A formação no Seminário Arquidiocesano São José, em Mariana


Especial centenário de nascimento do monsenhor Nélson

André Eustáquio, Emanuelle Ribeiro e João Magalhães0

Seminário São José, inaugurado em 1934. Foto Emanuelle Ribeiro

O tradicional e prestigiado Seminário São José, da Arquidiocese de Mariana (MG), é o educandário religioso onde foram formadas várias gerações de sacerdotes que atuaram em diversas cidades de Minas Gerais e também de outros estados do Brasil. O seminário, fundado em 1750 pelo primeiro bispo de Mariana, dom Frei Manoel da Cruz, fora dirigido inicialmente pelos padres jesuítas. “O Seminário de Mariana tem uma longa história. É um dos mais antigos do Brasil. Acredito que dos seminários diocesanos seja o mais antigo em funcionamento”, disse o atual reitor do seminário, cônego Lauro Sérgio Versiani Barbosa. Foi no Seminário São José de Mariana que o monsenhor Nélson Rodrigues Ferreira recebeu toda a formação sacerdotal, humanista e intelectual.

Mariana foi a primeira vila, cidade e capital de Minas Gerais. No século XVII, foi uma das maiores cidades produtoras de ouro para a coroa portuguesa. Próxima a Ouro Preto, a cidade está localizada na “região do ouro e do diamante”, conforme descreve o cônego Lauro Versiani. Historicamente, a origem da cidade está ligada à época em que os bandeirantes chegaram à região, atraídos pelo ouro em abundância, no final do século XVII. Em 23 de abril de 1745, a antiga Vila Real de Nossa Senhora do Carmo torna-se oficialmente Cidade de Mariana, em homenagem ao rei de Portugal Dom João V e à Dona Maria Ana de Áustria, sua esposa. Foi nesse mesmo ano que a diocese, uma das mais antigas do Brasil, foi criada. “A diocese foi criada em 1745 e o bispo chegou aqui em 1748. Ele criou o seminário conseguindo uma exceção, porque nessa região não entravam os religiosos. Ele conseguiu uma concessão para o seminário por causa dos padres jesuítas, os primeiros do nosso seminário. No século XIX, já com dom Antonio Ferreira Viçoso, o seminário foi confiado aos padres lazaristas, da Congregação da Missão e confrades de Dom Viçoso”, informou o cônego Lauro. Os lazaristas dirigiram o seminário de Mariana durante 117 anos, de 1849 a 1966. Trata-se de um período da história da Congregação da Missão de intensificação do trabalho de formação do clero. Vários seminários do Brasil estiveram sob os seus cuidados, a partir de 1850; dentre tantos, os do Caraça, de Salvador, de Diamantina e do Rio de Janeiro. “Em 1967, os padres diocesanos de Mariana assumiram o seminário e permanecem até hoje”, explica o reitor.

No início, o seminário de Mariana reunia, num mesmo prédio, onde hoje funciona o campus das ciências humanas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), as etapas do seminário menor e maior. “Os alunos eram separados em alas diferentes no seminário”, disse o cônego Lauro. Por volta de 1927, coincidentemente o ano em que monsenhor Nélson, com apenas 13 anos de idade, ingressava no seminário Nossa Senhora da Boa Morte, o então arcebispo Dom Helvécio Gomes de Oliveira, foi aconselhado a separar os prédios do seminário menor e maior. Assim, em 1928, Dom Helvécio começou a construir o prédio onde hoje abriga o Seminário Arquidiocesano São José. A inauguração aconteceu em 1934. No atual prédio do seminário maior, o jovem seminarista Nélson Rodrigues Ferreira cursou a teologia, até se ordenar presbítero em 1937, com 23 anos. Os anos iniciais, o curso clássico e o período da filosofia, monsenhor Nélson estudou no antigo prédio, que hoje está em comodato com a UFOP, porém continua a pertencer à arquidiocese.

 

Os padres lazaristas

O Seminário São José localiza-se num belo e grandioso largo de onde se vê a igreja de São Pedro dos Clérigos. A construção é monumental. À sua frente, grandes árvores e um jardim complementam a paisagem. O lugar é convidativo ao estudo e à contemplação. No interior do prédio, longos corredores, salões espaçosos, a rica biblioteca com sua preciosa seção de obras raras e a aconchegante e bela capela de São José preservam a memória de um tempo glorioso. O majestoso prédio é fruto do trabalho intenso, do bom gosto e do prestígio de Dom Helvécio, que deixou grandes obras na arquidiocese, além do seminário, como igrejas e colégios. “A perspectiva de Dom Helvécio é ainda da neo-cristandade, ou seja, ele pensa no acordo, na aproximação de toda a Igreja. Ainda se sonhava com a hegemonia católica. Temos que lembrar que ele era bispo no interior de Minas Gerais”, disse o reitor Lauro Versiani.

