A leitura, em todos os níveis, é um caminho de prazer e dificuldades.
Quase toda criança aprende a falar com naturalidade, e só depois adquire a tecnologia da escrita. Assim foi o mundo. Primeiro o ser humano aprendeu a falar, para depois aprender a escrever. A escrita vem depois da fala. Sendo assim, toda criança engasga, tropeça, titubeia, quando adentra pelas primeiras letras. E titubear faz parte da vida.
Eu, por exemplo, sempre gostei das letras. Mas qual não era o meu sufoco quando, na 1ª série, minha alfabetizadora, com vara de marmelo nas mãos, ia me tomar lições de leitura na frente dos meus colegas! Era uma vara para apenas apontar no quadro o que deveria ser lido por meus olhos e bocas de infância, mas mesmo assim eu tinha medo de que ela também viesse a ter outra serventia para menino tão tenso como eu me mostrava na frente de todos. A professora colocava palavras e frases no quadro, que de negro não tinha nada. Era um quadro esverdeado, meio gasto, encimado por um crucifixo sustendo um Cristo com rosto sofrido. O que eu lia eram trechos que ela tirava de antigas cartilhas. E me engasgava com palavras tão parecidas. O macaco é da Moema. Mimi mia e o moinho mói. O chapéu é de Seu Chico. Ele chegou e tirou o chapéu. Seu Chico é educado. A faca é afiada. O foguete vai subir... E assim eu ia atropelando palavras, custando a entender, por exemplo, por que o “u” desaparecia da minha boca numa palavra como “foguete” ou por que o “e”, no final desta mesma palavra, saía fantasiado de “i”. No entanto, mesmo manco na minha leitura, o nervosismo embaralhando tudo, eu amava aquelas palavras solteiras e também as casadas, juntando-se todas em frases e textos que me fascinavam.
Apesar das dificuldades, lembro bem, a professora, mesmo brava, investia na leitura dos alunos. E em casa meus pais me deixavam brincar com as palavras, fazer amizade com elas. Se os familiares fazem isso, as dificuldades são logo superadas, e o ato de leitura deslancha.
Outras dificuldades persistem mais ao longo da vida, como, por exemplo, a de ter de lidar com textos que nos puxam o chão dos pés, que nos sacodem, que nos chamam para a vida, que nos fazem acordar para as dores do mundo.
Mesmo assim, porém, ler sempre é prazeroso, pois a leitura nos leva a pensar melhor a vida, a analisar de modo mais acurado o mundo que nos rodeia. É lógico que estou falando de boas leituras, de textos que me aguçam o estar no mundo, que me tornam um sujeito pensante e, no caso da literatura, também um sujeito desejante e sensível. Aí, então, estou falando de literatura, da palavra em estado de arte, da palavra que me tira do chão e que por isso mesmo me coloca nele, me planta nele. Estou falando do poder da literatura de me revelar a vida, e de fazer isso com estética, com o poder poético das palavras. Ler, e ler literatura, é abrir os olhos para o mundo, é enxergá-lo com atenção, com sentimento, com espírito crítico.
Fico pensando, às vezes, nas pessoas que não gostam de ler. Se não gostam, é porque não foram acostumadas a isso ou porque ainda não sentiram a necessidade de um aprofundamento nas questões da vida, do ser humano, dos sentimentos, do mundo, portanto. As pessoas que não gostam de ler geralmente ficam satisfeitas com as superfícies das coisas, e não procuram, nos diversos momentos de sua vida, pensar mais, sentir plenamente o ar que respiram, a beleza de toda a vida e a tristeza de toda ela também.
Percebemos nitidamente em conversas quando uma pessoa não gosta de ler: seu papo é mais raso, menos provocativo. Até mesmo à mesa de boteco podemos encontrar pessoas que leem. Afinal, ler não exclui outras atividades da vida. O problema é que muitos subsituem a leitura por essas outras atividades, e se esquecem deste artefato maravilhoso que criamos ao longo da história humana: as palavras.
Eu sempre falo para meus alunos que é mais fácil ir para um boteco, jogar uma sinuca, beber uma cerveja ou um refrigerante, comer uma pizza, andar numa roda gigante. Tudo isso é fácil e bom. Não nego nada disso, pois tudo faz parte da vida. Mas ler é mais difícil, porquanto demanda de todos nós silêncio e solidão. É uma solidão falsa, já que na verdade, quando estamos lendo, conectamo-nos com autores e outros leitores do mundo. Lendo, estamos conectados com outros tempos e espaços.
A leitura muda nossa vida, porque nos tira do comodismo do pensamento, nos move na direção da mudança de pensamento, trabalha nossos preconceitos. Tudo bem que há leitores assíduos extremamente preconceituosos. Mas hoje em dia, cada vez mais aparecem textos e livros que nos levam a quebrar preconceitos. E eu defendo que, quanto mais abrirmos nossas mentes, nossos modos de pensar poderão aceitar mais as diferenças, poderemos aceitar mais os outros no dia-a-dia.