Capítulo final: um homem que se esqueceu de si para se doar a uma cidade inteira


Especial centenário de nascimento do monsenhor Nélson

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Monsenhor Nélson no canteiro de obras da rodovia dew acesso à MG 383

Ao longo desta série conhecemos um pouco da vida do monsenhor Nélson Rodrigues Ferreira, pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Penha, de Resende Costa, de 1944 a 1988. O JL foi a Piedade do Rio Grande a fim de conhecer as raízes familiares do menino Nélson, que desde a infância já demonstrava sinais claros da vocação ao sacerdócio. Fomos também à histórica cidade de Mariana visitar o seminário onde se deu sua formação sacerdotal. Porém foi em Resende Costa que o conhecemos plenamente. Padre Nélson dedicou-se de corpo e alma à sua cidade até não ter mais forças.

As diversas entrevistas realizadas com pessoas que conviveram com ele e as incansáveis pesquisas nos Livros de Tombo da paróquia nos possibilitaram conhecer um pouco mais deste cidadão nascido na zona rural de São João del-Rei, criado em Piedade do Rio Grande,  formado em Mariana, mas que escolheu Resende Costa como sua terra amada.  Enquanto pároco, padre Nélson formou na fé várias gerações de resende-costenses, por isso ainda se sente em Resende Costa sua forte influência nos costumes e nas tradições religiosas. Mas ele foi também um empreendedor, um homem público que apenas chegara à cidade se dispôs a lutar pelo seu desenvolvimento.

“Padre Nélson foi um grande estadista de Resende Costa. Um grande homem que, além do lado religioso intocável, teve o lado de administrador e de homem público maravilhoso. Vigilante com o destino da cidade, ele não se preocupou apenas com as coisas de Deus, mas partiu para as coisas do homem, da cidade que o acolheu e o venerava”, disse o promotor Antônio Pedro da Silva Melo, o Toninho Melo, afilhado de batismo, amigo e parceiro do padre Nélson na luta política em Resende Costa nas décadas de 1970 e 1980. “Ele foi um parceiro nosso, espetacular. Uma pessoa extraordinária”.

 

O empreendedor

A Igreja Católica no Brasil não vê com bons olhos o engajamento direto de seus ministros consagrados na política. Isto não quer dizer que os padres devam se omitir da causa política. Pelo contrário. A Igreja pede que os padres orientem e incentivem os fieis leigos a assumirem papel de protagonistas na conscientização política, através dos grupos de “Fé e Política”. Esses grupos geralmente são liderados por sacerdotes. Atualmente, há padres que exercem mandatos públicos, mas é exceção.

Enquanto pároco e sacerdote que cumpriu à risca as ordens e os ensinamentos da Igreja, padre Nélson não se engajou em nenhum partido político em Resende Costa. Porém, a sua influência e a amizade com pessoas de destaque no cenário político e empresarial da cidade e até mesmo do país, como a família Penido, foram decisivas para o desenvolvimento da cidade. “Ele tinha uma afinidade muito grande com o prefeito Ocacyr Alves de Andrade. Na verdade, foi ele quem o fez politicamente. O Ocacyr não tinha muita cultura, mas tinha uma dinâmica administrativa muito grande. A gente sabe que o padre tem uma influência muito grande na cidade, naquela época mais ainda”, disse Paulo Cezar Fortuna Dias, que além de amigo, foi o médico que cuidou do padre Nélson no fim da sua vida.

Na década de 1960 padre Nélson se engaja no grupo de cidadãos resende-costenses que fundaram o Ginásio Nossa Senhora da Penha, representando enorme avanço na educação na cidade. Através do seu trabalho, dinamismo e influência, obras importantes para a qualidade de vida das pessoas e para o desenvolvimento de Resende Costa puderam ser realizadas. “Ele participou intensamente das tratativas para conseguirmos a estrada asfaltada e a Copasa. O padre Nélson ia com a gente nas viagens a Belo Horizonte, São Paulo, Aparecida. Ele foi importantíssimo”, recorda-se Toninho Melo, vereador e presidente da Câmara durante o mandato do prefeito Ocacyr Alves no final da década de 1970.

Apesar de nunca ter participado diretamente de eleições, padre Nélson jamais se omitiu de falar o que pensava e defender os políticos com quem se identificava. Algumas pessoas se lembram de como ele aproveitava as homilias para “pedir voto” para seus correligionários: “Ele costumava dizer: ‘vejam bem quem está trabalhando para o desenvolvimento de Resende Costa...’”.

Uma das coisas que o padre Nélson mais gostava de fazer era visitar obras. Algumas fotos registram a presença dele no canteiro de obras da Ferrovia do Aço, na construção da rodovia asfaltada, na construção do hospital etc. Além de visitar, padre Nélson às vezes dava algum palpite na construção de residências em Resende Costa. “Tivemos uma boa relação como vizinhos. Eu saía do hospital, a gente se encontrava, conversava e foi ele quem me incentivou a construir onde vivo hoje. Na época, tinha uma casinha aqui e o morador não quis fazer opção de compra e eu comprei. Aí o padre Nélson disse que eu não conseguiria fazer nada no terreno, porque era muito pequeno. Ele tinha comprado um terreno do lado para impedir que fosse construída uma igreja evangélica e me ofereceu. Eu comprei e construí essa casa. Quando construí ele veio me visitar e disse: ‘é, doutor, você construiu uma casa excelente pra verão, mas vai passar um frio aqui no inverno’ (risos). Ele tinha senso de humor com quem tinha mais liberdade”, disse doutor Paulo.

