A missão de um homem da Igreja


Especial centenário de nascimento do monsenhor Nélson

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fotoMonsenhor Nelson foi um defensor e propagador da doutrina de fé e moral da Igreja

Para compreender as atitudes e o trabalho do monsenhor Nélson enquanto pároco de Resende Costa, antes de qualquer coisa é necessário contextualizar e compreender as ideias reinantes na Igreja e na sociedade da época. Enquanto sacerdote e pároco, ele jamais transigiu os ensinamentos e as normas promulgadas pelos seus superiores hierárquicos. Mesmo discordando de algum ponto, valeram sempre a obediência e a ortodoxia: “Roma locuta, causa finita”, ou seja, não se contesta o que Roma determina.

Monsenhor Nélson era conservador por natureza. A educação obtida de seus pais na infância, especialmente de sua mãe, e a observância incondicional da moral católica da época foram reforçadas pela formação conservadora recebida no Seminário da Arquidiocese de Mariana. Aliás, Mariana pouco aderiu ao movimento renovador da Ação Católica, fomentado pelo papa Pio XI, na década de 1920. A Ação Católica tinha e ainda tem por objetivo a formação de líderes católicos leigos que evangelizem em seu ambiente de trabalho, de estudo e de família. É a dupla missão, esperada por Pio XI, das Universidades Pontifícias (PUCs), ou seja, excelência na formação profissional, substanciosa e atualizada educação teológica voltada para a ação.

Uma Igreja monárquica, ciosa e defensora implacável de sua hegemonia religiosa, moral e social, com um poder solidificado, há séculos, sobre a sociedade, sobretudo a ocidental, encontra em Nélson - pessoa centralizadora, metódica, minuciosa, intransigente, mas, ao mesmo tempo, dotada de muito talento didático e administrativo, além de enorme capacidade de trabalho - seu representante ideal. É evidente que tudo isso ganha ainda mais força quando Nélson é investido da sacralidade sacerdotal. Para ele pouco interessava a carreira ou o proveito material. Importava, sim, a Igreja e sua doutrina de fé e moral.

É, portanto, no cumprimento à risca desta representatividade que suas virtudes e defeitos se revelam.Sua missão consistiu em realizar o que as autoridades eclesiásticas exigiam de seus vigários nas paróquias: a observância dos Mandamentos da Lei de Deus e da Igreja, a prática dos Sete Sacramentos, com ênfase em Confissão e Comunhão, que todo bom católico sabia de cor, o zelo e aumento do patrimônio paroquial. A par disso, a Caridade, virtude maior, que levava a Igreja a criar e manter obras assistenciais, algumas de fundamental importância até hoje, como as santas casas, os asilos, os orfanatos eas irmandades de caridade.

Como forma de “balancete religioso anual”, monsenhor Nélson registrou no final de cada Livro de Tombo da paróquia todo o movimento de comunhões, confissões, casamentos etc. Um bom exemplo é a descrição que ele faz da tão divulgada prática das nove primeiras sextas-feiras, isto é, quem comungasse em nove primeiras sextas-feiras seguidas de cada mês do ano corrente, sem interrupção, teria uma espécie de garantia de não ir para o inferno.

Monsenhor Nélson era intransigente quanto ao cronograma de atendimento de confissões, estabelecido por ele: “No confessionário não aceitamos nenhuma explicação de pessoas da sede quando teimam em confessar-se. Apesar dos avisos, doze por ano, dados ao povo desde 1944, sobre esse horário de confissões, ainda encontramos pessoas que dizem ignorar este horário”, relatou no Livro de Tombo. No dia reservado para confissões dos moradores da zona rural, quando ele via alguém da cidade esperando na fila, não titubeava: saía do confessionário e o excluía.  Sobre a distribuição de comunhões e o horário das celebrações, assim determinou: “Comunhões às 4:30 da madrugada, 6h em ponto missa, sem comunhões no princípio, só meio.” Como, na época, entre comunhão e  missa, a comunhão tinha precedência, durante a semana, distribuía-se a comunhão também antes da missa para aquelas pessoas que tinham de ir cedo para o trabalho.

O pároco estabeleceu um cronograma das primeiras sextas-feiras especialmente para as capelas da zona rural: “Para manter elevado na paróquia o termômetro eucarístico, atendemos na primeira sexta-feira uma capela das mais distantes onde em média mais de 300 pessoas se confessam e fazem sua novena de primeira sexta-feira. Como se vê, a primeira sexta-feira, tal como essa em Resende Costa, exige que o sacerdote seja esperto e tenha saúde. Damos conta sozinho de todo esse movimento”.

Quem conviveu com Monsenhor Nélson confirma o seu zelo sacerdotal para com a Igreja e o seu rebanho. “O que ele ensinou, ele viveu na prática” e seu zelo “em fazer com que os fiéis vivessem bem sua fé, não só crendo, mas temendo a Deus e vivendo conforme a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Fossem cristãos não só de nome, mas de fato. Era rígido no cumprimento de seus deveres de pastor zeloso, e, proporcionando aos fiéis todos os meios necessários para sua santificação e salvação eterna”, testemunhou o resende-costense monsenhor José Hugo de Resende Maia, que foi vigário paroquial do monsenhor Nélson durante cinco anos.

