Fazenda da Laje


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Maristela de Oliveira Peluzzi 0

Fachada

As fazendas centenárias de Resende Costa sempre despertaram a atenção e a curiosidade de nós, moradores do município, como também de estudiosos que periodicamente vêm confirmar a importância histórica das destacáveis propriedades rurais do Arraial da Laje.

A Fazenda das Éguas, por exemplo, está relacionada à distribuição das primeiras sesmarias na região. A Fazenda dos Campos Gerais pertenceu à família do Inconfidente José de Resende Costa, servindo como cenário para a prisão do mesmo, juntamente com seu filho de similar nome, durante a retaliação ao movimento da Inconfidência Mineira, no século XVIII. Ambas representaram a certeza de que em tempos distantes, Resende Costa abarcou grandes latifúndios rurais, circundando um pequeno arraial. Assim como tais, havia outras propriedades que eram bem desenvolvidas economicamente – Fazendas do Andrade, Ribeirão de Santo Antônio, Pinheiros, etc. Eram auto-suficientes, com patamares de escravos bem consideráveis, dignos de um distrito bem estruturado.

Inserida neste vasto circuito fazendário, a Fazenda da Laje, localizada a 5 km da cidade, se mostra de uma maneira especial. Acreditamos que talvez não exista quase nenhum resende-costense que nunca tenha ouvido falar sequer de seu nome (Laje) que nos é tão peculiar ou de suas águas conhecidas popularmente como “prainha”, que muitas vezes proporcionaram a alegria de muitos que lá se aventuravam para se divertir em dias ensolarados. É um lugar que guarda um passado glorioso, de muitas riquezas, casos, tragédias, comoções, de muitas histórias surpreendentes. De acordo com o imaginário popular, existiu um escravo chamado Bró, que com a conivência dos feitores roubava porcos para, na calada, serem degustados numa mata da propriedade, daí o nome “mato do Bró”. Ah! Existe um muro de pedras coberto pela grama, está lá para quem quiser ver. Comentam também, que provavelmente devam existir formas de louças de cedro e jacarandá enterradas pelos escravos em algum lugar da Fazenda. Um de seus antigos donos se valia do barro branco para esculpir as peças, porém, supondo uma possível confiscação das terras, ordenou que seus escravos dessem sumiço aos utensílios.

Para a historiadora Helena Teixeira Martins, a Fazenda da Laje era constituída de mais de 9600ha de terras. Com muita clareza e objetividade, elaborou uma interessante análise a respeito das fazendas históricas da região mineira do Campo das Vertentes. Amparada pelas pesquisas de outros colegas, acaba por fazer colocações pertinentes sobre os grandes latifúndios do antigo Arraial da Laje.

Provavelmente, a formação tenha antecedido ao surgimento da sede do Arraial. Um de seus primeiros proprietários foi João Francisco Malta, que encabeçou o pedido para o erguimento da Capela de Nossa Senhora da Penha de França.

Os Autos da Devassa da Inconfidência Mineira inclui lista de bens seqüestrados em 28/09/1748, quando pertencia ao Inconfidente Cel. Francisco Antônio de Oliveira Lopes (era Coronel do Regimento de Cavalaria de São João del Rei). Era composta por terras de cultura e cria, com um número de vinte e dois escravos trabalhando. Uma quantidade elevada que a incide ao posto de grande propriedade rural, para os moldes daquela época - haja vista que a maioria das propriedades da Capitania das Minas Gerais possuía até três escravos. O escravo era uma mercadoria cara, e, somente fazendeiros abastados financeiramente poderiam dispor deste bem de produção. Nos Autos ainda aparecem trezentas cabeças de gado vacum, sessenta ovelhas, quarenta porcos, móveis, utensílios domésticos e para a lavoura e mais as benfeitorias indispensáveis às atividades econômicas da fazenda que assim são descritas:

“...engenhos de pilões de socar farinha, paiol com moinho aparelhado com picões, tudo coberto de telha, e mais as senzalas cobertas de capim, murado o terreiro de pedra, com todos os seus pertences de capoeiras e campos e mais logradouros e águas para o engenho e moinho...”

O Inconfidente morreu no degredo, na África. A Fazenda acabou sendo herdada pelo filho adotivo do casal, Antônio Francisco Coelho que posteriormente a trocou com Joaquim Thomaz da Costa, casado com Maria do Carmo, pela Fazenda do Curralinho, porém menor.

Não se sabe ao certo quanto tempo o casal permaneceu na Fazenda. O que se ouve contar seja pelo trabalho da historiadora ou pelas histórias que foram sendo ditas pelo passar dos anos por moradores da nossa terra, é que a esposa do proprietário teve um envolvimento amoroso extraconjugal com o médico local, conhecido como Dr. Gervásio, morador da Chácara, hoje pertencente ao Luciano Resende. Um romance proibido que terminou em tragédia. A mando de Maria do Carmo, escravos assassinaram Joaquim Thomaz com um tiro, em uma manhã de domingo. O crime se confirmou com a chegada solitária da mula que o conduzia, para, segundos depois, seu corpo ser trazido em volto por um lençol. Dizem ainda que o médico tentou envenenar a esposa, mas arrependeu-se ante o choro de seu filho (ou filha). Ao que parece, Maria do Carmo, desesperada, fugiu para Oliveira, deixando para trás a casa e o romance. O local da tragédia está marcado por uma cruz, podendo ser vista por quem se interessar.