Umas das grandes conquistas de Resende Costa, em toda a sua história, é o Hospital Nossa Senhora do Rosário, administrado pelas Irmãs Filhas de São Camilo (Camilianas). Durante praticamente todo seu tempo como pároco padre Nélson lutou incansavelmente para que o Hospital passasse a ser administrado em definitivo pelas Filhas de São Camilo. Ao padre Nélson Resende Costa deve mais essa conquista. “Se hoje temos em Resende Costa o hospital, devemos à visão do padre Nélson. Ele conhecia o hospital da cidade de Cruzília (MG), que pertence às Irmãs, e sonhou que Resende Costa tivesse um hospital naqueles moldes. Ele teve a visão que, do jeito que estava, a Santa Casa não tinha futuro e vislumbrou essa possibilidade. Ele fez um trabalho difícil, porque o pessoal tinha resistência em entregar um patrimônio numa área nobre da cidade. E conseguiu, chegando a essa obra que temos hoje e que alguns resende-costenses não dão o devido valor, mas o pessoal da vizinhança morre de inveja. O hospital que temos aqui é bem cuidado pelas freiras e, nas condições da nossa cidade, possui um atendimento bastante razoável. Tudo isso graças à visão dele”, afirma o doutor Paulo, que chegou a Resende Costa em 1977, ainda na época da Santa Casa.

“Quando eu cheguei, em 17 de outubro de 1977, o padre Nélson foi uma das primeiras pessoas a me receber aqui. Ele me levou até a Santa Casa para eu conhecer e me fez um convite, mas na época havia duas médicas residentes aqui. Ele foi a primeira pessoa que me apoiou. Levou-me ao Ocacyr Alves para ele me arrumar um emprego na Prefeitura. Telefonou para o prefeito de Coronel Xavier Chaves e me arrumou um emprego lá (...) Ele criou todas as condições para que eu viesse para Resende Costa e se tornou uma pessoa muito amiga, um grande conselheiro”, relata doutor Paulo, que se lembra do primeiro conselho que o padre Nélson lhe deu: “Até hoje me lembro de um conselho que ele me deu e que eu não o cumpri, pois, se tivesse cumprido, acho que minha vida seria mais tranquila. Ele me chamou e disse: ‘olha, as pessoas estão gostando muito de você em Resende Costa, mas nunca entre na política’. Eu entrei depois que ele havia falecido (risos)”.

 

A doença

Quem conheceu e conviveu com o padre Nélson pôde testemunhar o seu recato e o seu pudor. Jamais tirou a batina. Até para se submeter a um exame de rotina, como medir a pressão arterial, o máximo que o médico conseguia era que ele levantasse a manga da batina e dobrasse a manga da camisa até a altura do cotovelo. De acordo com o doutor Paulo este pudor exagerado tornou-se seu principal inimigo. “Devido à nossa grande amizade um dia fui chamado para atendê-lo. Já o havia atendido em situações comuns e ele estava bem, até então. Foi pouco tempo antes do óbito dele que pude examiná-lo na intimidade. Quem via aquele padre constantemente de batina não imaginava o que estava por baixo daquela batina. Um homem todo inchado, com as pernas enormes, andando com dificuldade, mas nem por isso deixando de exercer suas funções”, revela o doutor Paulo.

O agravamento dos sintomas da doença que em poucos dias o vitimaria, fez com que, pela primeira vez, padre Nélson permitisse ser examinado com mais rigor, como conta doutor Paulo: “Um dia, numa situação de mais desespero, eu acho, ele me chamou até a sua casa, conversamos e eu pude examiná-lo melhor. Queria encaminhá-lo, mas ele pediu para eu passasse somente um remédio, pois ‘estava apertado de serviço’. E assim foi, eu indo lá vê-lo e ele cada vez mais inchado, com o coração mais fraco, o rim funcionando mal, até que um dia eu convoquei as irmãs Ester e Ernestina, a Toninha (Lara), que o tinha como um pai, o Ocacyr Alves, seu amigo e correligionário político, e expus a situação do padre Nélson. Conseguimos levá-lo para São João del-Rei, mas ele já estava num estado lastimável. Quando pude examiná-lo com minúcia me surpreendi, não imaginava que era aquela a situação. Ele não mostrava nem a canela, pouco mostrava o braço. Quando ele me chamou dizendo que estava com um probleminha, se mostrou, aí pude ver que era grave. Ele tinha um leve diabetes, mas no final foi desenvolvendo uma insuficiência cardíaca e renal, seu corpo acumulou líquidos e substâncias que o rim não conseguia mais eliminar. Foi muito rápido, acho que ele ficou três ou quatro dias apenas internado”.

 

Aos 74 anos de idade padre Nélson faleceu no Hospital das Mercês em São João del-Rei na noite do dia 18 de março de 1988, deixando Resende Costa órfã. Até hoje as pessoas se lembram do padre Ermínio Ignácio anunciando, emocionado, no alto-falante da matriz o falecimento do pároco. Os sinos dobraram fúnebre, as pessoas se dirigiram à igreja para esperar o corpo do monsenhor chegar de São João del-Rei e assim se despedirem do amado pároco.  “O anúncio da morte dele nos pegou de surpresa. Quando ele aceitou o tratamento já era tarde. Se ele não fosse uma pessoa tão dedicada e compromissada com o trabalho, se preocupasse mais com a saúde, teria vivido muito mais. Ele se esqueceu de cuidar dele”, conclui o doutor Paulo.

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