Antes de chegar a Lisboa em 2001, o carioca Tércio Borges, 52 anos, conciliava a música com a publicidade. “Eu era músico e tinha uma produtora de jingles e trilhas sonoras. Tocava com pessoas como Martinho da Vila, Dona Ivone Lara e velha guarda da Mangueira.”
Assim, desde 1982, ele levava a vida entre rodas de samba e choro no Rio de Janeiro e a produção de jingles para políticos e empresas de vários portes. “Até para funerária eu fiz jingles.”
Nas eleições de 2000, chegou a fazer campanha política para 23 candidatos a governador. “Isso me absorvia muito, principalmente em época de eleições. Não sobrava tempo para ser músico.”
Até que Tércio se cansou dessa vida. “Em 2001, me mandei para cá. Eu vim porque estava muito deprimido.”
Na verdade, o marido de sua irmã, ator em Lisboa, deu uma forcinha. “O meu cunhado comprou uma passagem pra mim e disse: `a passagem está comprada, você vem se quiser´.”
Foi o empurrão que faltava. “Eu vim como turista. Aí conheci a minha mulher numa roda de choro que eu promovia numa associação na Travessa do Fala-Só.” (Esta travessa encontra-se adiante da Calçada da Glória e do Largo da Oliveirinha, no Restauradores.)
Nesse meio tempo, Tércio conheceu sua atual mulher, a atriz Susana Palmerston que atualmente trabalha na novela “A única mulher”, da TVI.
Por cerca de um ano, o músico brasileiro ficou animando rodas de choro e samba em Lisboa. Em fevereiro de 2002, voltou ao Rio de Janeiro para se casar com Suzana. Na ocasião, gravou um disco de música cantada.
De volta a Portugal, Tércio estreou no teatro, ao escrever a peça “As três Marias”, em parceria com a sua mulher. O espetáculo ficou em cartaz durante um ano, inicialmente no Centro Cultural de Belém (CCB) e, em seguida, no Teatro da Trindade (na Baixa-Chiado).
Tércio também encontrou uma editora (gravadora, no Brasil) interessada em gravar o seu primeiro disco em Portugal. “Eu já tinha dois discos no Brasil e participação em vários, como “Butiquim do Martinho” e “Velha guarda da Mangueira e convidados”. Com o lançamento do novo disco, intensificou a agenda de shows, uma vez que já fazia apresentações de choro com o Grupo “Raspa de Tacho” que fundara em 2001.
Em 2009, lançou o disco do Raspa de Tacho e, no ano seguinte, criou o grupo “Tércio Borges e os democratas do samba” com sete membros. Centrou suas apresentações no Teatro do Bairro, no Bairro Alto, mas ganhou o mundo ao fazer dois carnavais na Suécia e um Cruzeiro na Escandinávia, neste último tocando com Jair Rodrigues.
Em 2011, foi convidado a participar da “Orquestra Libertina de Lisboa”, que tocava basicamente choro. A orquestra apresentava regularmente, todas as quartas-feiras, no Artimanha, no Marquês de Pombal.
Há quatro anos e meio, Tércio criou o Clube do Choro no Mini Teatro da Calçada que o músico e sua mulher possuíam na Calçada do Combro, Bairro Alto. “Foi um teatro onde recebi muitos músicos amigos meus. A gente deu muita sorte porque sua fundação coincidiu com o ano do Brasil em Portugal.”
O Mini Teatro também foi palco de apresentações, por cerca de dois meses, da peça teatral “Auricolérica e Teleufórica”, de autoria de Tércio e sua mulher. Eles chegaram a fazer dois espetáculos com a peça no teatro do Jóquei no Rio de Janeiro.
O Clube do Choro transferiu-se para a sede da Associação Arte Pura Capoeira, Percussão e Danças Brasileiras, no Bairro Alto, antes de se instalar, em 2015, no Chapitô – espaço pluridisciplinar, na Costa do Castelo, onde se desenvolvem atividades nas áreas de ação social, formação e cultura.
Tércio e sua esposa são sócios no barzinho Bartô, que funciona num espaço do Chapitô. O Clube do Choro apresenta-se toda segunda-feira no Bartô. O número de músicos é uma incógnita, admite Tércio. “É como se fosse uma pelada. Pode ter três como pode ter 20 músicos presentes.” O Bartô também é palco de apresentações de samba toda sexta-feira com a presença de Tércio e de outros músicos.
Ganhando o mundo
O chorinho está em expansão na Europa, atesta Tércio, que já ministrou cursos de choro, por exemplo, em Lisboa, Toulouse (França) e Londres (Grã-Bretanha). Alguns desses cursos aconteceram em encontros de clubes choro. Também já participou de rodas de choro, fora de Portugal, em países como Espanha, França, Inglaterra, Suécia e Dinamarca.
O chorinho “Um tolo em Toulouse” ( https://www.youtube.com/watch?v=tASy1AxzPfE ), de Tércio Borges, foi apresentado, em 2013, por alunos de diferentes nacionalidades, antes mesmo de ser tocado pelo seu compositor. “Eu consegui dar este workshop pra muita gente, sem precisar que a minha mulher servisse de intérprete para o francês. Foi aí que eu fiquei muito surpreso com a quantidade de europeus interessados no choro. A maioria dos alunos, inclusive, falava português.”
Algo semelhante acontece em Lisboa, acrescenta Tércio. “Aqui no Clube do Choro tem muitos portugueses e um finlandês que, além de tocar, constroi instrumentos.” O Clube do Choro recebe convidados do mundo inteiro. Um dia desses apareceu no Clube do Choro um australiano tocando cavaquinho. Em outra ocasião, apareceu uma professora de Berckley (EUA) com o violoncelo debaixo do braço “que sabia tudo de choro”, assinala Tércio. “De repente, estava ela conversando com o finlandês em português, aqui em Lisboa.”
O chorinho está na moda, conclui Tércio. “É uma alternativa ao jazz bastante interessante. O choro representa o ser brasileiro, mais do que qualquer outro ritmo. E quem se mete a tocar choro sabe das dificuldades que vai encontrar.”