Algum tempo depois, a Fazenda foi leiloada, passando para as mãos do Cel. Francisco Pinto de Assis Resende, que começou a explorar a propriedade de forma mais dinâmica, levando para lá escravos e gado. Curiosamente, a historiadora Helena Teixeira Martins aborda o Cel. Assis Resende como “a típica representação física do patriarca rural, usava indumentária escura e sobrecasaca nos dias de cerimônia religiosa e paletó comprido nos dias comuns. Casou-se primeiramente com Maria Senhorinha de Resende e, posteriormente, com Francisca de Paula Almeida Santos”.

Nesta fase, a fazenda dispunha de curtume e olaria para fabricação de telhas, serraria movida a água para aparelhar madeira, tenda de fundição e de engenho para fabricação de farinha, além de moinho para produção de azeite de mamona, usado para iluminar domicílios e vias públicas de vilas e cidades. Apesar de não explicar muito bem como acontecia, a historiadora chega a mencionar que o azeite produzido na Fazenda abastecia lampiões em Vila Rica. Como se vê, era indubitavelmente uma das propriedades agrárias mais prósperas do Arraial e, talvez, da Comarca.

O Cel. Assis Resende, também é lembrado como um homem de extrema magnitude. Á sua casa iam pessoas que eram atendidas com prontidão e esmero, seja para receber um pedaço de pão, proteção ou até mesmo remédios oriundos de seus conhecimentos medicinais empíricos. Em dias como os de agora, nos quais as jabuticabeiras estão carregadas de frutos, muitos faziam caminhadas até lá, para das jabuticabas se enfartarem.

Outro acontecimento referente ao coronel foi o casamento de uma de suas netas com Flávio José da Silva. Entretanto, em menos de um ano a jovem acabou falecendo causando grande comoção na cidade. Os habitantes do arraial foram até a fazenda para prestar as últimas homenagens aos familiares consternados com aquela perda.

Mediante dados obtidos no cartório do 1º Ofício de Resende Costa, em 1889 Francisco Pinto de Assis Resende passou a Fazenda da Laje para Pedro Pinto de Assis Resende e Antônio Pinto de Assis Resende, supostamente seus filhos. Já estava bem idoso e empobrecido, tamanha foi sua benevolência com a população do Distrito da Laje. Mas, seu nome jamais será esquecido em Resende Costa, inclusive foi dele a doação do terreno para a construção do “Grupo Escolar Assis Resende”.

A história segue seu curso natural e assim, provavelmente passou para as mãos de outros donos. José Batista Pinto foi um dos últimos moradores de que se tem notícia. Era conhecido como Zeca da Fazenda.

Hoje o grande latifúndio se encontra fragmentado em pequenos minifúndios. O local onde se encontrava a sede da Fazenda pertence à Dona Maria Anatair de Resende, neta do antigo proprietário, Cel. Francisco Pinto de Assis Resende e filha de José Batista Pinto, já citado.

Infelizmente da sede da Fazenda só restaram ruínas. Vestígios de uma propriedade que, segundo a historiografia mineira, se encontrava bem conservada em 1959, sendo destacados seu beiral com “bica, beira e sub-beira, bastante usado no período colonial, em casa de nobres”. Contrastando com a singeleza da casa, havia a escada de granito claro. Tal escada fora concebida, comenta Helena Teixeira, por pessoa conhecedora de estética e executada por mãos hábeis. Parte da escada foi mutilada por uma herdeira e o restante levado por predadores de antiguidades mineiras.

Segundo o que nos relatou uma sobrinha da atual proprietária, a casa sede não veio abaixo sem que ela procurasse recursos junto ao poder público municipal, aproximadamente no início da década de oitenta (não temos como precisar a data), porém não obteve resposta.

A Fazenda da Laje foi sinônimo de riqueza, auto-suficiência e produtividade; características comuns às grandes propriedades rurais dos séculos passados. Abrigou um idealista que sonhava com a liberdade. Isto nos leva a fazer suposições. Será que no interior da sede não chegou a ocorrer conversas que arquitetaram as diretrizes para o pretensioso movimento de independência do Brasil?

É de se lamentar profundamente que o curtume feito de pedras se encontre coberto pelo mato, os muros também de pedras e adobes que circundavam a casa se encontrem em estado precário, reminiscências do trabalho escravo largadas ao acaso do tempo. Das antigas senzalas só restam a parede localizada na parte esquerda superior ao lado das ruínas da antiga sede. O antigo moinho quase não se nota. E é, por essas e outras que nos perguntamos qual o papel do poder público seja ele municipal, estadual ou nacional na conservação do patrimônio histórico? O que dá para ser feito nesses casos? O mínimo que podemos pedir é um esclarecimento do por que da omissão, para que, futuramente vocês, nossos governantes, não sejam julgados pela história.

Este artigo foi baseado no trabalho da historiadora Helena Teixeira Matins (páginas 19 a 206)
 

Agradeço as informações prestadas pela gentil Dona Socorro, bisneta do Cel. Assis Resende.