplo, o que já tinha estudado até a quarta série, não morava mais com a família. Fora para São Paulo em busca de trabalho e só de vez quando chegavam suas cartas, separadas meses umas das outras. E a mãe chorando com as palavras distantes do filho, querendo vê-lo, mesmo grande já, em seus braços buscando ser eternos.
Só de lembrar-se da mãe chorando, as lágrimas escorrendo pelo rosto, e do irmão distante de todos, Lino namorava mais ainda as bolhas flutuando. Leves e soltas, para nunca mais voltar.