Acacio e o empreendedorismo brasileiro no Caminho Francês de Santiago


Imigrantes & Empreendedores

José Venâncio de Resende0

Acacio, ao lado da coleção de livros de Paulo Coelho.

Em Viloria de Rioja - no Caminho Francês de Santiago ao norte da Espanha - existe um albergue de peregrinos. O Refúgio Acacio & Orietta – que tem como padrinho o escritor Paulo Coelho - é um ambiente singelo, porém aconchegante e propício ao diálogo e à confraternização. Ah, sim, a comida é deliciosa.

O povoado de 28 pessoas – a 16 km de Santo Domingo da Calçada e 60 km de Burgos – foi o local escolhido por Acacio e Orietta para fixarem residência, depois de alguns anos trabalhando como voluntários em albergues do Caminho. “Em 2006, alugamos uma casa que hipotecamos por 18 mil euros junto ao banco para reforma”, conta Acacio.

“Chegamos a este povoado com o equivalente a 40 euros e um carro velho.” Ou seja, Acacio e Orietta não tinham qualquer dinheiro para investir. Mas tinham a seu favor os ventos do boom imobiliário, que dominava a Espanha antes da grande crise de 2007-2008 e facilitava negócio com instituição financeira.

Ex-aluno salesiano

Acacio Augusto Castro da Paz, carioca de 1958, estudou no Colégio Salesiano Dom Bosco, de Jacarezinho, desde o Jardim até o 3º Científico, incluindo neste período um ano da antiga Admissão. Aos 21 anos, ingressou na Universidade Gama Filho onde se formou em economia.

Mas desde os 18 anos Acacio já trabalhava com o pai na Reproman, empresa familiar distribuidora de material médico e hospitalar. Assim, com a formação econômica, veio o aperfeiçoamento principalmente em comércio exterior e licitação pública.

Em 1983, já formado, Acacio casou-se e montou uma trading company nos Estados Unidos, para dar suporte à empresa do pai. Aos 30 anos de idade, separou-se no casamento e desligou-se da empresa do pai. “Nesse período, entrei 32 vezes nos Estados Unidos.”

Aos 31 anos, Acacio resolveu seguir seu “caminho solo”. Fixou residência em São Paulo onde se tornou consultor de empresas na área médica e importador de produtos médicos e hospitalares para abastecer o segmento distribuidor.

Aos 35 anos, transferiu-se para Florianópolis, Santa Catarina, como consultor do governo estadual em licitação pública na área de saúde. “Era a época em que se introduzia o conceito de terceirização.”

Caminho de Santiago

Em julho de 1998, durante a copa do mundo, Acacio percorreu pela primeira vez os 819 quilômetros do Caminho Francês de Santiago, entre Saint Jean Pied d´Port (França) e Santiago de Compostela (Galiza). Retornou ao Brasil onde permaneceu por curta temporada: sete meses entre Florianópolis e Rio de Janeiro.

No ano seguinte, Acacio voltou à Europa onde peregrinou por cinco vezes no Caminho de Santiago. “Eu caminhava e trabalhava como voluntário hospitalar em albergues.” Na quarta vez, fez o caminho inverso, partindo de Finisterra (Galiza)* com destino a Genebra (Suíça). Assim, o quinto e último trajeto do Caminho em 1999 foi realizado entre Genebra e Santiago de Compostela. Foi numa destas caminhadas que Acacio conheceu a peregrina italiana Orietta Prendin.

“Cheguei em fevereiro de 2000 a Santiago onde fiquei três meses”, conta Acacio. A partir de então, ele começou a procurar albergues para oferecer trabalho voluntário, em troca de comida e pernoite. “Pode-se dizer que eu fui uma espécie de pioneiro neste tipo de gestão de albergue (tabelas contábeis, estatísticas de nacionalidades, gráficos, contatos com associações estrangeiras etc.).”

Paulo Coelho

Em abril de 2001, o escritor Paulo Coelho procurou Acacio para realizar um trabalho em Santiago de Compostela. “Eu conhecia o Paulo do Brasil, nós tínhamos uma amiga em comum. Foi ela quem me apresentou à Christina, esposa do Paulo.”