 

Guardião da fé católica

Monsenhor Nélson foi rígido defensor do doutrinário católico em Resende Costa, durante seu longo paroquiato de 44 anos. Suas práticas (homilias) nas missas e nos demais ritos, frequentemente eram aulas de catecismo para adultos. Agenor Gomes, que foi seu aluno no ginásio Nossa Senhora da Penha, testemunha que ele gastava parte do tempo das aulas de Geografia para explicar tópicos da teologia. E que estes conteúdos, surpreendentemente, chegaram a ser pedidos em provas para nota.

 A rigidez e o radicalismo não raro o conduziram a comportamentos hoje inadmissíveis. Na época, tais condutas já eram também criticáveis. O princípio republicano da liberdade religiosa esteve ausente do seu ministério e o ecumenismo, ou seja, o diálogo inter-religioso, só apareceu em seu universo pessoal, após as renovadoras proposições do Concílio Vaticano II (1962-1965).

Marcou história em Resende Costa a “cruzada” que monsenhor Nélson comandou para expulsar os evangélicos que tentaram se estabelecer na cidade. Verdadeira defesa de território. Este ato, que será objeto de um artigo específico na próxima edição do JL, causou estupor até na mídia da época.

 

Guardião da moral e dos costumes

A moral adotada pelas religiões cristãs de controlar e/ou reprimir os prazeres corporais, ou seja, os “prazeres da carne”, em benefício da alma alicerça-se na moral sexual agostiniana, para a qual o sexo não se justifica enquanto somente realização humana. O sexo, para Agostinho, é um mal necessário para garantir a reprodução humana. Sendo assim, ele é parte inerente à vida, mas, em si, é um mal. O princípio agostiniano exige que a mulher seja vigiada, às vezes até reprimida, para não tentar o homem. Para que não seja uma Eva levando Adão ao pecado

Enquanto guardião desta moral, o comportamento do monsenhor nos recintos sagrados - igreja e adros, capelas e terreiro próximo – como também nas cerimônias, sempre fora extremado, gerava medo e até revolta em algumas pessoas. Um casal de namorados meio “aquecido” no adro era “convidado” pelo enérgico padre a se retirar do local. Se não o fizesse, era retirado no muque! Na cidade ainda há testemunhos de pessoas que se lembram de algumas ocasiões em que monsenhor Nélson jogou água pela janela, ou por baixo da porta da sacristia da matriz, em namorados sentados nos degraus ou encostados nas paredes. Mulheres com braços desnudos, roupas decotadas, saias que ele julgava curtas, eram censuradas, até publicamente, excluídas da mesa da comunhão e afastadas da participação de cerimônias, por exemplo, madrinhas de batismo ou de casamento.

Quando monsenhor Nélson apoiou a projeção de filmes no Salão Paroquial, era comum vê-lo ao lado do projetor e com um papelão escurecia a tela nas cenas que considerava “indecentes”. Este comportamento se estendia para os eventos profanos e por ele considerados fontes caudalosas de pecado, como: carnaval, bailes e peças teatrais. Como nestes casos ele não tinha poder de mando, agia através da coerção moral junto às autoridades: prefeito, juiz, promotor e líderes católicos influentes, além das exortações nos cultos. “[O] vice, José da Conceição Valle promoveu baile de gala no teatro municipal, apesar de nossos esforços contra, com Jazz de Belo Horizonte etc., e grandes gastos. Procedeu com muita dignidade o prefeito que não compareceu e nem permitiu que saísse um centavo dos cofres da prefeitura para esse esbanjamento”, escreveu o monsenhor no Livro de Tombo, quando da posse do prefeito Miled Hannas em 1959.

Mais impressionante ainda foi a proibição do baile de gala de formatura da primeira turma do Ginásio Nossa Senhora da Penha. Agenor Gomes, um dos três rapazes formandos, explica o episódio: “Só que para as alunas acabou a festa de formatura aí mesmo, no Salão Paroquial. Um baile de gala praticamente organizado pelas alunas foi abruptamente proibido, esse é o termo, pelo Cônego Nélson Rodrigues Ferreira”. O conhecido e saudoso Antônio Resende “quebrou o galho dos moços”, promovendo um baile para eles em sua casa, mas as moças, que tinham preparado seus trajes de gala, foram para suas casas, decepcionadas.

Monsenhor Nélson não foi, porém, um conservador fechado, encarcerado pelos conceitos recebidos. Pessoalmente, não inovava. Ele trabalhou sempre pela qualificação do status quo. Porém, tal postura não o impedia de atualizar-se. Durante sua vida, esteve sempre atento às novas publicações de livros, frequentou cursos sobre inovações ou renovações, desde que estes não confrontassem dogmas, nem princípios morais pétreos para o catolicismo da época. Ele jamais foi refratário às revolucionárias mudanças litúrgicas e pastorais votadas pelo Concílio Vaticano II. Quando o Episcopado Brasileiro as recomendou, monsenhor Nélson tratou logo de adotá-las, educando os fiéis a recebê-las.

 

Após o Concílio, uma progressiva “desradicalização” foi percebida em seus atos. O rígido monsenhor torna-se um pouco mais tolerante, porém mantendo sempre os princípios inabaláveis da moral e da doutrina católica.

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