A história contada em um tear


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André Eustáquio0

O desfile de carros-de-boi é uma das atrações da Festa de São João

O mirante das Lajes proporciona a todos que vão até lá uma magnífica visão. Vê-se onde a cidade termina, estradas serpenteando ao longe, o histórico caminho da fazenda da Laje e, quase que perdida no horizonte, está uma capela no alto de um morro. Em tardes claras, ela se torna nítida ao refletir a luz envolvente do sol. Ergue-se airosa a pequena capela que se desvela do meio de árvores e vales, e viaja até nós através dos raios do sol.

Alcemos vôo do mirante das Lajes em direção a este pequeno ponto reluzente fixado em cima de um morro. Voaremos sobre a história, enxergando o princípio e entendendo o presente. O vôo é rápido. Apenas 14 quilômetros separam o mirante da pequena capela. O que há nesse percurso? Uma saga. Mascates se prosperaram; o artesanato chegou à cidade e o tear começou a tecer a sua história. A capela que miramos do alto das Lajes faz parte da história de um povoado que começou, como muitos, de uma fazenda.

No começo era apenas a fazenda do Sr. Felisberto Pinto de Góes e Lara. Uma vastidão de terra circundava a casa-grande. A vida naquele lugar não era diferente das demais propriedades rurais do século XVIII: senhores e escravos, casa-grande e senzala. Tudo era produzido ali, desde os alimentos até as vestimentas. A ostentação era fruto do suor de negros cativos que, entre outros trabalhos, construíram perfeitos muros de pedra que contornam o lugar e que hoje protegem o que ontem foi um símbolo de poder, dinheiro e suntuosidade.

Com o transcorrer do tempo e da história, aquela imensidão de terra foi sendo dividida e outras fazendas foram surgindo; pessoas foram chegando e o povoado foi se constituindo. A velha fazenda do Capitão Pinto foi referência até boa parte da primeira metade do século XX. Lá funcionou a primeira escola do lugar, tendo como professora Dona Noeme. Da fazenda dos Pintos surgiu o povoado dos Pintos, nome dado em homenagem ao Sr. Felisberto Pinto de Góes e Lara.

A história do povoado dos Pintos está intimamente ligada ao princípio da produção artesanal em Resende Costa. Conforme o que está escrito no livro “Tear: artesanato em Resende Costa” de Micênio Carlos Lopes dos Santos e Gustavo Melo e Silva, o artesanato de colchas e outros materiais tecidos de trapos (retalhos) nasceu das mãos hábeis de “moças roceiras”. De acordo com Gustavo, a existência do tear em Minas Gerais remonta o século XVIII e está diretamente ligada à escravidão e ao movimento da Inconfidência Mineira.

Não é possível precisar a data em que os primeiros teares surgiram em Resende Costa. Mas existe a certeza de que a região do povoado dos Pintos aparece “como o principal foco da tradição artesanal, que hoje toma conta de quase toda a cidade”.

Segundo Micênio Carlos e Gustavo Melo, “as primórdias famílias que fundaram Resende Costa transmitiram para outras gerações de famílias a técnica e a arte de tecer artesanalmente”. A atividade artesanal era exercida exclusivamente pelas mulheres. No Povoado dos Pintos, na década de 50, as mulheres teciam e os homens saíam vendendo em cidades distantes, como é o caso do sr. José Silvério e Dona Maria Libânia de Resende (Mariquinha), tradicionais artesãos do povoado. “Naquele tempo era tudo diferente. A gente fazia colcha de lã de carneiro; de pluma e de fiado antigo. Tecia também colcha de retalho velho (colcha de trapo), o que dificultava a venda”, diz o sr. Silvério que, por muitos anos, viajou vendendo artesanato.

Dona Mariquinha transmitiu seus conhecimentos aos seus 5 filhos e 9 netos; sua família, bem como a de Dona Anita (conhecida como Anita do Pascoal), dona Lilita e dona Maria da Conceição, aparecem como as “mais antigas detentoras de conhecimentos sobre a tecelagem artesanal”.

O tear ainda está em evidência no povoado, mas não é mais a principal fonte de renda. Dentro do povoado, figura como a principal atividade comercial o cultivo do inhame. Nos sítios e fazendas da região aparecem o carvão e o leite. Além disso, o turismo há muito vem contribuindo com desenvolvimento local. A cachoeira dos Pintos atrai turistas o ano inteiro. Em busca de tranqüilidade e bela paisagem, os visitantes encontram no povoado o lugar ideal. Há pessoas da cidade que, fascinadas pelo lugar, construíram suas próprias casas no povoado, com o intuito de curtirem fim de semana, temporada de férias e verão. Maria da Penha Pinto construiu no povoado há oito anos, como ela mesma diz, “o meu ranchinho”. Maria da Penha consolidou uma relação de amizade e admiração com a população local: “O pessoal é muito bom, vale a pena ir para lá”.

A tradição religiosa é muito forte no povoado. Grupos de jovens e de Emaús constituem-se como lideranças espirituais do lugar, que tem como padroeiro São Geraldo. Mas é São João quem faz a festa. No último fim de semana do mês de junho, a festa de São João anima o povoado dos Pintos, levando muita gente para lá.

Contamos um pouco da história deste lugar que, ao longo dos anos, vem ajudando a tecer a história do nosso município. Ao visitar as famílias de artesãos e, sobretudo, conversando com eles, percebe-se claramente que o artesanato vai muito além de lojas, comércio e turismo: ele é a manifestação da vida e da cultura de um povo ligado a terra e ao seu cotidiano.

Voar alto e romper fronteiras! A arte apresenta este mandamento. Viajando no lombo de cavalos, mascates divulgaram o artesanato que saía de um pequeno lugar que, incrustado entre vales e cachoeiras, vai ficando longe dos olhos de um admirador que, do mirante das Lajes, vê a pequena capela desaparecer no ocaso do dia, sombreada pelo pôr-do-sol.

Nota: Para aprofundar o assunto do artesanato no povoado dos Pintos, consulte o livro: “Tear: artesanato em Resende Costa”, escrito por Micênio Carlos Lopes dos Santos e Gustavo Melo Silva.