Danilo, o caminhoneiro mineiro que atravessa a Europa de sul a norte


Imigrantes & Empreendedores

José Venâncio de Resende0

O caminheiro mineiro Danilo Barbosa...

Danilo de Oliveira Barbosa, 53 anos, brasileiro de João Monlevade (MG), profissão motorista de “pesados”, está em Portugal há 14 anos. Dirige um caminhão-frigorífico, com capacidade para 24 toneladas, e chega a percorrer pouco mais de 8000 km no período de 12 a 15 dias entre Portugal e Noruega/Suécia. Sem falar de outros destinos, como Inglaterra e Polônia.

Aos 19 anos, Danilo tirou a carteira de motorista e foi trabalhar na distribuição da Coca-cola. Aos 21 anos, mudou para o setor de transporte coletivo, primeiro em João Monlevade (Expresso Santa Maria) e depois em Belo Horizonte (várias empresas de ônibus).

Outra mudança na vida de Danilo ocorreria três anos depois. Em Vitória (capital do Espírito Santo), trabalharia mais seis anos em ônibus urbanos. Ao completar nove anos no setor de transporte coletivo, Danilo tinha um filho de oito meses quando sofreu um assalto. “Aí eu desisti de ônibus urbanos e voltei para o caminhão.”

Foi assim que Danilo ingressou na Cheim Transportes onde trabalhava com caçamba (cargas pesadas). “Depois trabalhei na Queiroz Galvão e na STA Transportes, com coleta de lixo, durante cinco anos.”

Em 2002, Danilo ficou desempregado. “Nas duas empresas, eu pedi para sair e eles me dispensaram.”

Em Portugal

Com a falta de perspectiva no mercado de trabalho, em 2003 Danilo decidiu mudar para Portugal. “A tia da minha esposa veio antes, e eu vim dez meses depois. As coisas estavam difíceis no Brasil, então ela veio pra Portugal e me ajudou com a passagem.”

“Meu primeiro emprego em Portugal foi de grelhador e churrasqueiro em Matosinhos (distrito do Porto)”, conta Danilo. Depois de seis meses, mudou para Coruche (vila pertencente a Santarém) onde começou a trabalhar em obras como servente de cofragem (armação ou estrutura de concreto de casas e edifícios). De lá, transferiu-se para São Domingos de Rana (freguesia do concelho de Cascais) onde passou a atuar como servente de trolha (equivalente a servente de pedreiro no Brasil).

Até que um dia Danilo foi convidado pelo seu primo Washington para morar em Santa Marinha do Zêzere (vila do concelho de Baião), a cerca de 6 km do município de Resende no norte de Portugal. “Eu ajudei fazer oitenta por cento dos muros da Ermida (freguesia e estação ferroviária logo depois de atravessar a ponte que separa Resende de Santa Marinha).”

Danilo trabalhou em serviços gerais durante seis meses com o empresário Antônio Rocha. “Encontrei nele, além de patrão, um grande amigo.” Trabalhou também num ferro velho em outra freguesia de Baião chamada Gouve, próximo a Marcos de Canaveses, com um caminhão que transportava lixo domiciliar de Guimarães para um aterro sanitário em Boticas, trajeto de cerca de 50 km).

“Aí eu vim para os muros de pedra como ajudante de pedreiro e depois pedreiro – fazia muros de pedra pela empresa Ter Muro em Amarantes, Santa Marinha, Marcos Canaveses e outros. Um patrão também excelente chamado Amando.”

Caminhoneiro

Cinco anos depois, surgiu a possibilidade de legalização e de retomar oficialmente a profissão original, conta Danilo. “Me legalizei, mas ainda fiquei dois anos trabalhando, como oficial ou profissional de cofragem, em obras na Espanha com o meu patrão português.”

Danilo então voltou ao Brasil quando renovou a carteira de motorista. “Em seguida, eu pedi a transferência para cá. Ainda trabalhei mais 15 dias nas obras em Espanha antes de retomar a minha profissão.”

Danilo ingressou, em 23 de setembro de 2010, na Samer Transporte que mais tarde se tornaria Yuma Transporte, “onde estou até hoje fazendo transportes pesados internacionais”. Ele dirige um caminhão-frigorífico com capacidade para 24 toneladas de carga.  E viaja por várias partes da Europa.

