Critérios e reflexão para fazer a escolha certa

“Não somos como as abelhas determinadas a fazer mel. Somos seres humanos em crescimento e transformação contínuos. Devemos nos dar uma nova chance sempre que necessário”


Especial Escolha sua profissão

André Eustáquio e Emanuelle Ribeiro0

fotoFoto arquivo pessoal.

Na segunda edição da série “Escolha sua Profissão”, o JL conversou com a psicóloga clínica e professora do departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Ivanize Valeria dos Santos Lima Moreno. Especialista em psicologia clínica, psicoterapia fenomenológico-existencial, mestre em educação com ênfase em orientação profissional, Ivanize desenvolve há trinta anos projetos de ensino, pesquisa e extensão nas áreas de atendimento em psicoterapia e orientação profissional, além de exercício clínico em psicoterapia e orientação profissional.

O que leva os jovens a terem dúvidas sobre qual profissão escolher? As dúvidas sobre qual profissão escolher derivam principalmente da falta de informação sobre o mundo ocupacional. Como existe uma diversidade muito grande de cursos tanto de nível técnico quanto de nível superior, o jovem teme fazer a escolha errada e deseja ter a garantia de que o curso ou profissão que escolher lhe garantirá estabilidade financeira. No entanto, boa parte dos jovens, no momento da decisão profissional, desconhece suas características pessoais, seus reais interesses e habilidades, conhece superficialmente as profissões, baseando-se, muitas vezes, em informações distorcidas sobre a realidade de cada profissão. Este jovem sofre pressões diversas e acaba não conseguindo decidir-se adequadamente.

Quais são as dúvidas mais recorrentes no momento da escolha profissional? As dúvidas mais frequentes referem-se ao acesso no mercado de trabalho. É claro que a questão básica é: “Qual curso tem mais a ver comigo?" Cada jovem traz sua história pessoal e a escolha profissional não está desvinculada dela, por isto as dúvidas variam de acordo com esta história... Gostam de fazer tal coisa, qual profissão está relacionada a esta habilidade? Vou passar no vestibular? Vou conseguir emprego? Serei capaz de exercer tal profissão?

Como a psicologia auxilia na orientação da escolha profissional? A psicologia sempre se ocupou com a questão da escolha profissional. Esta preocupação acentuou-se com a revolução industrial e sua repercussão nas décadas iniciais do século 20, porém, sobre forte influência do psicologismo, deu, inicialmente, forte  ênfase aos aspectos pré-determinantes como orientadores da decisão profissional (personalidade , aptidões). Por isto o termo vocação e a prática intitulada teste vocacional foram muito utilizados. No decorrer dos anos, e sobre a influência de autores importantes como o psicólogo argentino Rodolfo Bohoslavsky, a Psicologia desenvolveu uma prática de orientação profissional em que a ênfase recai sobre as entrevistas, ficando os testes, como instrumentos secundários. A prática da orientação profissional passa a dar ao jovem a oportunidade de vivenciar um espaço para refletir acerca de seus conflitos, suas angústias, seus valores, seu projeto de vida e desta forma atenuar suas dúvidas com relação a qual profissão seguir. Nos dias de hoje, e cada vez mais, se torna imprescindível dar assistência ao jovem, no momento de sua escolha profissional e, seguramente, um psicólogo com formação em orientação profissional o ajudará muito nesta tomada de decisão!

O jovem é realmente livre para escolher o que deseja? Quando falamos de orientação profissional, o melhor termo a se utilizar é decisão. Em meio às contingências, em meio às dificuldades e a uma série de fatores que influenciam na escolha por uma profissão podemos afirmar que a liberdade implica não em escolher aquilo que se quer, mas em decidir sobre quais critérios nortearão sua escolha profissional. Liberdade implica decisão consciente e não escolha irrestrita e alienada dos fatores que a influenciam.     

Quais as dicas para escolher uma entre tantas profissões? Uma boa dica é consultar sites informativos sobre cursos e profissões. As universidades fornecem informações que incluem definição dos cursos, currículos, ementas. A Editora Abril disponibiliza o guia do estudante pela internet e gratuitamente, o jovem tem acesso a uma série de informações muito úteis sobre todos os cursos de nível técnico e superior oferecidos nas instituições de ensino do Brasil. Se informar sobre as profissões é a grande dica. Conhecer para decidir.

Muitas pessoas pensam no lado financeiro e deixam de lado gostos e aptidões. O que deve ser levado em conta na hora de escolher a profissão? Rubens Alves em uma de suas crônicas intitulada "Muito cedo para decidir", afirma que escolher uma profissão considerando apenas o aspecto financeiro seria como casar-se com alguém só por dinheiro. Nos dias de hoje, seria ilusório pensarmos que podemos desprezar o critério do retorno financeiro, porém, deve-se refletir quanto ao fato deste ser o único ou principal critério. Isto poderá acarretar num desgaste psíquico com sérios prejuízos pessoais.

