Cyntia, ativista de direitos humanos e feminista, na presidência da Casa do Brasil de Lisboa

A psicóloga sul-mato-grossense assume no momento em que a Assembleia da República acaba de aprovar alterações na lei dos estrangeiros, processo que ela acompanha de perto.


Imigrantes & Empreendedores

José Venâncio de Resende 0

Cyntia de Paula, nova presidente da Casa do Brasil de Lisboa...

A psicóloga Cyntia de Paula, 31 anos, foi eleita, em assembleia geral eleitoral no dia 14 de setembro, presidente da Associação de Imigrantes Casa do Brasil de Lisboa, que está completando 25 anos. A diretoria presidida por Cyntia, para mandato de dois anos, é formada por sete diretores, acrescidos de três conselheiros fiscais e três representantes da assembleia geral. Ela substitui Fabrício Soares que dirigiu a entidade no biênio anterior.

“Assumi este cargo porque acredito no trabalho que fazemos e vejo este momento como de desafio para continuar a luta pela garantia de direitos e de igualdade dos/das imigrantes, a fim de que possam ter oportunidades iguais na comunidade de acolhimento”, diz Cyntia. Ela enfatiza o seu papel de dialogar com os representantes da comunidade local (tanto na esfera política quanto da sociedade civil) sobre os desafios e as dificuldades enfrentados pelos (as) imigrantes.

Cyntia pretende valorizar tanto as atividades internas (atendimento, projetos, atividades de intervenção etc.) quanto a formulação de políticas públicas. “Uma associação que não trabalhe apenas da porta para dentro, mas também busque levar para fora as vivências e dificuldades dos imigrantes no geral e, em especial, das mulheres imigrantes.”

Por ser feminista, Cyntia quer intensificar, no âmbito da Associação, o olhar da mulher imigrante, por entender que as situações e vivências específicas exigem uma intervenção cada vez mais forte para garantir os direitos gerais das mulheres e, particularmente, das imigrantes. “Além das desigualdades de gênero que afetam de forma negativa e retiram direitos de todas as mulheres, há questões específicas que atingem a mulher imigrante. Ou seja, às desigualdades de gênero, soma-se o fato de a mulher ser imigrante e, além disso, brasileira. Um estereótipo que leva ao preconceito e causa mais discriminação.”

Um dos planos de Cyntia é alargar as parcerias da Casa do Brasil, ampliando o trabalho desenvolvido com outras associações (de imigrantes, de direitos das mulheres e das minorias em geral). “Queremos partilhar o trabalho com outros parceiros com o objetivo de melhorar as condições de vida dos imigrantes em Portugal.”

Feminista precoce

Cyntia nasceu em Três Lagoas e cresceu em Inocência, onde estudou o primeiro grau e o ensino médio. Vivendo no interior do Mato Grosso do Sul, desde cedo, ela descobriu que era feminista mesmo sem saber que existia o termo “feminismo”. “Sempre fui ativista pelos direitos humanos e pelos direitos das mulheres em especial. O que me inquietava eram as desigualdades de gênero na sociedade machista e patriarcal que vivemos, que afetam principalmente as mulheres, que possuem menos direitos e oportunidades que os homens, sofrem diversas opressões por serem mulheres e são vítimas de diversas formas de violência de gênero, como a violência doméstica, o assédio sexual, etc.”

Em agosto de 2009, Cyntia formou-se em Psicologia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Durante o curso, foi estagiária no projeto de extensão da Universidade, denominado “Escola de Conselhos”, que capacita conselheiros tutelares e de direitos e trabalha para a garantia dos direitos de crianças e jovens.

Em setembro do mesmo ano, transferiu-se para Portugal para fazer mestrado em psicologia comunitária no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), de Lisboa. “Vim com passagem de volta porque não tinha intenção de ficar”.

Quando terminou o mestrado, em 2012, Cyntia já trabalhava como voluntária no gabinete de orientação e encaminhamento (GOE) da Casa do Brasil, tendo sido contratada em maio daquele ano. “O fato de ter tido a oportunidade de continuar a trabalhar na área de garantia de direitos humanos é, para mim, muito importante por exercer a profissão, atuar na luta pela igualdade de gênero e de oportunidades e continuar a ser ativista.” Desde 2013, Cyntia também atua na União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR).

Por isso, para Cyntia, ser presidente da Casa do Brasil neste momento é a síntese de todo um trabalho realizado, enquanto profissional e ativista. “Não foi fácil, por não deixar de ser mulher, imigrante e brasileira, apesar de trabalhar na minha área.”

Lei dos imigrantes

Cyntia assume no momento em que a Assembleia da República acaba de aprovar alterações na lei de estrangeiros, que passa a garantir autorização de residência em Portugal para os imigrantes que tenham “promessa de contrato de trabalho”. “A grande mudança refere-se aos imigrantes que entram como turistas (ou outro visto que não seja para trabalho), ao retirar a excepcionalidade (que dava poderes discricionários ao SEF-Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), ou seja, deixa de ser exceção (passa a ser uma regra).”

Assim, explica Cyntia, se o imigrante cumpre todos os requisites previstos nos artigos 88.2 e 89.2 da lei de estrangeiros, ele tem maior garantia de regularização. “A redação da lei é positiva, pois garante mais direitos para quem é imigrante e reside em Portugal.”

Porém, assinala Cyntia, a mudança na lei falhou ao não retirar a obrigatoriedade de “entrada legal em Portugal”. Ou seja, vai excluir as pessoas que não entrarem legalmente, dentro do período de 90 dias após a entrada no Espaço Schengen, no caso dos/as brasileiros/as e de outras comunidades imigrantes, por exemplo.

De qualquer forma, Cyntia considera que houve uma melhoria, desde que o SEF cumpra o que está previsto na legislação. No entanto, ela acredita que isto vai exigir uma grande mobilização por parte das associações de imigrantes para que o sistema aplique de forma correta a legislação. “Este é o grande desafio.”

Cyntia considera que a comunidade de acolhimento sempre ganha com imigração, tanto em termos de multiculturalidade quanto com o trabalho regularizado. Em geral, os imigrantes são pessoas mais jovens que contribuem mais com a Segurança Social do que utilizam o sistema. “Se as pessoas estiverem regularizadas, com contrato de trabalho, tem os seus direitos trabalhistas e sociais garantidos e contribuem para o equilíbrio do sistema já que grande parte está em idade ativa de trabalho. E também ficam menos susceptíveis à exploração laboral.”


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