Quando os padres lazaristas assumem a reitoria do seminário de Mariana, tratam logo de instituir seus métodos de ensino, que se tornaram referência nos educandários dirigidos por eles. “Faz parte do ensino dos lazaristas uma formação moral rígida. Era típico. Monsenhor Nélson aprendeu aqui, com os padres lazaristas (risos)”, informa o reitor, que destaca a excelência da formação lazarista em Mariana: “O seminário de Mariana tem uma tradição na formação. São 263 anos de existência. Quando o monsenhor Nélson entrou, os lazaristas já tinham essa grande tradição. Havia vários padres se dedicando aos diversos campos do ensino científico e humanístico. Quem entrava aqui, seja no seminário menor ou no maior, recebia uma formação muito sólida. Às vezes vinham pessoas que nem se ordenavam, interessadas na educação”. Os seminaristas viviam intensamente a cultura e também a arte: “A vida no seminário antes era muito interna, então precisava ser rica, com muita ocupação, também na área da cultura”.

A formação intelectual do clero católico, antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), estava profundamente alicerçada na filosofia tomista, conforme esclarece o reitor, que é também diretor do Instituto de Teologia do Seminário São José: “A formação filosófica e teológica na época era o tomismo, predominando as teses escolásticas. Estudava-se normalmente textos em latim e francês. A formação clássica era muito intensa. Desde o seminário menor, a formação era em latim. Aqui, estudava-se hebraico e grego também”.

 

A fonte

Quem conviveu com o monsenhor Nélson testemunha sua sólida formação religiosa e intelectual. Padre e professor, ele dominava com maestria vários temas no âmbito da religião e das ciências humanas. Em Resende Costa, o seu escritório era referência para os alunos fazerem suas pesquisas de história, literatura e ciências, devido à biblioteca ampla e eclética do monsenhor. Em suas aulas, o padre professor discorria com profundidade sobre história antiga e geografia. Seus ex-alunos se lembram dele desenhando mapas antigos na lousa, sem consultar os livros. “Ele era muito culto”, diz uma ex-aluna.

Monsenhor Nélson se interessava também por ciências. O seu sobrinho Miguel Ângelo se lembra de ter visto o “tio padre Nélson fazer a primeira experiência de hidrólise na casa paroquial de Resende Costa”. “Ele gostava muito de ciências”, disse Miguel. As homilias durante as missas, conhecidas popularmente como ‘práticas’, eram recheadas de ensinamentos de história, sobretudo bíblica. Mas, sua autoridade moral era às vezes sentida na pele pelos paroquianos. O monsenhor não admitia a transgressão das duras regras da moral religiosa de sua época. Nisto ele era intransigente. Aberto às mudanças propostas pelo Concílio Vaticano II, culto e possuidor de um espírito intelectual vivaz, ele era, porém, ortodoxo na observância da moral.

A fonte de tão sólida formação religiosa, clássica/humanista, intelectual e moral era o tradicional Seminário Arquidiocesano de Mariana. Templo do saber e da formação de clérigos do passado e do presente, o Seminário São José cultivou, lapidou e por fim formou mentes brilhantes, clérigos virtuosos e sábios, que marcaram seu tempo e escreveram seus nomes na história da Igreja do Brasil. “A época dos padres lazaristas aqui no seminário foi marcante. Havia padres que se dedicavam, aqui dentro, à ciência, tinham laboratórios, inclusive. Monsenhor Nélson certamente pegou a reitoria do padre Van Pol [padre Antônio Umberto Van Pol], que foi muito famoso aqui. Foi um grande reitor”, disse Lauro Versiani.

 

O Seminário Arquidiocesano São José continua sendo referência na formação dos padres, não só da Arquidiocese de Mariana, como também de outras dioceses que enviam seminaristas para serem formados no conceituado seminário. “É uma característica do seminário de Mariana receber seminaristas provenientes de várias dioceses. No período do monsenhor Nélson também era assim. Recebíamos seminaristas de acordo com os pedidos dos bispos. Eram acordos. Durante muito tempo era aqui a referência para muitas dioceses, não só de Minas Gerais. Ainda hoje temos seminaristas de muitas dioceses”, conclui o reitor, cônego Lauro Sérgio Versiani Barbosa.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário