Reta final da formação e ordenação sacerdotal em Mariana


Especial centenário de nascimento do monsenhor Nélson

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Igreja de Nossa Senhora das Mercês de Mariana, onde padre Nelson foi ordenado sacerdote. (Fotos André Eustáquio)

Desde que ingressou no Seminário Menor de Mariana, no dia 6 de março de 1927, levado por seu pai, o capítulo da vida do adolescente Nélson Rodrigues Ferreira, com apenas 13 anos, começa a ser escrito no contexto da sacralidade e da austeridade do seminário. Longos anos de estudo, renúncias e desafios marcaram a trajetória do filho do casal José Mendes Ferreira e Maria Madalena Rodrigues Ferreira (dona Mariquinhas) até a ordenação sacerdotal em 1937.

Conforme já descrevemos no início desta série, os primeiros anos no seminário de Mariana não foram fáceis para Nélson Rodrigues. Além da adaptação numa cidade distante, o seminarista sentia o efeito da dificuldade financeira pela qual passava sua família em Piedade do Rio Grande (MG). Naquele período, manter o filho estudando em Mariana era um desafio imenso a ser enfrentado pelo casal José Mendes e Maria Madalena. Mas o SIM dado ao pai na “tarde sombria do dia 6 de março de 1927” superaria todas as dificuldades. “Quando me lembro daquela sombria tarde de 6 de março de 1927, em que levado pelas mãos de meu saudoso pai, penetrei no seminário de Mariana, antes de receber o seu último abraço e bênção de despedida, ao ouvir a sua pergunta: ‘Meu filho, você ainda quer estudar para padre?’. Pude ainda dizer ‘Sim’”, disse padre Nélson em discurso proferido em Resende Costa, no dia 4 de abril de 1962 durante as comemorações dos seus 25 anos de sacerdócio.

Neste discurso, padre Nélson se recorda dos desafios dos anos iniciais de sua formação: “Louvo a Deus quando me lembro das inúmeras dificuldades de ordem intelectual e financeira; quando me lembro daquelas crises de saúde por que passei lá pelos idos de 1932 a 1933...”. Sobre essa crise de saúde deflagrada no início dos anos 30, assim escreveu sua mãe dona Mariquinhas: “Quando estava no 7º ano de seminário, por ocasião das férias, Nélson chegou em casa magro e abatido, definhava dia a dia; o seu estado de saúde era assustador! Eis que casualmente chega em Piedade o doutor Freitas Carvalho que lá fora a fim de negociar um carro com o vigário da localidade. Este se achava de viagem. Então, doutor Freitas dirigiu-se para nossa casa. Jantou conosco e receitou para o Nelson; avisou-nos de que ele se achava bastante abatido. A conselho médico foi passar um mês na fazenda do avô. Apesar de haver usado dos medicamentos receitados, não obteve nenhuma melhora. No dia em que ele regressou da fazenda, quis Deus que o doutor Freitas chegou em nossa casa. Receitou novamente; desta vez o nosso seminarista recuperou a saúde, graças a Deus! Não pôde voltar para Mariana em março, só o fez em abril, mas não perdeu o ano”.

 

As ordens menores

Já recuperado da enfermidade que o acometera nas férias de 1932, o seminarista Nélson regressou a Mariana em abril de 1933, ano em que concluiu os estudos filosóficos, aos 18 anos de idade. No dia 8 de dezembro de 1933, recebeu solenemente a Primeira Tonsura, conforme ata registrada no Livro de Ordenações da Arquidiocese de Mariana (1875-1938). “Aos oito de dezembro de mil novecentos e trinta e três, na Catedral Metropolitana de Mariana, o Exmo. Sr. dom Helvécio Gomes de Oliveira, arcebispo metropolitano, acolitado pelos cônegos Alypio Odier de Oliveira e Caetano Donato Corrêa, conferiu Primeira Tonsura aos seminaristas: Antônio Miguel de Castro, Antônio Andrade, Nélson Rodrigues Ferreira, Antônio José Ferreira Filho, Antônio Xavier Rodrigues, Rodolpho Machado, Joaquim de Almeida e José Lopes de Magalhães”.

Em 1934, ano da inauguração do novo prédio do Seminário Maior São José, no dia 2 de novembro, na capela do seminário menor (Nossa Senhora da Boa Morte), o seminarista Nélson recebeu as ordens menores de Ostiariato, Leitorato, Exorcitato e Acolitato, em solene pontifical presidido pelo arcebispo dom Helvécio Gomes de Oliveira.

As ordens menores eram conferidas no decorrer dos estudos teológicos, tal como acontece ainda hoje. A diferença é que a Igreja aboliu o Ostiariato e o Exorcitato, ou seja, atualmente, os seminaristas no teologado recebem somente o Leitorato e o Acolitato. A Tonsura também foi abolida.