Existem sinais que podem ajudar a perceber se a escolha foi certa ou errada? A escolha pode ser dita correta na medida em que esta é percebida pelo que escolhe como adequada ao seu próprio projeto de vida. É importante que aquele que escolhe uma profissão consiga se projetar no futuro percebendo se o estilo de vida que ela propõe, rotina de horários, ambiente de trabalho, valores pessoais, por exemplo, estão próximos daquilo que ela deseja para si. A dificuldade de se ver exercendo determinada profissão no futuro, tendo em vista esse conjunto de fatores que a envolvem, pode ser um sinal de que algo não vai bem nessa escolha. Por esse motivo, o processo de orientação profissional tem como um de seus objetivos a aproximação do orientando às realidades ocupacionais de sua preferência, afim de que este possa apurar seus critérios de escolha. Outro aspecto importante a ser considerado é a própria relação com o curso escolhido. O desinteresse pelo conteúdo ministrado nas disciplinas e principalmente pelas atividades propostas nos estágios é um sinal expressivo de que a escolha feita precisa ser repensada.

Como os pais devem se comportar diante do momento da escolha profissional do filho? Ainda é comum a família exercer certa pressão? Existem pelo menos três tipos de famílias: As que têm uma grande expectativa com o futuro profissional dos filhos e desejam que ele escolha uma profissão de futuro rentável, as famílias que desejam apenas que os filhos façam um curso superior, independente de qual curso seja e as que não se importam se o filho irá fazer um curso superior ou não. Desta forma, as pressões da família vão variar de um apoio irrestrito, que respeita o curso que o filho desejará fazer ao extremo da não aceitação de determinadas escolhas e até mesmo da negação de ajuda financeira. Realizei pesquisas com familiares e com os próprios jovens em período de escolha profissional e constatei a importância de se incluir os pais no processo de orientação profissional, a fim de promover esclarecimentos acerca desta decisão e do quanto o apoio da família é necessário para atenuar a ansiedade derivada deste momento tão importante na vida daquele que quer se profissionalizar

Depois de escolhida, o estágio é um bom caminho para conhecer melhor a profissão? Como os jovens devem se comportar frente ao estágio? É importante ressaltar que a escolha profissional é um processo que se inicia quando começa a surgir no jovem a preocupação sobre que curso ou tipo de profissão desejará ou precisará fazer e continuará ainda por um tempo considerável, até que ele se afirme  no mercado de trabalho; e isto varia  de pessoa para pessoa. Na primeira etapa desta decisão, será importante que o jovem entre em contato com espaços de trabalho relativos à profissão que quer exercer, converse com profissionais das diversas áreas que o interessam, se informe e, sendo possível, procure um orientador profissional (psicólogo), para uma decisão mais madura e consciente. A segunda etapa é a realização do curso escolhido e, com certeza, quanto mais oportunidades de contato com a prática o aluno tiver, mais irá se certificar de que está no caminho certo ou não. O estágio é o que aproxima o jovem da realidade de trabalho e possibilita um melhor conhecimento sobre a profissão que deseja exercer. Será importantíssimo procurar estágios nas várias áreas que o curso oferece para que, desta forma, ele possa sentir-se menos inseguro quanto a profissão que escolheu. Outro aspecto que desejo destacar é sobre a necessidade de desconstruirmos a ideia de que uma profissão escolhida tem que ser para toda vida. Temos múltiplas capacidades, o mundo ocupacional é diverso e as realidades mudam, por isso mesmo, não devemos nos martirizar caso o curso realizado não corresponda às nossas expectativas pessoais. Insistir num curso com o qual não estamos nos identificando ou numa profissão que não está dando o retorno esperado pode significar um grande erro. Não somos como as abelhas determinadas a fazer mel. Somos seres humanos em crescimento e transformação contínuos e devemos nos dar uma nova chance sempre que necessário.

Como você soube que fez a decisão certa ao cursar psicologia? O que a levou a essa decisão? Como afirmei anteriormente, esta certeza não vem de imediato, mas com o tempo. Eu tive certeza de que havia escolhido a profissão certa na realização dos meus estágios durante o curso. E, posteriormente, quando passei a lecionar no curso de Psicologia da UFSJ. Ao ter a grande oportunidade de conciliar teoria e prática me senti completamente realizada na profissão que escolhi. Minha decisão pelo curso de Psicologia foi norteada pelo meu projeto pessoal de ajudar pessoas e pelo meu desejo de ser um canal do amor de Deus aqui na terra. Sempre levei a sério o mandamento cristão que eu deveria amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesma. E eu via a profissão de psicóloga como um excelente meio para exercer este mandamento. Eu era uma jovem ingênua e cheia de desejo de promover a saúde das pessoas, de cuidar do humano. Hoje, se passaram 32 anos de exercício profissional, e este desejo ainda arde em meu coração e me motiva para o trabalho.

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