Acacio chegou a Santiago de Compostela em setembro, onde encontrou Paulo Coelho e a equipe de televisão japonesa W3. “Paulo me apresentou ao pessoal da equipe que iria produzir um documentário sobre o Caminho de Santiago, no qual ele seria entrevistado por uma famosa atriz ao longo do Caminho.”

Acacio recebeu a missão de acompanhar Paulo Coelho durante os 18 dias de filmagens. “A proposta era começar de trás para frente, ou seja, de Finisterra (a 90 km de Santiago de Compostela) até Saint Jean Pied d´Port onde começa o Caminho Francês.”

Paulo Coelho queria a assessoria de Acacio para conciliar a proposta japonesa com os seus desejos e viabilizar a logística (acesso a locais e a pessoas do Caminho). “Seguiríamos o roteiro dos japoneses mas promoveríamos as alterações que o Paulo desejasse.”

Concluído o documentário, Paulo Coelho quis saber de Acacio quanto deveria pagar pelo serviço, já que até aquele momento não haviam falado de dinheiro. “Eu respondi que não cobraria nada, mas que, se um dia precisasse de ajuda, eu iria procurá-lo.”

Paulo Coelho havia feito um juramento de montar um albergue nos Pirineus, início do Caminho Francês de Santiago, recorda Acacio. “Mas a vida dele tomou outro rumo e não foi possível seguir adiante com o juramento. Em 2003, quando ele desfez o juramento, eu estava presente, eu fui testemunha.”

Voluntário

Durante sete anos, Acacio circulou por povoados do Caminho Francês, como Torres del Rio, Logroño, Navarrete, Ventosa, Vila Franca del Bierzo, Fonfria, Manjarin, Ponferrada e Burgos, onde realizava trabalho voluntário. Ainda que esporadicamente, Orietta também fazia trabalhos voluntários nestes albergues.

Em 2004, em Ventosa, Acacio e Orietta tomaram uma importante decisão: viver e trabalhar juntos. E no inverno de 2005, em Fonfria, os dois resolveram deixar aquela vida “nômade” e procurar um cantinho para morar.

O local inicialmente escolhido foi a cidade de Vega de Valcarce, próximo da divisa com a Galiza. A proposta de construir um albergue brasileiro no Caminho Francês de Santiago foi apresentada por Acacio, em 2005, numa reunião em Goiânia. “Um empresário de nome Itabyra interessou-se pelo projeto que ganhou o nome de Albergue Nossa Senhora Aparecida do Brasil.”

Mas foi mesmo o povoado de Viloria de Rioja o “cantinho” escolhido por Acacio e Orietta. “Então, resolvemos morar no povoado onde não havia nada na época. Escolhemos o local porque o imóvel era mais barato e era um povoado sem nenhum serviço ao peregrino.”

O problema é que Acacio não dispunha de quaisquer recursos para investir no imóvel hipotecado junto ao banco.

Sentido das doações

Com o “desjuramento” de Paulo Coelho e a conversa que tiveram depois da gravação do documentário em mente, Acacio procurou o escritor e lhe apresentou o “enxoval” que precisava para montar o albergue. “Nós já estávamos fazendo a reforma do imóvel que, aliás, continua até hoje.”

A lista das necessidades foi apresentada a Paulo Coelho num hotel onde o escritor estava hospedado na cidade de Vitória, no país Basco. “Eu fiquei esperando pela resposta na recepção do hotel. Algumas horas depois, ele desceu à recepção e disse: ´Eu dou tudo que está na lista´.”

Depois de cada inverno, a situação do teto do Refúgio agravava-se de tal maneira que aumentou o risco de ruir e comprometer a estrutura da casa, principalmente num ano de inverno mais rigoroso, temia Acacio. “Além disso, era um telhado antigo que não tinha isolamento, tornando a situação mais grave.”

Diante disso, Acacio voltou a procurar Paulo Coelho. “Expliquei a situação do telhado. Ele pediu vários orçamentos e aprovou o mais adequado.”

Acacio dava-se conta do sentido que as doações apresentavam. “Na primeira oportunidade em que voltei a me encontrar com o Paulo, eu apresentei a ele a compreensão de cada coisa doada. A porta é por onde o peregrino entra. As janelas são por onde entra a luz e ele vê o seu caminho. A cama é onde ele descansa seu corpo. A ducha é para ele se limpar. A cozinha é onde a Orietta prepara o alimento para compartilhar à mesa que ele também deu. E o teto é o abrigo do peregrino.”