 

Sagradas ordens

No dia 30 de novembro de 1935, tendo o seminarista Nélson já concluído mais um ano do curso de teologia, recebera o Subdiaconato, durante cerimônia de ordenação geral presidida pontificalmente por dom Helvécio. Cada subdiácono menorista, aprovado canonicamente, recebeu um título: “Antônio Miguel de Castro, Ovídio dos Reis Silva, Antônio José Teixeira, Antônio Ávila do Carmo, Nélson Rodrigues Ferreira e José Lopes de Magalhães ad Titulum Servitii Eclesiae Mariannensis; Rodolpho Machado ad Titulum Patrimonii Sui; Aldolino Gesser ad Titulum Servitii Eclesiae Joinvilensis”.

O sonho de se tornar padre torna-se cada vez mais próximo. No dia 28 de março de 1936, na capela do Seminário Maior São José, dom Helvécio concede a ordem do Diaconato aos subdiáconos: Antônio Ávila do Carmo, Francisco Leopoldino Neto, Nélson Rodrigues Ferreira, Antônio José Ferreira, Rodolpho Pereira Machado, Ovídio dos Reis Silva, José Lopes Magalhães e Aldolino Gesser. Era a reta final de uma caminhada longa e repleta de obstáculos desafiadores a serem superados.

Enfim chegou o grande dia: 4 de abril de 1937. Atualmente, as ordenações presbiterais, com raríssimas exceções, acontecem em grande pompa, geralmente em grandes igrejas, ou até mesmo ginásios poliesportivos, dada a grande quantidade de convidados, clérigos e familiares na celebração. A ordenação sacerdotal do diácono Nélson aconteceu numa pequenina igreja em Mariana. Da sua numerosa família, estiveram presentes somente seus pais José Mendes e Maria Madalena e o irmão Wilson (Vivi).

Não há registros fotográficos dessa cerimônia. Restam somente a ata oficial registrada no Livro de Ordenações da Arquidiocese de Mariana, as anotações de sua mãe dona Mariquinhas e as lembranças do padre Nélson descritas no discurso das comemorações dos seus 25 anos de sacerdócio. “Lembro afinal da minha ordenação na pequenina igreja das Mercês de Mariana, durante solene pontifical do grande arcebispo Dom Helvécio Gomes de Oliveira; quando me lembro daquelas palavras do Monsenhor Raphael [Raphael Archanjo Coelho, na ocasião secretário interino do Bispado] ao Evangelho daquele dia, cujos ecos ainda sinto em minha alma: ‘Cantarei as misericórdias do Senhor’”.

Na ata desta ordenação, registrada no Livro de Ordenações, o Cônego Raphael Archanjo chama a atenção para a “primorosa reconstrução do templo, realizada pelo revmo. Sr. Cônego Francisco Vieira Braga”. O solene pontifical do dia 4 abril de 1937 marcou também a reinauguração da igreja das Mercês de Mariana.

No altar da simples, singela e acolhedora igrejinha das Mercês um sonho se torna real. O convicto SIM dado ao pai José Mendes no dia 6 de março de 1927 já dentro do Seminário Menor de Mariana ecoou ainda mais forte diante do arcebispo e de toda a igreja. Aos 23 anos, na companhia dos diáconos José Pedro Mendes, Antônio Barros de Araújo, Antônio Miguel de Castro e Antônio Xavier Rodrigues, Nélson Rodrigues Ferreira tem enfim as mãos ungidas e se torna sacerdote.

As imagens da ordenação, como dissemos, ficaram gravadas somente nas lembranças de sua mãe, que soube escrevê-las em uma tocante carta, sem poupar emoção, orgulho e carinho por ter testemunhado a vitória do filho que quis, desde a infância, ser padre, um simples sacerdote da Igreja de Jesus.

“Querido filho, vão longe como um sonho aqueles dias difíceis; mas o dia de tua ordenação ficou para sempre gravado em meu coração. Não podes imaginar como me senti feliz ao ver-te pela primeira vez revestido com os paramentos religiosos! Mais do que nunca tu me parecias belo. Eu via em tua fisionomia uma beleza angelical, na qual transparecia a pureza de tua alma. Eu e teu pai, ajoelhados, recebíamos a palma da vitória e agradecíamos a Deus a grande graça que nos concedeu de sermos pais de um sacerdote!” (Dona Mariquinhas).

 

A primeira missa

 

A Primeira Missa, ou “Missa Nova”, inicialmente programada para ser celebrada no Onça, atual Emboabas, distrito de são João del-Rei, foi cancelada, conforme relatou o seu pai José Ferreira Mendes em bilhete enviado à sua comadre Amélia, no dia 7 de abril de 1937: “Fui com Mariquinhas e Vivi assistir à ordenação do padre Nélson em Mariana e chegamos à Serra no dia 5 à noite. Houve missa do Nélson no dia 6, tendo papai recebido das mãos do neto a santa comunhão. Para mim foi motivo de grande consolação este ato. Papai tem estado muito mal e por isso deixamos de fazer a primeira missa solene no Onça, como havíamos pretendido (...) Nélson ficará aqui até que o arcebispo determine”. O Sr. Antônio faleceu na Fazenda da Serra, poucos dias após a celebração da missa nesta fazenda.

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