Em época de verduras, frutas e batatas, ele transporta estes produtos da Espanha para a Suécia ou Noruega e, na volta, traz bacalhau da Noruega para Espanha ou Portugal. Em outras épocas, carrega móveis, pneus e outras mercadorias “desde que não seja tóxico”.

Entre Portugal - passando por Espanha (para carregar), França, Bélgica, Holanda, Alemanha e Dinamarca – e o destino final (Suécia ou Noruega), Danilo percorre 8100 a 8200 km (ida e volta) durante 12 a 15 dias, em situação normal.

Refugiados

Mas Danilo já faz outros roteiros, como Polônia e Inglaterra. Da primeira viagem ao Reino Unido, ele não esquece. Na travessia do Canal da Mancha no Atlântico que liga o norte da França à Grã-Bretanha, transportava um carregamento de peras portuguesas para a cidade inglesa de Liverpool.

“A viagem foi problemática. Eu parei à noite num parque (local feito para estacionar e descansar) 100 km antes de Calais (França). Enquanto eu dormia, com o motor do frigorífico trabalhando (4 graus) e muito vento, entraram - sem que eu percebesse - 16 clandestinos, entre eles dois bebês. Eles serraram o furo do suporte do lacre e abriram a porta do frigorífico e entraram. Aparentemente, o lacre ficou intacto.”

Quando Danilo entrou na fila para embarcar no ferry (barco) que levava à outra margem do Canal da Mancha, o cão da polícia de fronteira detectou a presença dos refugiados no caminhão-frigorífico. “Um policial disse que tinha alguém dentro do frigorífico e pediu para eu abrir. Aí respondi que não podia abrir por causa do lacre. Então, os policiais cortaram o lacre com alicate. Quanto abriram, encontraram seis clandestinos: quatro adultos e duas crianças. Aí me mandaram de volta para passar de novo pela fiscalização e aguardar a liberação dos documentos.”

Novo susto

Como o frigorífico ficou muito tempo desligado, Danilo decidiu baixar a temperatura para 2 graus, colocou o frigorífico para trabalhar no contínuo e foi descansar. “Cerca de uma hora e meia depois, um colega bate na minha porta, dizendo que ouviu ruídos de clandestinos desesperados, batendo na lateral do frigorífico.”

O pessoal da fiscalização foi chamado, os mesmos policiais que não haviam detectado mais nada no embarque do ferry. “Aí abriram a porta do frigorífico e encontraram os outros 10 clandestinos.”

Danilo continuou o descanso por recomendação do patrão português, completando assim nove horas. “Então, embarquei no ferry e três horas e meia depois estava na Inglaterra, com destino a Liverpool.”

A longa viagem - durou cinco dias além do previsto – e a presença dos refugiados no frigorífico prejudicaram o carregamento de peras, recorda Danilo. “Era para eu descarregar num sábado, mas só fui fazer isso na quarta-feira. Quando cheguei lá, o cliente não aceitou a mercadoria porque estava toda desorganizada dentro do frigorífico. Aí o patrão teve de arranjar outro destino para a mercadoria, lá mesmo em Liverpool.”

Na volta, Danilo trouxe um carregamento de roupa chinesa para entregar em Paris. “Eu fui apenas mais uma vítima dessa situação dos clandestinos.”

Nas viagens seguintes para o Reino Unido, Danilo optou por descansar antes da estrada de Calais. “Isso deixa os clandestinos em dúvida quanto ao destino que o caminhão vai seguir.”

Hábitos

Danilo tem o costume de viajar a noite porque rende mais e é menos cansativo, “desde que a gente descanse bem durante o dia. Temos 15 horas para mover o caminhão e fazer entre 9 e 10 horas de condução segura. Nunca tente lutar contra o sono porque você vai perder.”

Ele também prefere fazer os próprios horários, o que nem sempre coincide com a opinião de muitos companheiros de viagem. “Eu gosto sempre de viajar eu e Deus porque os meus horários são diferentes dos outros, embora eu pudesse ter outro motorista para revezar comigo.”

Danilo conta que cozinha a própria comida no caminhão. Para isso, leva na viagem bacalhau congelado, arroz, macarrão, batata, ovos, pão, café e leite. Tem até um frigorífico no interior da cabine.

O caminhoneiro vive há quase 12 anos em Santa Marinha do Zêzere. A esposa, com quem é casado há quase 30 anos, e o filho de 24 anos moram no Brasil.

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