O padrinho

Como já havia comunicado na época da aquisição do imóvel, em 2006 Acacio enviou a Paulo Coelho o texto que oficializava o escritor e a esposa Christina como padrinhos do albergue. “Eu acredito que este apoio do Paulo ao projeto do Refúgio é uma forma que ele encontrou de agradecimento por tudo o que recebeu do Caminho de Santiago. Aliás, sempre que fala do seu sucesso, ele manifesta o seu reconhecimento pelo que o Caminho lhe deu.”

No interior do Refúgio, salta às vistas a presença do escritor Paulo Coelho, quer nos espaços dedicados a cartazes e à obra completa dele, quer na presença de fotos das capas dos livros fixadas em cada cama. Porém, a única vez que Paulo Coelho visitou o Refúgio, em 2014, quando passava de carro rumo a Santiago de Compostela, Acacio não se encontrava no local naquele dia. “Eu estava em Madri e ele foi recebido pela Orietta.”

Todos os esforços tem sido feitos no sentido de criar um ambiente sustentável, resume Acacio. “É para aquele que está fazendo o Caminho e queira tranquilidade, deseje falar sobre a sua experiência e se reestruturar para seguir adiante. Nós aqui não vendemos cama para o peregrino dormir, mas oferecemos um local para se compartilhar experiências de vida e vivências do Caminho.”

Nesta breve parada, Acacio e Orietta procuram ajudar o peregrino a se reciclar para aproveitar melhor a experiência do Caminho. “Vemos que muitas pessoas iniciam o Caminho com muitas informações, mas sem estrutura suficiente para o melhor aproveitamento da essência do Caminho.”

Além da cama, o Refúgio oferece um jantar comunitário, comunicação em seis idiomas e informações sobre o Caminho. “Tudo isso em troca de donativo”, conta Acacio.

Novos tempos

O Caminho Francês de Santiago cresceu muito nos últimos anos, não necessariamente em qualidade, e as opções se diversificaram (surgimento de hotéis e pensões privados, horários flexíveis de entrada e saída, ar condicionado etc.), constata Acacio. “Então, temos de buscar o equilíbrio, ou seja, estabelecer normas de senso comum e buscar colaboradores que possam indicar novas pessoas. Em geral, esses colaboradores são pessoas que já fizeram o Caminho.”

Quando Acacio chegou a Ventosa no ano 2000, ninguém se conhecia e poucos donos de albergues privados haviam feito o Caminho. “Então, eu reuni os donos de albergues que conheci e formamos uma rede.”

Nesse meio tempo, conta Acacio, foram chegando novos brasileiros “para fazer a sua história, que a princípio era serem peregrinos e depois se tornarem empreendedores na implantação de albergues, bares, restaurantes, hoteis e empresas de serviços ao peregrino”.

Acacio usou a sua experiência anterior de rede e criou a “Rede Brasuca” (Facebook: Brasucas no Caminho de Santiago). “Já somos nove empreendedores, donos de estabelecimentos, e estamos fazendo uma história compartilhada.” Estes empreendedores geram trabalho inclusive para outros brasileiros.

Bicicletas

O aumento da presença de peregrinos que preferem fazer o Caminho de bicicleta levou Acacio a criar, em 2007, o movimento Bikeline. O movimento, que faz parte da Associação Passo a Passo, a mesma responsável pela gestão do Refúgio, reúne e facilita o fluxo de informações sobre serviços para ciclistas ao longo do Caminho (aluguel de bicicletas, oficinas, SOS, reserva, organização de grupos, carros de apoio etc.).

Com base em dados de 2016, Acacio estima em 37 mil o número de ciclistas que percorrem anualmente o Caminho. “Este número vem aumentando a cada ano.”

*Finisterra foi considerado na Antiguidade como o fim do mundo, tendo sido o destino das primeiras peregrinações. O general romano Décimo Júnio Bruto, que comandou a conquista da Galiza, chegaria a acreditar que era, efetivamente, o lugar onde morria o sol.

 

 

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