Pandemia em Portugal: o caso do restaurante brasileiro que sobreviveu sem ajuda do governo


Imigrantes & Empreendedores

José Venâncio de Resende0

Naná (esquerda) e a funcionária Juliana.

Com o aumento de casos de covid-19 em empresas e bairros da grande Lisboa, o governo decidiu promover mudanças na terceira fase de desconfinamento, que tem início nesta segunda-feira (1º de junho). A reabertura de centros comerciais e das lojas do cidadão na região metropolitana da capital portuguesa foi adiada em princípio para o dia 5 de junho.

Já as crianças poderão voltar a frequentar o pré-escolar e, na cultura, voltam a funcionar cinemas, teatros, auditórios e salas de espetáculos, mas com lotação reduzida e distanciamento físico (lugares marcados). Além da desinfeção constante dos espaços, será exigido o uso de máscara.

Situação curiosa é a do recinto de eventos da Praça dos Touros, no bairro de Campo Pequeno na cidade de Lisboa. Enquanto a parte superior onde funciona o espaço de eventos retoma suas atividades, a galeria comercial na parte inferior continua fechada para a maioria dos estabelecimentos.

O café Cantinho dos Prazeres, próximo ao túnel que liga a galeria comercial à estação Campo Pequeno do Metrô, mantém o seu funcionamento limitado a entregas. Fechado em meados de março, o café sobreviveu graças ao takeaway justamente por sua posição estratégica.

No período em que este repórter ficou de quarentena em Lisboa (de 4 a 18 de maio), todos os dias Luciano Silva - ou a funcionária Fernanda - entregava o almoço no meu endereço e, eventualmente, alguma compra feita no supermercado mais próximo. Ele é um dos donos, juntamente com Nágila, do café e do Restaurante Cantinho, este último localizado na esquina da Praça dos Touros com a Avenida Defensores de Chaves.

Quando foram decretados, em março, o estado de emergência e o confinamento em Portugal, todos os espaços comerciais (exceto de bens essenciais) tiveram de fechar as portas, lembra Nágila da Silva Dias, mais conhecida por Naná. Os restaurantes podiam adaptar-se ao takeaway. “Nesta altura, a gente correu atrás de fazer inscrição nos sites de serviços de takeaway, mas como havia muita demanda só conseguimos com a Glovo (entrega de comida), no final de maio, para o restaurante”, conta Naná.

Na falta do serviço de entregas, os brasileiros Luciano e Naná decidiram abrir o café para as pessoas que quisessem levar refeições, salgados, bolos, bebidas etc., já que ainda funcionavam na galeria comercial supermercado, farmácia, tabacaria/papelaria e a RP (Rádio Popular). “Adaptamos a cozinha do café e optamos por fazer comida rápida como bifes, bitoques, empanados em geral, arroz, batata frita… refeições que não geram muito desperdício porque são confecionadas na hora”, conta Naná. A cozinha do restaurante, fechado, servia como apoio.

A cidade ficou totalmente deserta, as pessoas ficaram com medo quando a pandemia começou a espalhar em países como Itália e Espanha, recorda Naná. “Nós tentamos colocar uma placa na porta do restaurante, oferecendo serviço de takeaway, mas não havia gente na rua. E, para o final, do pouco que fazíamos, fazíamos menos ainda porque acredito que as pessoas começavam a ficar sem dinheiro.” Aqueles que trabalhavam em regime precário (sem contrato) perderam o emprego (tanto que milhares de imigrantes voltaram ao Brasil), e os que dependiam do layoff (acordo entre empregadores e Segurança Social para garantir salários) sofriam atraso no pagamento.

Funcionárias

Nos primeiros 15 dias do confinamento, Naná deu férias para as funcionárias Juliana, Izabela e Fernanda que, mesmo depois das férias, continuaram em casa até o final de abril. “Então, começaram a revesar no café, com horários reduzidos, porque elas pegavam transporte público, e também não havia muita coisa para fazer.”

Assim, Luciano e Naná conseguiram manter as três funcionárias no emprego - e para isso “tivemos a compreensão delas” – porque não conseguiram apoio do governo. “Tínhamos feito um acordo com a Segurança Social no final de 2019 (relativo à contribuição para o Estado), mas só foi dado o parecer favorável em 2020”, conta Naná.

Por causa dessa pendência, a Segurança Social não atendeu à demanda de Luciano e Naná para um acordo de entrada no regime de layoff. “O contador submeteu os papeis mas não teve nem resposta. Também não fomos ao banco porque pegar empréstimo bancário para pagar dívidas correntes não era interessante, só íamos arrumar mais dívida.” 

Dia 18 de maio, o Restaurante Cantinho voltou a funcionar e, agora, aguarda-se a vez do café Cantinho dos Prazeres. “A única certeza que eu tenho é que vai ser muito difícil, mas temos de ter força de vontade, trabalhar e fazer isso passar da melhor maneira possível”, conclui Naná.

Tempos difíceis

A pandemia chegou no momento em que Portugal estava bem, ultrapassando os efeitos da crise econômica e social de 2010-2014 e com o turismo de vento em popa. Mas justamente porque Portugal depende muito do turismo, a crise da pandemia vai ser mais severa desta vez, alerta o economista Durão Barroso, que era presidente da Comissão Europeia durante a crise financeira de 2008 e 2009 que se prolongou no tempo e atingiu Portugal.


Acredita-se que a Europa vai mergulhar na pior recessão da sua história, com uma queda do PIB estimada em até 20% e um nível de desemprego bastante elevado, depois de mais de dois meses de paralisação quase total. A União Europeia tenta, assim, encontrar uma resposta que satisfaça a expectativa dos seus 450 milhões de cidadãos.

Um plano de recuperação foi proposto pela Comissão Europeia num valor que pode chegar a 750 bilhões de euros. Desse total, caberia a Portugal pouco mais de 20 bilhões de euros, a maior parte a fundo perdido. O valor seria levantado com a emissão de dívida comum, mas exigirá reformas econômicas por parte dos estados-membros que priorizem políticas ambiental, digital e de resiliência das empresas.

Trata-se de uma proposta ousada, que terá negociação difícil entre os governos dos estados-membros da União Europeia, em reunião no dia 19 de junho. Há forte resistência por parte de países ricos (principalmente do norte) e considerados “frugais”, como Holanda, Dinamarca e Áustria. Estes países não apreciam a ideia de subvenções a fundo perdido, preferindo que os recursos sejam emprestados.

 

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